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"Falta uma arrancada em termos nacionais para corresponder aos recursos que estão sendo liberados agora. Essa arrancada implica uma série de políticas, de ações e de formação de pessoal." | Hugo Harada/Gazeta do Povo
"Falta uma arrancada em termos nacionais para corresponder aos recursos que estão sendo liberados agora. Essa arrancada implica uma série de políticas, de ações e de formação de pessoal."| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Para cada R$ 3 em recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) liberados para obras de saneamento, o Brasil consegue investir apenas R$ 1. A eficiência é ainda menor quando se trata dos recursos do Orçamento Geral da União: são R$ 12 disponibilizados para cada R$ 1 efetivamente aplicado.

Para o engenheiro civil Ary Haro dos Anjos Júnior, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Universidade Federal do Paraná e assessor da diretoria de Meio Ambiente da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), o problema reside na falta de pessoal capacitado para tocar as obras. O especialista, que lançou recentemente, em Curitiba, o livro Gestão Estratégica do Saneamento (Editora Manoli), faz um alerta: "Precisamos acelerar a formação do quadro de gestores de recursos públicos, porque os próximos 20 anos serão de obras no Brasil. Temos um país a construir". Leia os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.

Por que é tão difícil investir em saneamento, mesmo tendo recursos disponíveis?

Os recursos nem sempre estiveram disponíveis. Essa disponibilidade é um acontecimento mais recente. De modo geral, nos parece que estão faltando projetos. Falta uma arrancada em termos nacionais para corresponder aos recursos que estão liberados agora. Essa arrancada implica uma série de políticas, de ações e de formação de pessoal, que é o que me interessou particularmente quando escrevi o livro.

Realmente falta material hu­­mano, cursos e uma estrutura acadêmica que dê suporte a essas obras de saneamento?Eu diria que, de uma forma geral, o Brasil está passando por um momento muito interessante. Já se fala até do apagão da engenharia. Está havendo uma demanda muito grande em todos os setores de engenharia – não somente em saneamento, e o país está demonstrando uma certa dificuldade em responder a isso. São limites ao desenvolvimento que estão sendo colocados. Nós temos que preparar os engenheiros novos, repor quadros, e pensar nos próximos 20 anos, que serão de muitas obras.

O secretário nacional de Sa­­neamento Ambiental do Minis­­tério das Cidades, Leodegar Tiscoski, chegou a co­­mentar recentemente sobre o fechamento de cursos na área de engenharia sanitária. Isso está realmente ocorrendo?Pela minha experiência, não tenho visto isso acontecer. Dentro da Universidade Federal do Paraná, nós continuamos formando gente bem preparada, e os cursos estão estruturados. O que eu diria é que a demanda do mercado faz com que os profissionais se tornem escassos. Nós tivemos em outras épocas, 30 a 40 anos atrás, grandes estruturas de escritórios de consultoria que foram desmobilizados, quando o Brasil passou a crescer muito menos. Houve também um certo desestímulo à formação de quadros técnicos. Isso faz muita falta neste momento em que o Brasil tenta compensar o passado.

Existe uma fuga de profissionais de saneamento para outras áreas da engenharia?O problema é até um pouco mais grave. Hoje todas as áreas estão com carência de profissionais. Mas, além do engenheiro, uma outra questão importante é a formação de gestores, que é o profissional responsável pela tomada de decisões sobre investimentos. Esse profissional precisa de uma formação na área de administração ou economia. Estou convencido que esse é um problema maior que o da falta de engenheiros.

O governo federal, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estima universalizar o acesso a saneamento básico no Brasil até 2030. O senhor acredita que esse prazo é alcançável?Eu sou otimista para esse prazo apenas em relação ao abastecimento de água. Mas, no que se refere ao esgoto sanitário, o desafio é muito grande. Claro que estou na torcida, como todos os brasileiros, mas é muito mais difícil alcançar a universalização até essa data-limite. É muito pouco tempo para atingir algo que não fizemos em toda a história do país.

Qual é o maior desafio para alcançar a universalização?Essa pergunta é difícil porque o saneamento é uma interface de todos os setores. Você não faz saneamento sem lidar com meio ambiente, políticas públicas, educação ambiental, gestão municipal. Todas essas questões impõem uma complexidade, então fica difícil pensar numa data.

Investimentos em formação profissional trazem resultados, via de regra, no médio prazo. Mas há recursos disponíveis para aplicar em saneamento neste momento. Como emparelhar as duas coisas?Existem propostas, inclusive no Crea-PR [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Paraná] e em universidades, de preparar mais tecnólogos. Em pouco tempo, [essas pessoas] poderiam assumir uma parte dessa carga de trabalho. Além de estimular, naturalmente, a formação dos engenheiros e estimular a volta de muitos profissionais para o campo técnico. Quando o país passava por uma situação econômica menos favorável, muitos migraram para outros segmentos. Estamos até recebendo profissionais do exterior, porque não estamos sendo capazes de suprir nós mesmos essa demanda.

No Paraná, a Sanepar é responsável por mais de 80% das obras do PAC em saneamento. Segun­do pesquisa do Instituto Trata Brasil, porém, o Paraná registra apenas 20% delas concluídas – abaixo da média nacional. De que maneira o senhor analisa essa centralização na companhia estatal?Eu não chamaria de centralização. A experiência tem demonstrado que as companhias estaduais estão funcionando bem. Há, na verdade, uma convergência de fatores. As estatais conseguem fazer economia de escala, pelo número de municípios em que atuam. Elas conseguem atuar com mais eficiência do que se nós dispersássemos a gestão, repassando para os municípios, por exemplo.

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