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Bruna, 11 anos, com a mãe: reencontro só foi possível porque alguém resolveu fazer uma denúncia | Pedro Serápio/ Gazeta do Povo
Bruna, 11 anos, com a mãe: reencontro só foi possível porque alguém resolveu fazer uma denúncia| Foto: Pedro Serápio/ Gazeta do Povo

Quem viu Guilherme?

Em Curitiba, poucos são aqueles que conhecem Arlete Caramês Tiburtius. Mas muitos já ouviram falar de "Arlete, mãe do Gui­lherme". Tal fama inesperada aconteceu porque, no dia 17 de junho de 1991, Arlete perdeu seu único filho. E iniciou ali a maior batalha de sua vida: saber o que aconteceu com Guilherme.

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Há quase 4 anos, à espera por Vivian

"Vozinha, cheguei!". Era essa frase que Marlene Florêncio sempre ouvia quando a neta Vivian, ia visitá-la. "Ela era muito carinhosa. Sempre me trazia flores e falava no diminutivo: vozinha, maninho, maninha", conta Marlene. As demonstrações de carinho cessaram quando Vivian desapareceu com 3 anos, dia 4 de março de 2005, após se encontrar com o pai na Praça Tiradentes. A mãe dela, Maria Emília, buscou-a na creche e foi ao encontro do ex-namorado, o então sargento da PM Edson Prado, para discutir um pagamento de pensão. Cinco dias depois, foi encontrada morta em Campina Grande do Sul. A menina nunca mais foi localizada.

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Até o fim deste ano, 87 crianças terão desaparecido no Paraná. A maioria voltará para casa. Duas ficarão pelo caminho. Essa é a realidade em torno do desaparecimento de menores de 12 anos no estado, segundo estatísticas do Sicride (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas). Desde a criação dessa delegacia especializada, em 1995, foram registrados 1,3 mil casos – um sumiço a cada quatro dias. A maioria tem final feliz, com a exceção de duas famílias, que serão destruídas para sempre a cada 365 dias.

A dona de casa Márcia Miko­­­anski conta que sua família foi uma das "abençoadas". Bruna, hoje uma "moça" alta e bonita de 11 anos, foi sequestrada pelo pai aos 4. Em 2002, depois de visitar a menina em Cascavel, o ex-marido pediu a Márcia para trazê-la para Curitiba por um tempo. Ela concordou, e dias depois, a filha desapareceu. "Eu não queria pensar no pior. Achava que logo iria descobrir onde eles estavam. Mas essa espera durou dois anos", conta. Só em 2004 ela foi rever a filha, que estava em Paragominas, no Pará. Durante esse tempo, ela nunca te­­­ve notícias de Bruna, que foi localizada através de uma tia do ex-marido, que resolveu denunciá-lo. "É uma angústia muito grande, eu chorava e orava todos os dias, mas graças a Deus teve fim. Muitas mães não têm a mesma sorte."

Não seria exagero afirmar que o retorno de Bruna foi em grande parte possível graças ao "trabalho de ourivesaria" realizado por duas mulheres que hoje despacham numa casa de dois pisos no Jardim Social. As mulheres são Arlete Caramês e Marília Marchese; a casa, o local onde há 18 anos Guilherme, o filho de Arlete, era visto pela última vez; o trabalho, minucioso e dedicado, é um esforço que, nascido da dor, ajuda outras mães a encontrar uma pessoa que, no caso de Arlete, jamais retornou: o filho desaparecido.

Pouco depois do desaparecimento, em 1991, Arlete criou o Movimento Nacional em Defesa da Criança Desaparecida do Paraná (CriDesPar), na esperança de reencontrá-lo. Os dias se passaram, o filho não reapareceu e só restou à mãe, junto com a amiga "solidária na dor", Marília, o consolo de ajudar outras famílias a aplacar a angústia enquanto a polícia agia. Foram mais de 500 os casos que passaram pelas mãos delas, de funcionários e voluntários do movimento.

Através da colaboração de doadores e com o salário de Arlete, funcionária pública e, posteriormente, vereadora e deputada estadual, o grupo desenvolveu projetos e ações que ajudaram a polícia a solucionar pelo menos 470 sumiços, entre eles o de Bruna, como conta Márcia: "Eles batalharam muito pela minha filha, arranjaram dinheiro para eu ir até o Pará. A Arlete, mesmo sem en­­­contrar o filho, tem força para ajudar outras mães".

Em 2006, porém, nova guinada. Arlete não foi reeleita para a Assembleia Legislativa e as contas começaram a apertar. Hoje, apesar de ter promovido tantos reencontros, o movimento está em dificuldades. Falta dinheiro. Não há verba para contratar funcionários, imprimir cartazes com fotos das crianças, bancar campanhas e palestras. "Quase todo o meu salário como deputada era colocado aqui. Chegava o fim do mês, eu perguntava pra Marília de quanto ela precisava e dava o dinheiro. Depois do fim do meu mandato, ficou difícil", diz Arlete.

Entre todas as ações desenvolvidas que foram afetadas, a mais im­­­­portante, segundo Marília, foi o trabalho de prevenção, por meio de palestras nas escolas, com cam­­pa­­­nhas de conscientização de pais, alunos e professores. "Evitar o desaparecimento é muito mais fácil do que procurar uma criança desaparecida, mas não há sensibilidade por parte de governos e empresas. No Brasil, o tema é tratado com pou­­­­­­­­­­­­­­­ca vontade, e as pessoas só acordam para o problema quando isso acontece com elas", lamenta. Obter patrocínio de empresas ou verba pública é um desafio. "Um dia, escrevemos a algumas empresas grandes para pe­­­­­­­­dir que cada uma colaborasse com R$ 100 ao mês. Até hoje não obtivemos resposta. Já o governo alega sempre o mesmo: falta de recursos. Uma vez pedimos a quantia de R$ 120 mil por ano e recebemos um ‘não’ como resposta".

Atualmente, as palestras realizadas pelo movimento são pagas com dinheiro próprio, assim como os folders e folhetos distribuídos nas escolas com dicas de segurança. Os mais de 30 órgãos parceiros, como bancos e concessionárias de pedágio, ajudam por meio da divulgação das fotos dos desaparecidos em bilhetes de loteria e de pedágio, e só. O único auxílio financeiro, que chega após intervalos de meses, é uma parceria criada entre o movimento e a 1.ª Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba: motoristas multados por infrações no trânsito, ao invés de pagarem a quantia ao órgão público, revertem-na para o movimento. "Mas é um dinheiro que pode chegar, ou não. Há rodízio entre as instituições contempladas, então, não é um dinheiro com o qual a gente possa contar", diz Arlete.

Durante quase duas décadas de atuação, ela já se deparou com muitas iniciativas reais de solidariedade, como a do Provopar, que chegou a doar R$ 1 mil por mês, durante muitos anos, e de patrões que a auxiliaram em muitas situações. As histórias de pouco caso, porém, também apareceram aos montes, como da vez em que escreveu ao presidente de uma companhia aérea pedindo uma passagem para ir ao encontro de uma criança encontrada no Nordeste. Ele disse que não tinha condições. A tréplica de Arlete veio na forma de uma carta "desaforada" ao empresário. "Não era falta de dinheiro. Era falta de solidariedade." A luta dela pelo filho, agora, se soma à luta por recursos. "Precisamos de dinheiro, e de sensibilidade."

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