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Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Fechamento de centros especializados gera críticas

O Ministério da Educação tem debatido com gestores públicos da educação, estudiosos da educação inclusiva e mantenedores de escolas especiais as mudanças previstas no documento preliminar da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que propõe a conversão das escolas especiais em centros de atendimento especializado. As queixas, no entanto, partem exatamente desses setores.

A Subcomissão de Assuntos da Pessoa com Deficiência no Senado enviou ao ministro da Educação, Fernando Haddad, um manifesto em que pede a manutenção das escolas especiais. Vice-presidente da subcomissão, o senador Flávio Arns (PT-PR) é favorável à inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular, mas contra o fechamento das instituições especializadas porque nem todas teriam a devida atenção nas escolas comuns.

Já para a Federação das Apaes do Paraná, a decisão ignora o trabalho feito há décadas pelas escolas especiais. Primeiro, o MEC descarta a criação de novas escolas. Assim, os 3,5 mil municípios que ainda não as possuem ficarão sem poder tê-las. "Isto significa negar o direito à educação aos alunos com deficiência que dependem de atendimento especializado em educação", diz o presidente da federação, José Turozi.

O MEC quer transformar as escolas especiais em centros de atendimento aos alunos. Assim, dizem as Apaes, o MEC elimina um trabalho de cerca de cinco décadas na educação de pessoas com deficiência. "É importante destacar que a legislação reconhece as escolas especiais como instituições que oferecem educação básica, infantil, fundamental, ensino médio, de jovens e adultos, profissional." (MK)

Imagine uma sala de aula com 35 alunos onde uma criança com Síndrome de Down sente-se ao lado de um colega com deficiência auditiva e, na cadeira da frente, esteja outro com um quociente de inteligência elevado. Imagine ainda outra classe em que um aluno com paralisia cerebral esteja junto de um amiguinho numa cadeira de rodas, ao lado de outro com deficiência visual ou uma síndrome genética qualquer. E à frente dessas turmas, professores que dêem conta de atender às necessidades educacionais de todos, sem distinção.

O Ministério da Educação (MEC) quer transformar estas situações hipotéticas em realidade a partir da nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. O objetivo é ampliar o acesso das pessoas com deficiência às escolas regulares, respeitando o direito de todos à educação. Fiel à Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada em março pelo Brasil, o MEC quer acabar com as escolas especiais e colocar todos na escola normal.

Neste debate que começa a ganhar corpo, governo, pais, educadores, políticos e entidades ligadas às pessoas com deficiência divergem sobre o melhor lugar para a criança desenvolver suas capacidades cognitivas e ser incluída socialmente. De um lado está quem é favorável a se colocarem os portadores de síndromes genéticas ao lado dos outros alunos, inclusive dos superdotados intelectuais, para que todos tenham as mesmas oportunidades. No lado oposto está quem acha que a escola não daria conta de atender crianças com necessidades tão diversas e específicas.

"Toda criança, independente da deficiência, deve estar na escola. Ela cabe nesta nova visão da educação", diz a presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Rosane Lowenthal. Esta "nova visão" se refere exatamente à inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular e às mudanças que isso provocará. Rosane reconhece o despreparo das escolas para este público, mas acredita que não dá para esperar que elas mudem para depois recebê-lo, porque não mudariam por si só.

"Ninguém muda se não tem necessidade", avalia Rosane. A nova política proposta pelo MEC cria esta necessidade. Seus críticos, porém, alegam a perda de autonomia das escolas especiais. Rosane, que também é secretária de gestão do conhecimento da ONG Escola de Gente, explica que com as mudanças o ensino especializado serviria como complemento ao regular. Um deficiente visual, por exemplo, continuaria aprendendo primeiro o alfabeto braile nos novos centros de atendimento para só então ir a um estabelecimento convencional.

Para o grupo de defensores da escola especial, esta inclusão já vem acontecendo. Nos últimos dez anos houve um aumento de seis vezes e meia no número de matrículas de pessoas com deficiência no ensino regular. O censo escolar do MEC revela que no ano passado havia 700.624 alunos com deficiência estudando no país, 375.488 deles matriculados em escolas e classes especiais e 325.136 em estabelecimentos comuns. O mesmo grupo diz haver boas explicações para que mais da metade desse público continue nas instituições especializadas.

Para muitos, elas servem como lugar de passagem, para outros, como único lugar possível à escolarização. "Quem tem condições de ir para o ensino regular já está indo", salienta a pedagoga Alessandra Marquete, diretora da escola especial Pequeno Cotolengo, em Curitiba. Ela vê retrocesso nas mudanças do MEC. Na avaliação dela, também especialista em educação especial, aos centros caberia apenas o atendimento clínico, e não mais pedagógico-educacional. E isso tem implicações diretas na vida da criança com deficiência.

Alessandra acredita que numa escola regular, que não está preparada para recebê-la, ela perderia seu ponto de referência e o sentimento de pertencer a uma escola. Das 230 pessoas atendidas pelo Pequeno Cotolengo, 184 estão na escola especial. Desses, nove estudam meio período no ensino regular. A maioria, no entanto, tem duas ou mais deficiências associadas (visual, auditiva, física e mental), o que dificulta ou impede a inserção em escola comum. "É esta realidade que o MEC não vê", diz Alessandra.

A preocupação maior diz respeito ao cotidiano escolar. Se hoje a escola produz crianças com problemas de aprendizagem decorrentes de rótulos recebidos pela própria turma, de preconceitos de professores, de dificuldades interpessoais, de metodologias pedagógicas inadequadas, então ela ainda não está preparada para receber crianças com necessidades ainda mais especiais. Por isso, profissionais da área defendem que a inclusão exige uma análise de cada caso de deficiência.

Os alunos com deficiências física, visual e auditiva, por exemplo, podem ser incluídos no ensino regular sem maiores conseqüências quanto ao acompanhamento cognitivo da aprendizagem. Ainda assim, com uma ressalva: desde que assistidos por profissionais especializados e com equipamentos adaptados. Já os casos de deficiência mental exigem atendimento diferenciado. Por isso, defende-se uma inclusão gradativa, comprometida e responsável, que considere cada caso.

Tentativas de inclusão já vêm acontecendo, mas nem sempre com sucesso. Psicóloga da escola especial Nilza Tartuce, em Curitiba, Maria de Fátima Minetto diz que muitos alunos inseridos no ensino regular acabaram voltando. Ali eles têm à disposição uma equipe de fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional. "Quando a escola regular vai oferecer isso?" Autora do livro Currículo na Educação Inclusiva: Entendendo este Desafio (Editora IBPEX), Maria de Fátima é favorável à inclusão desde que haja uma estrutura.

Essa estrutura terá de ser criada ao longo do tempo, com esse público já inserido na rede regular de ensino. Pela proposta do MEC, as escolas especiais já reconfiguradas como centros de atendimento farão esse meio de campo por meio de atividades no contraturno escolar, como apoio educacional, orientação às famílias, formação continuada de professores, produção de materiais especializados, formação profissional e encaminhamento ao mercado de trabalho. Neste momento da discussão, as opiniões tendem a extremos.

"Se elas (escolas especiais) fossem tão boas, não se tinha iniciado um movimento pela inclusão na escola regular", diz Rosane Lowenthal. "Elas já fazem a inclusão", afirma o presidente da Federação das Associações de Pais e Amigos de Excepcionais (Apaes) do Paraná, José Turozi. "Elas podem não ser o ideal, mas são um espaço necessário." Segundo ele, ali se trabalha o aluno de forma integral, respeitando a diversidade e as necessidades de cada pessoa. "Não estamos preocupados em educar para dar um diploma."

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