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A cada dois ou três anos costumo viver um momento de terror que começa com a antecipação da ideia; em seguida vem um planejamento difuso ("É melhor eu resolver isso de uma vez") e, enfim, surge o instante em que decido sair de casa para cumprir meu destino, um choque de emoções desagradáveis que me deixará infeliz por umas 72 horas, entremeadas de altos e baixos, até as coisas, enfim, se acalmarem. E, no entanto, parece uma obrigação tão simples, uma atividade que milhões de pessoas fazem com grande alegria e felicidade: comprar a própria roupa. Para mim, é uma tarefa medonha. Nem mesmo ter de ir ao médico me deixa tão irritado. É um avesso da vaidade que acaba por ser uma suprema vaidade. Afinal, o que vemos nas outras pessoas? 95% é roupa. Ponham-se mais uns óculos, quem sabe brincos, às vezes um boné ou um cabelão na testa, uma tatuagem, duas mãos no bolso, e não sobra praticamente nada do ser original. Bem, no meu caso, a essa altura, é até melhor assim.

O ideal da roupa é que ela me esconda, o que não é tão simples (esta é a razão secreta por que detesto praias). E roupa boa é roupa velha, o que tento explicar aqui em casa, inutilmente, mostrando que a barra rota do jeans é estilo e que o colarinho da camisa não está tão puído assim. Já o casaco desbotado me conhece em cada dobra – nunca mais na vida vou encontrar outro igual! Veja esse pulôver: já está ralinho no cotovelo, mas não fazem mais pulôveres resistentes assim. Dura mais uma estação!

Já comprei até geladeira pela internet, mas roupa é impossível. A roupa é intrinsecamente analógica. O prêt-a-porter não existe. Roupa é um elemento arcaico da vida – roupa lembra caverna, mais tarde folha de parreira e séculos de culpa, aqueles repolhos estufados de infelicidade, até a falsa liberdade do século 21, retomando sempre a velha questão: como disfarçar? Hoje, tudo é pior, é o que repito como um mantra a cada biênio, diante da loja ameaçadora para onde avanço inseguro. O vendedor simpático se aproxima com um sorriso desarmante: "Posso ajudá-lo?" Não, não pode, ninguém pode me ajudar, estou sozinho – mas agora não tenho mais volta. Retribuo o sorriso e entro na caverna. Sou irremediavelmente enredado em calças, camisas, coletes, casacos, todas peças que teimam em nunca dar exatamente certo, há sempre um ponto fora da curva, uma costura que não respeita meu jeito, a manga ou muito longa ou muito curta, as cores de penas de arara, como vou me ocultar assim? – e em tudo ronda a sombra de uma barriga de cartum, neste mundo da moda criminosamente magra.

Enfim, faço minhas escolhas e saio dali um pouco mais pobre e com sacolas cheias, refeito o estoque. Já sei que vão se seguir dias de tensão, até que, pouco a pouco, as roupas novas se acostumem comigo e eu com elas, numa convivência que começa difícil e acaba em paz por dois ou três anos felizes.

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