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ONG da “advogada do narcotráfico” atua no STF contra operações policiais no RJ
Em suas manifestações dentro do processo, Flávia Fróes, do Instituto Anjos da Liberdade, pede restrições às operações policiais no RJ| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Em documento enviado ao governo do Rio de Janeiro no início de julho, o deputado estadual Alexandre Freitas (Podemos) afirmou que existe a possibilidade de haver conflito de interesses na atuação de uma das ONGs que atuam no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A chamada “ADPF das Favelas” tem gerado, desde junho de 2020, restrições progressivas às operações policiais nas comunidades cariocas, em sua maioria dominadas pelo crime organizado.

Segundo o parlamentar, essa interferência estaria ocorrendo porque a ativista Flávia Pinheiro Fróes tem atuado diretamente no processo por meio da ONG fundada por ela, o Instituto Anjos da Liberdade (IAL). A entidade figura como amicus curiae (isto é, “amigo da corte”, responsável por fornecer subsídios e embasamento técnico às decisões do tribunal) no processo.

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Flávia presta serviços advocatícios há mais de duas décadas para lideranças do tráfico de drogas de diferentes organizações criminosas, em especial o Comando Vermelho – principal facção do Rio de Janeiro. Entre as linhas de atuação de sua ONG no Judiciário estão tentativas de reverter medidas de tratamento mais rígidas nos presídios, sobretudo nas detenções federais, destinadas às lideranças de facções criminosas.

Para o deputado, a atuação dela e do Instituto Anjos da Liberdade na ADPF 635 poderia ocasionar conflito de interesses, uma vez que Flávia possui clientes e ex-clientes que têm claro interesse na diminuição de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro. Nos autos do processo, a ONG tem se manifestado no sentido de restringir ao máximo tais operações.  

Uma das recentes manifestações do instituto que foi apontada por Freitas como bastante grave diz respeito a um pedido para que o STF obrigue o governo fluminense a apresentar à própria Corte e ao Ministério Público listas com os nomes de policiais com participação em autos de resistência (casos em que houve reação policial frente à resistência de suspeitos à prisão) que resultaram em morte ou invalidez permanente. A ONG pediu também que seja fornecido aos mesmos órgãos uma espécie de ranking com os nomes dos cem policiais com maior número de autos de resistência registrados. Para Freitas, eventual vazamento dessa lista às facções resultaria em enormes riscos aos agentes de segurança.

“Não faz o menor sentido isso ser tratado dessa forma, porque há um risco muito grande de uma lista como essa vazar. O vazamento desses dados para as mãos das organizações criminosas vai gerar uma verdadeira caça aos agentes de polícia”, diz Freitas. “Você vai ter uma lista de cem policiais com o nome completo de cada um. O resultado prático dessa sugestão é perigoso e inaceitável”, prossegue.

Atuação da ONG na ação contra operações policiais

Nos autos da ADPF 635, a entidade se posiciona como defensora de direitos humanos com foco na proteção dos direitos dos reclusos no sistema penitenciário. A ONG pediu para ingressar como amicus curiae quatro dias após a operação no Jacarezinho, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, ocorrida em maio do ano passado. Na ocasião, houve intenso confronto entre policiais e narcotraficantes, que resultou em 28 mortos, sendo um deles um policial civil baleado por criminosos durante o confronto.

Em seu pedido de ingresso, assinado por Flávia Fróes, a ONG afirmou que houve uma chacina durante a operação, pediu protocolos mais rígidos para a investigação de mortos em confrontos policiais e alegou que a Polícia Civil do RJ desafiou o STF ao fazer operações durante a vigência das restrições determinadas pela Corte. O Supremo criou limitações diversas às operações, mas até o momento não as proibiu de ocorrer, desde que seja observada uma série de critérios.

Em 26 de maio deste ano, dias após a operação policial na Vila Cruzeiro, também na zona norte do Rio de Janeiro, que resultou na morte de 23 pessoas, a ONG se manifestou novamente ao STF. A operação estava sendo planejada há meses, mas foi deflagrada de forma emergencial devido à movimentação de narcotraficantes ligados ao Comando Vermelho, que estariam prestes a atacar outra comunidade. Após uma das equipes da PM ser alvejada, a polícia decidiu acionar uma operação de emergência e houve intensa troca de tiros. Entre os mortos na ocorrência estavam lideranças do Comando Vermelho de diferentes estados.

Para o Instituto Anjos da Liberdade, houve um “ato de terrorismo de Estado” e uma “chacina travestida de operação policial”. A entidade chegou a dizer que estava em curso uma “verdadeira revolta de grupos armados contra a autoridade do Supremo”. Na manifestação, a ONG comparou as forças de segurança a milícias armadas que agem à margem da lei e pede ao STF responsabilização dos agentes que participaram da operação.

“O estado de anarquia e motim policial tem de ser interrompido, ao custo de, em não sendo feito, restar então constituídas milícias que poderão se unir para destituir o STF e nulificar a Ordem Constitucional, não sem antes alcançar grande capilaridade dentro de estruturas estatais locais, num exercício de arrebatar ‘legalidade’”, disse a entidade.

Foi nesse documento, também assinado por Flávia, que a ONG pediu à Corte a divulgação de listas com nomes de todos os policiais com participação em autos de resistência, além de “rankings” de policiais com mais registros. A entidade pediu ainda que as forças de segurança fossem obrigadas a apresentar toda a documentação de planejamento de operações e os custos financeiros de cada uma.

Atuações da advogada e da ONG

Entre as figuras conhecidas ligadas ao narcotráfico que Flávia Fróes defende ou já defendeu estão Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP (Comando Vermelho); Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka (PCC); Robertinho de Lucas (Terceiro Comando) e Celsinho da Vila Vintém (Amigos dos Amigos).

Além deles, recentemente ela assumiu a defesa do ex-vereador Jairinho, réu pela morte do menino Henry Borel, de 4 anos, enteado dele.

O primeiro cliente da defensora narcotráfico foi Jorge Zambi, o Pianinho, um dos fundadores do Terceiro Comando. Após conseguir a soltura dele da prisão, em 1999, a advogada passou a ser contatada por diversas lideranças do crime organizado. Três anos depois, fundou o Instituto Anjos da Liberdade, o qual ocupou a presidência até abril deste ano. Ela deixou o cargo para se dedicar às eleições – Flávia é pré-candidata a deputada federal pelo União Brasil.

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Em outubro de 2010, a Justiça do Rio de Janeiro decretou a prisão preventiva da advogada sob a acusação de que ela estaria repassando ordens dos traficantes Marcinho VP e Elias Maluco, que estavam detidos, para outros líderes do Comando Vermelho. Foragida, ela entrou com habeas corpus contra a decisão. Semanas depois, uma desembargadora anulou a ordem de prisão, que poderia levá-la a pegar até 15 anos de prisão por associação com o tráfico.

Outra polêmica relacionada a Flávia está relacionada ao novo cliente, o ex-vereador Dr. Jairinho. Monique Medeiros, mãe do garoto Henry Borel e que também está presa, disse à Justiça que a advogada teria ido até a penitenciária na qual ela estava e a pressionado mediante ameaças a assumir a culpa pela morte da criança. Segundo Monique, a advogada teria dito que caso ela não o fizesse, seria transferida ou “pega” na cadeia. Em reação, Flávia apresentou uma queixa-crime contra Monique Medeiros, acusando-a de calúnia devido às acusações de ameaça.

Em outro episódio recente, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) investigou um suposto repasse de R$ 700 mil do Primeiro Comando da Capital (PCC) para o instituto fundado por Flávia. De acordo com a promotoria, os criminosos teriam repassado quantias financeiras para que fossem feitas denúncias no STF e em cortes internacionais de direitos humanos contra a portaria do governo federal (157/2019) que restringiu visitas íntimas nas prisões federais de segurança máxima.

Conforme reportagem do G1, ainda em 2019 foram encontradas mensagens no celular do membro do PCC Décio Português, que exibiam um esquema de pagamento na ordem de R$ 3,2 milhões. Além do valor supostamente destinado ao IAL, constam descrições de repasses de R$ 1,5 milhão a Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, que na época advogava para o Partido dos Trabalhadores (PT), e de R$ 1 milhão ao advogado Carlos Nicodemos, militante no campo dos direitos humanos.

Fato é que realmente houve a apresentação de uma ADPF no Supremo contra a portaria que restringia as visitas íntimas. A ação foi protocolada pela ONG de Flávia em conjunto com o PT. Mascarenhas Prado, aliás, foi quem assinou a ADPF, que foi rejeitada na Corte.

O Instituto Anjos da Liberdade também consta como autor ou amicus curiae em outras ações no STF que pediam benefícios a presos em detenções de segurança máxima. Em 2018, a ONG protocolou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6023, na qual solicitava a redução do tempo que os presos poderiam ficar em penitenciárias federais de segurança máxima. A ação foi negada pela ministra Cármen Lúcia sob a justificativa de que a ONG não tinha legitimidade para propor a ação.

No mesmo ano, o mesmo instituto ingressou com uma ADPF (518) em que pedia a anulação de trechos de outra portaria do governo federal (718/2017) que proíbe visitas íntimas a detentos de presídios federais que já tenham ocupado função de liderança em facções criminosas, praticado crimes violentos dentro dos presídios, dentre outros critérios. Em março do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, o que suspendeu o julgamento.

Outro lado

A advogada Flávia Fróes enviou uma nota em conjunto com o Instituto Anjos da Liberdade. No texto, eles mencionam que ela não exerce mais cargo de direção na entidade e atua apenas como advogada voluntária. Sobre as alegações de conflito de interesses na ADPF 635, os signatários afirmam: “Quanto às afirmações aleivosias e costumeiras, despidas de qualquer criatividade, de que o IAL ‘não quer deixar a polícia trabalhar’, cabe dizer o óbvio, a Constituição Federal não admite um modelo de segurança pública como a ‘milícia dos voluntários da segurança nacional’ do Haiti dos Duvalier, internacionalmente conhecidos por seu apelido em dialeto local, os tonton macoutes, que tinham poderes de vida e morte sobre a população e não sujeitos a quaisquer controles judiciais”.

A respeito da investigação do MP-SP sobre possível repasse de organização criminosa à ING, afirmam: “As alegações de recebimento de dinheiro do PCC ofenderiam mais ao Ministério Público de São Paulo, acusado indiretamente de prevaricação, isso se houvesse lastro probatório mínimo quanto a tal tosca e leviana afirmação, tendo sido tal calúnia objeto de apuração naquela época, descartada sua veracidade. A pauta do IAL em favor dos familiares das pessoas privadas de liberdade incomoda políticos que se valem de um discurso fascista e que buscam criminalizar essas pessoas que não cometeram nenhum delito, o que é vedado pela Constituição Federal, que dispõe que nenhuma pena passe da pessoa do condenado”. Leia a íntegra da nota abaixo.

A reportagem também questionou a assessoria de imprensa do STF a respeito de eventual impedimento da atuação do IAL por possível conflito de interesses. Em resposta, a assessoria do órgão apenas encaminhou link para a lei 9.868/1999, que trata do processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade no STF.

Nota na íntegra

Nota conjunta do Instituto Anjos da Liberdade e da Dra. Flávia Fróes

Primeiramente cumpre esclarecer que a Dra. Flávia Fróes não exerce mais qualquer cargo de direção ou administrativo no IAL, sendo apenas advogada voluntária. As pautas do IAL não são vinculadas a uma pessoa, são institucionais.

Quanto às afirmações aleivosias e costumeiras , despidas de qualquer criatividade, de que o IAL "não quer deixar a polícia trabalhar", cabe dizer o óbvio, a Constituição
Federal não admite um modelo de segurança pública como a "milícia dos voluntários da segurança nacional" do Haiti dos Duvalier, internacionalmente conhecidos por seu apelido em dialeto local, os tontom macoutes, que tinham poderes de vida e morte sobre a população e não sujeitos a quaisquer controles judiciais. As alegações de recebimento de dinheiro do PCC ofenderiam mais ao Ministério Público de São Paulo, acusado indiretamente de prevaricação, isso se houvesse lastro probatório mínimo quanto a tal tosca, e leviana afirmação, tendo sido tal calúnia objeto de apuração naquela época, descartada sua veracidade. A pauta do IAL em favor dos familiares das pessoas privadas de liberdade incomoda políticos que se valem de um discurso fascista e que buscam criminalizar essas pessoas que não cometeram nenhum delito, o que é vedado pela constituição federal, que dispõe que nenhuma pena passe da pessoa do condenado.

Quando ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a CIDH, quem faz o recebimento e análise de petições, é órgão da OEA, imparcial. A questão levada pelo
IAL à CIDH é amparada por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, sobre regras mínimas de tratamento de presos, com precedentes da própria corte,
cuidando-se o pleito ainda da defesa de crianças, filhas dos apenados, que sofrem violações do Estado brasileiro.

O IAL hoje tem assentos nas pautas do governo do Estado, no Programa de proteção à criança e ao adolescente ameaçado de morte (PPCAAM), além de participar do Conselho Estadual de Direitos Humanos, conselho estadual da Criança e do Adolescente
e do programa estadual de proteção ao protetores de direitos humano, ao lado de diversas outras autoridades do Estado.

Críticas vindas de um parlamentar de conduta duvidosa e que aplaude o assassinato de pessoas periféricas num país onde não há pena de morte , não são capazes de causar qualquer arranhão sobre o trabalho de uma instituição que há vinte anos atua na defesa de direitos fundamentais, sendo seu reconhecimento mundial.

A criminalização da família dos presos por um discurso populista de quem não tem compromisso social com as milhares de pessoas que vivem no espectro do sistema
prisional por vínculos sanguíneos e afetivos, mostra o despreparo de quem pretende fazer dessas pessoas, em especial as crianças, herdeiras da pena.

Flávia Fróes - pré-candidata a deputada federal pelo União Brasil

Daniel Sanchez - presidente nacional em exercício do Instituto Anjos da Liberdade

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