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O primeiro assentamento oficial no Paraná, o Vitória, em Lindoeste, reflete a intenção do MST de melhorar a infraestrutura para agricultores. | Vale Press/Cesar Machado
O primeiro assentamento oficial no Paraná, o Vitória, em Lindoeste, reflete a intenção do MST de melhorar a infraestrutura para agricultores.| Foto: Vale Press/Cesar Machado

No fim de semana de 20 a 22 de janeiro de 1984, reuniam-se em Cascavel 80 trabalhadores rurais de 12 estados brasileiros com o objetivo de discutir as invasões e organizar o que naquela época já se chamava de "democratização da terra". O principal fruto dessa reunião foi a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), uma das várias organizações populares criadas a partir do fértil ano de 84 – capítulo importante nos livros de História brasileira principalmente por causa da ebulição social do movimento das Diretas Já e da vitória de Tancredo Neves (PMDB) sobre o então candidato do regime militar, Paulo Maluf, que marcou o fim da ditadura.

Hoje, 25 anos depois, o MST continua sendo lembrado pelas fotos de foices e enxadas em punho, mas tenta se descolar da imagem violenta e afirma que aprendeu a fazer política, ressaltando que busca aliados em qualquer partido para lidar com os novos desafios da reforma agrária. Três fatos dos últimos anos ilustram essa recente articulação com Brasília: o descontentamento com um dito descaso do governo em relação à reforma agrária; o crescimento do agronegócio, inimigo da ideologia de agricultura familiar; e também o corte de verbas públicas sofrido pelo MST em função de irregularidades na prestação de contas de suas entidades legais, apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). As acusações são de emissão de notas frias e desvio das finalidades para as quais os recursos foram destinados.

Apesar da modernização necessária em um país que mudou muito, os ideais do MST nesse quarto de século mudaram muito pouco. O membro da coordenação do movimento no Paraná José Damasceno diz que os três objetivos em torno dos quais o movimento foi erguido – luta pela terra, luta pela reforma agrária e transformação social – estão "na ponta da língua até hoje" e continuam pautando todas as ações do MST. A maior diferença, segundo o historiador Cliff Welch, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária do departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é que de início se tratava de uma campanha "pela" terra, para conseguir assentar pessoas em terrenos; e agora a luta é também "para" a terra, para melhorar as possibilidades de vida dos produtores rurais assentados. "Mas o cerne continua sendo uma luta contínua de políticas que deem apoio e suporte ao pequeno agricultor", diz.

Essa demanda de melhores condições para assentados provém do fato de que, nesses anos de existência, assentamentos se tornaram realidade – ainda que muito menos do que o desejado. Dados atuais da assessoria de comunicação nacional do MST apontam que o MST está organizado em 24 estados, onde há 130 mil famílias acampadas e 370 mil famílias assentadas. Segundo Welch, o MST representa 7 milhões de famílias que estão na luta por um espaço de terra produtivo, e 80% dos assentamentos atuais foram conquistados pela ação de movimentos sociais – e não por iniciativa do governo.

Novos desafios

A principal acusação contra o governo Lula é o descompromisso com a reforma agrária e o investimento no agronegócio baseado em monocultura, como a cana-de-açúcar, ícone dos atuais planos de desenvolvimento energético do país. A luta pela reforma, portanto, ficou mais complexa: deixou de se basear na re-ruralização do campo, com a ocupação de trabalhadores em terras de latifúndio, e foi ampliada para uma luta contra o capital e a dominação das empresas transnacionais.

"A reforma agrária verdadeira não exila o agricultor; pelo contrário, envolve terras perto de rodovias, perto de grandes centros consumidores. Ela tem de ser casada desenvolvimento social, econômico e cultural, para desenvolver a comunidade camponesa, com estrada, com água, com luz elétrica, postos de saúde, escolas e armazéns. Esta é a verdadeira reforma agrária, que sempre sonhamos e pregamos, que é possível quando se tem um movimento popular atuante e um governo comprometido com essa causa. E também é essa reforma que esperávamos do presidente Lula", diz o coordenador do MST no Paraná, José Damasceno.

O historiador da Unesp Cliff Welch lembra que a reforma agrária dentro dos moldes clássicos foi aplicada nos Estados Unidos no pós-guerra, como ferramenta para criar empregos e descentralizar riquezas. "Mas no século 21 aparece no Brasil a consolidação dessa entidade do agronegócio, que é apresentada como a salvação geral da nação, geradora de riquezas e de pagamento da dívida", diz, ressaltando uma falácia. Como o agronegócio é incompatível com a ideia de pequenas propriedades, de acordo com Welch o empresariado conseguiu impor barreiras ao movimento social dentro do governo – a CPI da Terra é apontada como um exemplo de pressão, intimidação e repressão ao MST, por exemplo. "Mas essa entidade do agronegócio é o mesmo latifúndio de décadas atrás, de concentração de riquezas, apenas com algumas características novas. Como a realidade do Brasil é de desempregados e de subempregados, o crescimento desse latifúndio não faz muito para melhorar essa realidade", continua Welch.

No entanto, para o historiador, o agronegócio não será capaz de derrubar movimentos sociais como o MST justamente porque ele representa milhões de pobres que vivem no meio rural. "Um movimento regional criado no Sul do Brasil virou uma força de resistência nacional, um dos mais importantes interlocutores dos camponeses do Brasil. A grande maravilha do MST foi justamente conseguir crescer e se desenvolver durante todos esses anos. Será interessante acompanhar sua história e ver se as novas gerações de assentados conseguirão guardar a posição de luta pela terra e para a terra", conclui.

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