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Economia

Comércio motivado pelas necessidades dos "novos" moradores

Com os primeiros banhistas chegaram também os primeiros vendedores. O pesquisador João José Bigarella conta que uma das primeiras "vendas" era a de Manoel Antônio Viana, que ficava onde hoje é a Câmara Municipal de Matinhos. "Ele vendia fumo, sabão, sal, querosene e, como não podia deixar de ser, uma pinguinha".

Ao lado, o português Abílio Francisco tinha uma panificadora, que, segundo as lembranças de Bigarella, era infestada de baratas. "Entretanto ninguém fazia broa de milho mais gostosa", comenta.

Naquela época, as famílias que passavam as férias na praia costumavam levar seus próprios mantimentos. A falta de geladeiras forçava a armazenagem dos itens nas despensas, cômodos mais frescos e sem sol das casas. Os primeiros hotéis também datam da década de 30 e, além de hospedagem, serviam refeições para os banhistas.

      O litoral paranaense nem sempre esteve lotado de veranistas, e a alta temporada de praia por muito tempo não foi no verão. Os primeiros banhistas chegaram na região na década de 20 e, em 90 anos, o jeito de curtir a área litorânea mudou muito.

      Uma das principais fontes para falar sobre a história do litoral, principalmente de Matinhos, é o pesquisador João José Bigarella, 90 anos. A primeira vez que visitou o mar foi no inverno de 1931, quando tinha apenas oito anos de idade. Anos depois, realizou importantes trabalhos de pesquisa no litoral, estudando principalmente os sambaquis, e teve papel essencial na preservação da Mata Atlântica na Serra do Mar. Bigarella conta sua história com o litoral no livro "Matinho: Homem e Terra – Reminiscências…", incluindo tanto sua pesquisa científica como suas experiências pessoais.

      Antes dos banhistas chegarem à região, ela era habitada pelos caboclos, povos de origem portuguesa miscigenados com indígenas. Segundo Bigarella, esses povos ficaram esquecidos pelos governos e se adaptaram ao local. Muitas informações sobre os costumes desses povos foram coletadas por Iris Bigarella, esposa de João, em uma pesquisa etnográfica. As casas, por exemplo, seguem um modelo europeu, mas são feitas com materiais encontrados nos locais e usam técnicas indígenas nas estruturas.

      Os primeiros banhistas

      Na década de 20, quando os banhistas começaram a descobrir o litoral, era costume ir à praia no inverno – com as temperaturas elevadas do verão vinham também os surtos de malária. Segundo Bigarella, a primeira casa construída para ser usada apenas no verão na região foi a de Carlos Ross, em 1926. A maioria dos banhistas descendia de alemães e italianos. Um registro de 1936 aponta a existência de 68 casas na região.

      Outro hábito comum era ir ao litoral por indicação médica, para ajudar a curar alguma doença. Foi assim na família de Bigarella, que buscava curar a pressão alta da avó. No primeiro ano, a família foi conhecer o local, no ano seguinte já tinha uma casa de madeira.

      Uma das lembranças mais fortes de Bigarella é a interação que tinham com os moradores locais. "Eu ia no barco com eles para pescar. Fazíamos expedições para conhecer o mato e outros lugares", explica. Para ele, o litoral tinha uma natureza primitiva encantadora: "antes a gente reinava aqui, agora a gente é quase escravo da praia".

      Naqueles tempos, as dificuldades de infraestrutura eram ainda maiores. "O material de construção vinha de longe. Não havia estrada, os veículos trafegavam pela praia. As condições de abastecimento de água eram precárias", diz. Antes das estradas, viajar entre Paranaguá e Guaratuba poderia demorar cerca de 10 horas, parte feita de canoa e parte feita pela areia. Em 1933, foi formada a Sociedade Anônima Cia. Melhoramentos de Matinhos, um grupo de donos de casas que procuravam melhorias no abastecimento de água, iluminação elétrica e outros desenvolvimentos. A iluminação pública só chegaria na década de 40.

      Matinhos só se tornou um município em 1967. O território pertenceu à Vila de Paranaguá entre 1648 e 1771, quando foi incorporado à Vila de Guaratuba. Voltou a ser de Paranaguá em 1938, para 29 anos depois se emancipar.

      Memória afetiva

      Vida profissional e amorosa ligada ao litoral paranaense

      A abertura da rodovia BR-277, na década de 70, facilitou o trajeto de banhistas para o Litoral do Paraná. Naquela mesma época foi construído o Hotel Parque Balneário Caiobá, hoje Caiobá Praia Hotel, um dos primeiros prédios de Matinhos. Mais tarde, a torre mais alta foi vendida e transformada em um prédio residencial.

      Agora a viagem para o litoral demora pouco mais de uma hora e Matinhos chegou a hospedar cerca de 700 mil pessoas na noite do último ano-novo. Segundo o IBGE, são pouco mais de 33 mil residências na cidade.

      Hoje, João José Bigarella passa os verões no litoral, em uma casa que construiu em 1955 na Praia Mansa de Caiobá. "Na época era tão barato comprar um terreno aqui", comenta. Foi nessa casa que escreveu boa parte dos seus trabalhos de pesquisa. Formado em 1943 em Química, em 1945, em Química Industrial, e em 1953 em Engenharia Química, ele realizou sucessivos trabalhos de pesquisa no litoral, principalmente nas áreas de Mineralogia e Geologia. Mais tarde, as pesquisas teriam um papel essencial na preservação e estudo dos sambaquis e da mata da Serra do Mar.

      Além da vida profissional, também foi no litoral que conheceu a mulher, Iris. Os dois se encontraram durante uma expedição da Universidade Federal do Paraná. Iris estudava etnografia e foi fazer trabalhos acadêmicos no local, enquanto Bigarella, que conhecia o professor responsável, resolveu ir junto. Os dois estão casados há 65 anos.

      A vida marcada nos sambaquis

      Pilhas de conchas que acabam armazenando marcas históricas das civilizações que habitaram o local há muito tempo. Esses são os sambaquis. "Os primeiros registros da presença do homem na região foram encontrados no sambaqui de Matinhos. Trata-se de remanescentes culturais de um povo que viveu no litoral do Paraná aproximadamente entre 3 e 5 mil anos passados, muito antes da presença do carijó", explica o pesquisador João José Bigarella.

      Além das conchas – que sobravam da alimentação desses povos – são encontrados nas camadas pedaços de ossos humanos e instrumentos como anzóis de osso e dentes de focas. "Esses achados documentam a existência de tribos inteiras desaparecidas sem que sua história e feitos tivessem sido registrados de outra forma", acrescenta o professor.

      A preservação dos sambaquis nem sempre foi uma prioridade (parte foi destruída para ser usada na conservação do leito de estradas) e muito do material já se perdeu. Somente em 1949, com a criação da Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, da qual Bigarella foi coordenador, que os sambaquis foram considerados locais de preservação. A simples identificação da importância histórica não é suficiente para evitar que a história se perca: precisam ser pesquisados e preservados.

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