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Quem não tem acesso à alimentação variada está no mesmo prato da balança que aqueles que não comem de tudo – especialmente frutas e vegetais – simplesmente porque não gostam. A fome oculta – termo cunhado pelas autoridades de saúde para designar o problema nutricional mais prevalente no mundo atualmente – é a carência de micronutrientes (vitaminas e minerais), resultado de uma alimentação pouco variada e rica em açúcares e gorduras. "Embora sem sintomas visíveis, a fome oculta já compromete várias etapas do processo metabólico, com destaque às alterações no sistema imunológico e no desenvolvimento físico e mental do indivíduo", alerta a doutora em Ciências da Saúde Andréa Ramalho, diretora do Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"A curto prazo as deficiências conduzem a doenças carenciais como a anemia (falta de ferro) ou ainda problemas como falta de concentração, cansaço físico, baixo rendimento escolar em crianças. A longo prazo, doenças mais graves podem se manifestar", completa a presidente da Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais, Jocelem Mastrodi Salgado, professora titular de Nutrição da Universidade de São Paulo e autora de diversos livros, entre eles Alimentos Inteligentes e Previna Doenças – Faça do Alimento o seu Medicamento.

Segundo o International Life Science Institute (ILSI), o problema – também chamado de desnutrição oculta – afeta uma em cada quatro pessoas no mundo, a maioria nos países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prioriza em suas ações as três maiores deficiências de micronutrientes: iodo, ferro e vitamina A. Para se ter uma idéia da gravidade dessas carências, só a anemia atinge mais de 50% das crianças menores de 5 anos no Brasil e a falta de vitamina A, de 30 a 50%. Quanto ao iodo, sua adição ao sal desde 1953 garantiu um bom controle do bócio, doença causada por sua ausência.

Mas não são apenas eles que fazem falta no prato do brasileiro. Como um mesmo alimento contêm várias vitaminas e minerais – com destaque para aqueles que são mais facilmente descartados da alimentação pobre e desequilibrada – e as funções do organismo são normalmente realizadas por mais de um micronutriente, freqüentemente as deficiências são de diversos deles e ficam mascaradas pela carência de apenas um. A falta de ferro, por exemplo, é o fator mais importante da anemia, mas elementos como folatos, proteínas, vitamina B12, vitamina C e cobre contribuem para a sua ocorrência.

A investigação clínica é o melhor caminho para detectar a fome oculta, segundo o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, coordenador do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Universidade Federal de São Paulo. "Há testes bioquímicos que identificam algumas carências, mas são muito caros ou não têm padrão adequado. Pela alimentação do paciente, é possível medir o fator de risco", diz. O problema, afirma Fisberg, é que "poucos médicos estão preparados para esse tipo de situação."

Os especialistas apontam diversos caminhos para o combate à fome oculta. O primeiro, é claro, é a educação nutricional. Uma alimentação balanceada, em quantidade e qualidade, é capaz de suprir todas as necessidades nutricionais do ser humano – a não ser em situações específicas. Só que esse é um longo caminho. "A curto prazo, só medidas de orientação nutricional não resolvem", decreta o nutrólogo.

A maioria dos especialistas aponta a fortificação de alimentos – o mesmo que foi feito com o sal iodado – como uma solução emergencial, ao menos para as deficiências mais graves, como é o caso do ferro. Mas nem todos concordam (leia matéria na página 10). A mobilização em torno do assunto é recente – na década de 90 começou-se a discutir a fome oculta nos meios acadêmicos e só recentemente está havendo uma conscientização de suas conseqüências a longo prazo. "Falta integrar as iniciativas do governo, universidades e indústria", diz Fisberg.

Matéria originalmente publicada no caderno Viver Bem, do Jornal Gazeta do Povo, no do dia 4 de dezembro de 2005

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