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Ao tentar manter os móveis recém-comprados acima da linha da água, os moradores do bairro de Jativoca, na periferia de Joinville, Santa Catarina, imediatamente relembram os piores momentos da enchente anterior, em 2008. Três anos depois da tragédia, que atingiu várias cidades catarinenses e provocaram centenas de mortes, a comunidade pobre vê novamente as águas do Rio Piraí subirem até 2,5 metros acima do nível da rua e inutilizar móveis, veículos e até mesmo casas inteiras.

Não há registro de mortos ou desaparecidos no bairro. A percepção sobre a gravidade do atual alagamento é diversa. Alguns moradores avaliam que a água subiu mais agora. Para outros, 2008 ainda não foi superado. Os mais antigos citam ainda enchentes de 1995 ou 1983.As reações com a ocorrência de uma nova enchente são diversas. Alguns demonstram surpresa com o curto período que separam as duas tragédias. "Não tinha nem ideia de que ia acontecer de novo", diz o servente de pedreiro Osni Ricardo Anacleto, de 45 anos, enquanto repara que a sua casa, afundada até a altura da janela, está inclinada. "Provavelmente vai cair", antecipa.

Outros porém, aparentam calma e serenidade. Veteranos de enxurrada orientam os vizinhos e fazem carretos com barco. "Começou a dar sinais de que (a água) ia subir a semana toda. A gente já sabe, né?" explica o pintor Andreo Cesar Valseche, de 32 anos, um dos barqueiros. Ele mostrou à reportagem da Gazeta do Povo a casa e o carro submersos. "Hoje pela manhã eu chorei. A gente tenta esquecer, mas não consegue."

Neste sábado (22), Andreo passou o dia atravessando o bairro a barco, retirando vizinhos de áreas alagadas ou trazendo de volta aqueles que queriam vistoriar as residências anteriormente abandonadas. Dois dos passageiros foram os irmãos Joel e Rosenilda Pires, ambos na casa dos 30 anos. Eles haviam voltado para recuperar a pasta de documentos da família. "O resto que tinha para ir foi tudo", avalia Joel ao fechar a porta de casa, antes de entrar no barco. "Deixa aberta. Quem é que vai roubar?", interrompe a irmã.Alguns porém, se recusam a sair de casa.

O medo dos saques é apontado como o principal motivo, mas também há a esperança de que o sol forte – que raiou durante a maior parte do dia – indicasse que as águas em breve baixariam. O motorista Bento Pessoa e seu genro, o ajudante de mecânico Régis Machado, permaneceram o dia na sacada do andar superior do andar da família. "Não adianta (sair). Tem muito vagabundo roubando por aí", explica.

Ao notar que as chuvas começavam a alagar o bairro, na noite de sexta-feira (21), Régis levantou os móveis e levou alguns outros pertences para a casa do sogro, no mesmo terreno. "Perdi jogo de cozinha, máquina de lavar", relaciona, enquanto o sogro interpela: "Aqui, quando a gente termina de pagar o carnê, perde de novo. Tomara que liberem o FGTS de novo, senão não compro mais".

Ansiosos por verificar a situação da casa, alguns moradores não esperam pelo auxílio de um barqueiro e enfrentam a água barrenta, que chega a bater na altura do peito. "Já pegamos umas três dessas. Se a gente ficar com medo, é pior. Tem que enfrentar a realidade e esperar uma melhora", recomenda o auxiliar de produção Euclides Cordeiro de Souza, apenas com a cabeça e uma sacola de roupas acima da água. Ele voltava para casa para verificar se, por acaso, o nível da água não havia baixado. Torcia para que todos os pertences ainda estivessem no local.

Abrigo

Desde a manhã deste sábado, dezenas de pessoas estão abrigadas no salão da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, de Jativoca. Para o pernoite, eram esperadas 80 pessoas. Outros 150 moradores permaneciam em um abrigo improvisado em um colégio, do outro lado do bairro. Por casa da água e da linha de trem que corta a comunidade, as duas metades do bairro ficaram separadas.

Até o final da tarde de sábado, a Defesa Civil de Santa Catarina registrava 550 desabrigados em Joinville, distribuídos em cinco abrigos. A principal região atingida é justamente a zona oeste, que abriga os bairro de Jativoca, Morro do Meio, Vila Etíope e Vila Nova, entre outros. Além da proximidade com o rio Piraí, que tende a subir com as chuvas de verão, a região também se localiza entre vários morros. O acúmulo de água nesses morros escorre para as ruas do bairro. Na última semana, choveu 400 mm de água em Joinville, dos quais 80 mm apenas na noite de sexta.

Paula Campos, coordenadora do abrigo da igreja, explica que o local foi construído para acudir os desabrigados do bairro e está sempre preparado, com alimentos, água e artigos de higiene. "A partir do momento em que a água toca a beirada da rua, já pode abrir o salão", estabelece.

Em 17 anos de Jativoca, esta é a segunda enxurrada em que ela trabalha. "Em 2008 foi bem mais fácil, porque era uma tragédia localizada apenas em Santa Catarina. Agora, com os problemas no Rio, os empresários (doadores) estão até cansados de enchente", desabafa.Porém ela acredita no triunfo da solidariedade dos moradores. "Na última quarta-feira (19), havíamos mandado uma van cheia de comida para os desabrigados no Rio. Toda a comunidade contribuiu. Espero que agora tenhamos o mesmo auxílio".

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