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“Há um olhar para o futuro, de um projeto de sociedade. Temos apenas 20 anos de constituição. Os Estados Unidos têm mais de dois séculos e ainda não conseguiram implementar tudo. Já houve um avanço extraordinário.” | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
“Há um olhar para o futuro, de um projeto de sociedade. Temos apenas 20 anos de constituição. Os Estados Unidos têm mais de dois séculos e ainda não conseguiram implementar tudo. Já houve um avanço extraordinário.”| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Após a redemocratização do país, os direitos humanos ganharam um papel de destaque na legislação brasileira. Uma das principais alterações foi a ampliação do papel do Ministério Público na efetivação desses direitos, o que se reflete hoje na atuação do MP no Paraná. O promotor Marcos Fowler, do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitu­cionais, une esforços com a sociedade civil para garantir os direitos de grupos esquecidos pela sociedade. Um dos focos principais são os moradores de rua. A luta é para que tenham acesso à alimentação, moradia, saúde, assistência social e previdência. "Os direitos são indivisíveis e devem ser cumpridos no conjunto. Infelizmente, as pessoas mais vulneráveis são as que mais sofrem violações", diz Fowler. Como o MP está mudando na prática a realidade de grupos vulneráveis?

Há grupos que conseguem se organizar e vocalizar suas demandas. Um dos exemplos são os homossexuais. Há outros que não conseguem pautar a agenda pública, como as comunidades tradicionais – quilombolas e faxinalenses – e moradores de rua. Eles, sem voz, tornam-se invisíveis para a sociedade. Não têm articulação e não conseguem demandar. Por falta de vocalização, investimos no apoio à organização deles. Isso ocorre em três linhas principais. No caso dos moradores de rua, por exemplo, há um estímulo para a mobilização. Criamos um fórum de discussão – em que ocorrem reuniões entre eles e o MP frequentemente – e faremos em julho um seminário interestadual, para mostrar outras experiências de mobilização. Também atendemos denúncias de violações. Há inúmeros casos de agressões, falta de atendimento em postos de saúde e ausência de políticas adequadas. Os abrigos, por exemplo, não conseguem atender todas as pessoas nesta época de frio. Ao mesmo tempo em que ouvimos estas solicitações, entramos em contato com a Fundação de Ação Social (FAS). São negociadas melhorias. Há grande requisição por políticas de moradias efetivas, além das readequações nos abrigos. É um trabalho bem interessante e já conseguimos resultados expressivos. Hoje a população de rua tem uma consciência maior sobre sua situação.

Em 1988, a Constituição Bra­­sileira alterou a função do Mi­­nistério Público. Como isso im­­pactou na promoção dos direitos humanos?

A Constituição fez uma revolução em termos de direitos humanos. Uma das preocupações foi destacar os direitos fundamentais. Pela primeira vez eles aparecem no capítulo inicial da carta. Ao mesmo tempo houve uma preocupação grande para que esses direitos fossem assegurados concretamente. Estabeleceu-se que o Ministério Público seria uma das principais instituições encarregadas dessa missão. O MP acreditou na Constituição, mudou sua estrutura interna e a forma de atuação, criando uma série de órgãos para fiscalizar os direitos, seja em questões específicas – como infância e adolescência – ou mais gerais. Na área do Direito, de maneira geral, todos os profissionais passaram a trabalhar com políticas públicas, uma área que antes não era prestigiada. Antes se focava em questões individuais e passamos a pensar o coletivo. Isso também foi uma revolução.

Como era a atuação do MP antes de 88?

Trabalhava-se basicamente na área criminal. Os promotores eram responsáveis por promover a acusação de pessoas envolvidas com a prática de crimes. Havia poucas intervenções na área cível, como processos envolvendo menores de idade e demandas como mandado de segurança. Eram questões tópicas. Isso muda radicalmente. O MP propunha muito poucas ações fora da esfera criminal. Houve uma guinada. Metade de nossa atuação hoje está na área criminal, mas a outra está voltada para a garantia de direitos previstos na legislação.

Há quem diga que falta efetividade dos direitos garantidos na lei. Como tirá-los do papel?

Todos os direitos fundamentais passam por etapas. Primeiro é preciso reivindicação popular. Em um segundo momento vem o reconhecimento legislativo. Depois é necessário conscientização dos direitos. O problema é que as pessoas mais vulneráveis não têm consciência. Isso passa por formação e educação. Falta também acesso à Justiça. Muito se critica a Constituição Federal por prever uma série de direitos e não trazer efetividade. Há um olhar para o futuro, de um projeto de sociedade. Temos apenas 20 anos de constituição. Os Estados Unidos têm mais de dois séculos e ainda não conseguiram implementar tudo. Já houve um avanço extraordinário.

Por que há uma frequente associação entre direitos humanos e defesa de "bandidos"?

É o senso comum que se estabelece. Há esta associação porque frequentemente a população carcerária está sujeita a graves violações. Os presos estão privados de liberdade e acabam sendo privados de tudo. Falta acesso à saúde, comunicação com a família e sobram condições degradantes. Há frequentes casos de agressões. Isso chama a atenção. Algumas entidades acabam atuando na defesa dessas pessoas e se faz uma relação direta. Por isso, acredita-se que os "bandidos" são os únicos detentores dos direitos humanos, o que não é verdade. Todo cidadão brasileiro é. Aquilo que é cotidianamente atendido não chama tanta atenção quanto as violações graves.

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