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O estudante Arnildo Rodrigues de Lima, 23 anos, estava com uma consulta agendada no dentista quando atendeu a uma chamada no telefone celular. Era da clínica odontológica. Do outro lado da linha, a mesma mulher que havia lhe atendido no dia anterior ligava para desmarcar a consulta. Com um tom de voz inseguro, ela informou que a clínica não poderia atendê-lo naquele dia e não havia outro horário. Para Lima, que é portador do vírus HIV há um ano e meio, o motivo ficou claro. "Quando liguei a primeira vez disse que era soropositivo. Faço isso já para evitar constrangimentos. Ela agendou e depois simplesmente desmarcou."

A discriminação nos consultórios particulares é mais comum do que se imagina e não se restringe aos pacientes de aids. Portadores de hepatite B e C também costumam enfrentar situações semelhantes. Não por acaso, as duas enfermidades são transmitidas pelo contato com o sangue infectado – no caso da hepatite, o contágio pode ocorrer até pela saliva.

Como é normal haver pequenos sangramentos na boca em um tratamento dentário, os profissionais utilizam equipamentos de proteção individual, como luvas e máscaras, e adotam procedimentos de esterilização dos instrumentos e desinfestação do ambiente. Uma prática normal para qualquer paciente. Mas as medidas parecem insuficientes para combater o preconceito.

André Herrera Roca, 30 anos, soropositivo há seis, ficou revoltado quando preenchia a ficha de paciente em um consultório particular para fazer um tratamento de canal. Segundo ele, havia um item no documento que responsabilizava o próprio paciente em caso de infecção do dentista e de algum profissional da sua equipe por aids ou qualquer outra doença. "Desisti do tratamento na hora", diz. Roca preferiu perder o dente a se submeter à discriminação. "Depois disso, procurei o posto de saúde perto da minha casa e arranquei o dente", conta ele, que integra a ONG Rede Nacional de Portadores Vivendo com HIV.

Segundo César Campagnoli, presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Odontologia do Paraná (CRO), o Código de Ética Odontológica (CEO) veda qualquer forma de discriminação a pacientes. "O comportamento profissional tem que ser igual para todos", afirma.

Segundo ele, qualquer profissional está habilitado a atender pacientes com aids ou hepatite. O que há, na verdade, é um medo de que isso espante outros pacientes. "Existe a rejeição na própria sociedade", afirma. De acordo com Campagnoli, o dentista pode até se recusar a atender, mas desde que aja com respeito e não seja um caso de emergência. O inciso 5.° do 7.° artigo do CEO diz que constitui infração ética "deixar de atender paciente que procure cuidados profissionais em caso de urgência, quando não haja outro cirurgião-dentista em condições de fazê-lo". "O dentista tem o direito de selecionar a sua clientela, mas tem por obrigação prestar os esclarecimento necessários ao paciente e encaminhá-lo para outro profissional", afirma o presidente.

"Temos de ter consciência de que [o soropositivo] precisa ser tratado com educação e carinho. Não podemos isolá-lo do mundo", diz Alaor Jason Brenner, especialista no atendimento a pacientes com necessidades especiais. Para ele, não é apenas o preconceito que afasta os doentes de aids e hepatite dos consultórios privados. As condições socioeconômicas dos excluídos, das mais diversas naturezas, pesam, e muito, na avaliação de muitos profissionais.

Serviço: Reclamações sobre discriminação e mal-atendimento em clínicas odontolóticas podem ser feitas CRO-PR: tel. (41) 3025-9500.

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