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Só 25% das queixas são investigadas

Um quarto dos 10,4 mil boletins de ocorrência registrados em 2011 pela Delegacia da Mulher (DM) de Curitiba se tornaram inquéritos policiais. Isso porque as próprias vítimas não "representaram" contra seus agressores, ou seja, não solicitaram que a polícia desse prosseguimento às investigações. "Para representar, as mulheres só precisam comparecer à delegacia. Se as vítimas não fizerem sua parte, os casos ‘morrem’ no boletim de ocorrência", explica a delegada Maritza Haisi.

Para a policial, o medo que as mulheres sentem dos autores dos crimes – que muitas vezes convivem com elas sob o mesmo teto – e a vergonha por sofrer as violências são os principais motivos pelos quais as vítimas optam por não levar as investigações adiante. É o que ocorreu com uma operadora de telemarketing de 26 anos que pediu anonimato. Há dois meses, ela se separou do marido com quem tem um bebê de um ano e de quem sofria agressões físicas há um ano e meio. Com a intensificação das ameaças, ela resolveu denunciar.

"Eu pensava no meu filho, tinha vergonha de as pessoas saberem que eu apanhava. Achei que [as agressões] fossem passar com a separação, mas não pararam. Eu tive que tomar coragem para vir até aqui [à delegacia]", conta.

A partir da análise dos registros, a DM de Curitiba traçou um perfil que aponta que a maioria das vítimas pertence as classes C, D e E. Segundo a delegada, nessas camadas da sociedade, as mulheres estão mais vulneráveis aos agressores, porque o aspecto econômico tem um peso maior. "Apesar de terem força laboral, essas vítimas optam por não tomar uma atitude como sair de casa porque a renda não seria suficiente para suprir seu sustento e dos filhos. Então elas se submetem. Por isso a assistência social seria determinante", explica Maritza.

  • Veja os números de inquéritos sobre violência contra a mulher

Curitiba tem 7.387 inquéritos po­­liciais de violência contra a mu­­lher em aberto, à espera de punição. A cada mês, cerca de 200 novos procedimentos são instaurados, mas a Polícia Civil só consegue dar conta de um terço dessa demanda. Dian­te desse cenário, a projeção da De­­legacia da Mulher (DM) é de que, ao final de 2012, se chegue a 10 mil inquéritos acumulados.Só no ano passado, a delegacia registrou 2.552 novos inquéritos na capital para investigar delitos como lesão corporal, ameaça, crimes contra a honra e casos de violência sexual. As outras 4,8 mil investigações em andamento se referem a casos ocorridos nos cinco anos anteriores. O número seria maior, se um volume incontável de ocorrências computadas antes de 2006 não tivesse prescrevido.

Chefe da DM há dois meses, a delegada Maritza Haisi avalia que a celeridade nas investigações esbarra na "histórica falta de investimento" em pessoal e infraestrutura. Com nove investigadores, oito escrivães e três delegados, a unidade precisaria de pelo menos o triplo de profissionais para atender a demanda. "Fizemos uma reestruturação para otimizarmos os recursos. Existe um planejamento para criar um ambiente mais digno para acolher as vítimas. Mas é preciso recursos."

A peregrinação de mulheres que sofreram algum tipo de violência começa já no registro do boletim de ocorrência (BO). O atendimento é feito em quatro guichês. Em horários de pico, como no início da tarde, dezenas delas chegam a se aglomerar na sala de espera.

Nas filas, as vítimas acabam percebendo as falhas estruturais do serviço. "Eu acho que não é má vontade. É que eles [a polícia] não têm gente para tocar as investigações e atender todos os casos", disse uma diarista de 46 anos, que registrou BO por ameaças feitas pelo ex-namorado. "Ainda assim, é importante fazer o boletim, porque fica registrado."

Outro revés enfrentado pelas vítimas que vencem o medo e fazem a denúncia é a falta de contrapartidas do estado para minimizar os efeitos da violência. A equipe multidisciplinar, composta por assistentes sociais e psicólogos, da DM de Curitiba está desativada há anos. Apenas um estagiário se desdobra para tentar acolher as vítimas.

Perspectivas

Apesar da conjuntura desfavorável, a delega se anima diante dos projetos futuros. Como prioridade, Maritza quer reativar "o quanto antes" a equipe multidisciplinar e esboça a criação de um setor de inteligência, estatísticas e planejamento. "As ações serão definidas com base nesses dados", explicou.

A delegada trambém aposta no treinamento dos policiais que fa­­zem o primeiro atendimento às mulheres. "Esse contato humano é determinante, porque as vítimas chegam muito fragilizadas. É preciso que os policiais que fazem este atendimento estejam treinados para isso."

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