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"D.A.V.", de 18 anos, desenvolveu uma técnica para despistar a solidão. Quando está às voltas com seus problemas de menina – um amor, uma briga, uma bobagem qualquer – escreve tudo num pedaço de papel. Depois, é só deixar em algum canto ou jogar na rua. "Alguém vai passar, pegar o bilhete e ler. Assim, pelo menos, tenho com quem desabafar", conta a jovem que passou dez anos de sua vida em abrigos, sem nunca ser adotada.

Os bilhetes ajudam "D" a acertar os ponteiros com a própria história. O mesmo vale para as fotografias. A moça não se intimida. Ao conhecer alguém bacana, um amigo em potencial, pede licença, fotografa e arquiva. Em casas, volta e meia, se vê remexendo nos álbuns nos quais montou uma família imensa, sem laços de sangue, mas que cresce até não poder mais.

"Às vezes, me pergunto por que Deus tirou de mim todas as pessoas que amava", lamenta. Primeiro foi a mãe – com a qual morava numa favela do Parolin. Era líder, vivia de bicos com vendas e eletricidade, e morreu jovem, deixando "D" e um irmão com a avó. Com medo de que os netos se envolvessem com drogas e violência, mandou-os para uma instituição. "Era a melhor avó do mundo, ia sempre nos ver. A gente achava que um dia os três iam viver juntos." Mas a avó também se foi – ficando a custódia para uma tia. O caso é clássico: nem a garota, nem o irmão foram liberados pela parente para adoção, mas também não saíram do abrigo nem voltaram para casa. Exceto quando completaram a maioridade e ganharam a estrada, cada um por si.

"D" hoje mora numa das vilas da CIC com uma amiga que conheceu na última república em que viveu. "Todo mundo pergunta se somos irmãs, porque a gente tem o mesmo jeito, é parecida, se dá bem." Nos dias em que tudo não está uma maravilha, a moça escreve bilhetes, tira fotos e confessa pensar como seria sua vida se tivesse ido para o Canadá ou para o Japão – de onde vieram pretendentes para adotá-la. "Chega uma idade e a gente tem de pensar pela própria cabeça. Meu irmão e eu decidimos que jamais iríamos embora do Brasil. Até penso que minha vida seria mais fácil, mas a gente, no fundo, não queria ir embora daqui."

Recém-saída do abrigo, "D.A.V." procura emprego, "nem que seja para distribuir folhetos". Semana passada fez seu book, com uns trocados que tinha na poupança. É vaidosa. Usa unhas decoradas, piercing no nariz, dreads com cordas, sorri muito e avisa que está de bem com a vida. Como não é de ferro, de vez em quando joga uns bilhetinhos por aí ou tira fotos novas para seu álbum de família.

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