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São Paulo – Um dos pais do "déficit nominal zero", projeto voltado para o desenvolvimento econômico tão sonhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Delfim Netto é visto em Brasília como possível candidato a uma vaga no novo ministério. "Lula quer lhe dar um posto, nem que seja que de ministro da Agricultura", afirma um dos articuladores do governo referindo-se a um ministério que Delfim ocupou no início do governo João Figueiredo, que mais tarde lhe entregou o comando da economia. "A idéia é que o PT pode resistir no início, em função do passado, mas depois aceitará."

Aos 79 anos, Delfim passou de adversário ferrenho do PT a conselheiro influente no Planalto. É ouvido em temas específicos, como alíquotas de imposto ou complicações numa medida provisória. Também é convidado para comparecer ao gabinete presidencial para falar sobre o futuro. Delfim entra e sai do Planalto pela garagem subterrânea, reservada às autoridades da casa. Derrotado na campanha para deputado, virou convidado de Lula nos palanques do segundo turno Lula disse que o "preconceito da elite" levou Delfim à derrota. Um assessor acredita que, ao trocar o PP, herdeiro da Arena do regime militar, pelo PMDB de Orestes Quércia, Delfim fez um movimento que o eleitor não entendeu e por isso foi abandonado. O próprio Delfim, que detesta falar do assunto, diz que derrota "é como desastre de avião: deve-se a um conjunto de fatores".

Delfim assegura que não tem interesse num emprego de ministro, de onde saiu execrado no fim do regime militar, ainda que seu nome esteja associado ao milagre econômico, quando o país crescia 10% ao ano. Mesmo recordando que "foi nesse tempo que o metalúrgico Lula pode comprar um Volks", Delfim diz: "Meu tempo já passou."

Mudança de lado

O prestígio de Delfim serve para confirmar as voltas infinitas do mundo político. Conhecido por "defender Lula pelas costas", qualidade muito apreciada no Planalto, a origem histórica de Delfim e Lula tem um registro ilustre num cartum de Chico Caruso de 1983, exposto até hoje no gabinete do professor em seu escritório político, no Pacaembu. Para ilustrar uma derrota sindical diante do "tzar" da economia, Caruso fez um desenho onde Delfim aparece vitorioso como um domador de circo, com os pés sobre o lombo de Lula – de imensa juba, como um leão domesticado.

Duas décadas depois, a situação de certo modo se inverteu. Na campanha de 2002, Delfim tornou-se um interlocutor freqüente de Antônio Palocci, o futuro ministro da economia que cuidava do programa de governo. Foi ao Sofitel, a sede da campanha, onde sugeriu a Lula declarações para acalmar o mercado. Mais tarde, explicava a política econômica aos empresários. No Congresso, ajudou a aprovar a medida provisória do crédito consignado.

Num governo que experimentava os primeiros sabores do Estado federal, Delfim sempre foi uma voz valiosa. Pelo conhecimento da máquina, podia orientar o governo em relação a cada decisão. Ainda deu a Lula um alimento político essencial – argumentos duros e recheados de números para uma crítica aos oito anos de governo tucano. Qualquer pessoa que tenha prestado atenção às afirmações de Lula nos debates do segundo turno é capaz de reconhecer, em muitas passagens, as críticas de Delfim à gestão Fernando Henrique Cardoso.

Mesmo sem integrar a equipe de Palocci, Delfim era ouvido. Certa vez, esgotado em discussões com governadores sobre o ICMS, Palocci desabafou: "Esse país não tem jeito. Como é possível que o imposto sobre valor agregado seja cobrado pelos estados? Isso ninguém consegue consertar." Delfim reagiu: "Concordo. Fui eu que fiz."

O salvador

Delfim não poupa elogios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas também não deixa de fazer críticas às taxas de juros e ao Banco Central. Na entrevista a seguir, o ex-ministro diz que Lula pode salvar o Brasil.

O senhor tornou-se um aliado do presidente Lula. Por quê?Delfim Netto – Lula pode salvar o Brasil. Como não pode mudar-se para Paris no final do segundo mandato, Lula estará de volta a São Bernardo. Ele poderá retornar consagrado, como o grande estadista que saiu de baixo, foi até a Presidência e ganhou o direito de tomar sua cervejinha sossegado. Ou poderá retornar como um metalúrgico fracassado. Conhecendo a inteligência do presidente, tenho a impressão de que vai preferir a primeira alternativa.

Por quê Lula tem tanto apoio popular?Algumas pessoas acham que a Bolívia elegeu o presidente Evo Morales por acidente. Não. Há dez anos a Bolívia era um exemplo de ajuste econômico. Todos os economistas do mundo foram lá para ver como estava mudando. Não faltaram recursos externos nem medidas de boa vontade. Mas eles esqueceram dos índios.

Qual a vantagem de Lula sobre os outros candidatos?Ele é o único político em quem os trabalhadores confiam, como ficou claro no segundo turno. Se a campanha continuasse, Alckmin ficaria menor ainda. Lula pode fazer reformas em que o povo pode até aceitar algum sacrifício, porque sabe que o presidente não levará uma facada nas costas. Lula não é Evo Morales. Sempre acreditou no capitalismo, sempre achou que é preciso haver hierarquia para a economia funcionar. Gosta daquele velhinho lá de Cuba, mas sabe que aquilo não funciona. Ele é católico fervoroso. Sabe que o Estado não deve substituir o mercado. Mas também sabe que o Estado deve ser usado para corrigir a injustiça e a desigualdade e quer que o governo se ocupe disso. Ele entendeu qual é o problema do mundo hoje.

E qual é o problema?É o crescimento. Lula sabe disso e sabe que o único caminho é o mercado.

Mas, se Lula é assim tão bom, por que a economia cresceu pouco?A economia cresceu 4,2% em 2004. Não é pouco. O problema é saber por que não continuou crescendo nesse ritmo. O crescimento foi abortado por um erro do Banco Central. O BC recebeu metas muito ambiciosas de superávit primário e acabou elevando a taxa de juros além do necessário. É preciso que todos acreditem hoje que a economia vai crescer amanhã para que ela possa seguir crescendo. Por isso não acredito em metas de crescimento.

Por que não?O crescimento da economia é um produto, combinação de vários fatores. Acredito em meta de inflação, desde que seja realista. Inflação baixa ajuda o crescimento.

Se o Banco Central tivesse independência, poderia ter sido melhor?Sou contra a independência do Banco Central porque não é democrática. Quem ganha a eleição é o presidente. Por que, depois de eleito, ele deveria entregar um poder enorme em qualquer economia, que é definir a taxa de juros, a outra pessoa? Não faz sentido.

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