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"Abandono é resultado do descaso com a saúde mental"

Para a diretora de Psiquiatria da Federação dos Hospitais do Paraná (Fehospar), Maria Emília Mendonça, situações como a verificada no Tia Leoni, em São José dos Pinhais, são uma conseqüência da política para saúde mental adotada pelo governo federal. "Os hospitais estão subsidiando a União e os estados. Recebemos R$ 28 por dia, mas gastamos pelo menos o dobro disso", diz. Segundo ela, foi o que ocorreu em São José dos Pinhais, com o Hospital Pinheiros, que contava com 557 leitos para atendimento de pacientes com problemas mentais. "O hospital faliu. Fechou. Esses pacientes se espalharam. Algumas famílias acabam ficando com os pacientes em casa, outras procuram clínicas e casas de abrigo que nem sempre oferecem o tratamento indicado."

Maria Emília afirma que, de acordo com dados oficiais, o Ministério da Saúde gastava 5,9% do seu orçamento com saúde mental em 1995. Esse porcentual baixou para 2,3% no ano passado. "Os números retratam um genocídio para uma população carente que precisa do sistema de saúde."

A proprietária e dois funcionários da Associação Filantrópica Tia Leoni, no Jardim Aristocrata, em São José dos Pinhais (região metropolitana de Curitiba), foram presos na noite de terça-feira por crime de cárcere privado e maus-tratos. Eles são acusados de manter 62 pacientes com problemas mentais amontoados em quartos trancados, sem banheiro ou ventilação. "A situação que a gente viu é muito triste. Os pacientes dividiam camas e colchões sujos. Havia fezes e urina pelo chão", afirma o superintendente da delegacia de São José dos Pinhais, Altair Ferreira.

Os internos também não estariam sendo alimentados e recebendo a medicação de forma correta. O médico Vilson José Ferreira de Paula, do serviço de saúde da prefeitura, que iniciou uma análise clínica da situação dos pacientes na tarde de ontem, afirma que o quadro geral verificado no Tia Leoni é muito ruim. "Encontramos pacientes hipertensos, com crises de surto. Provavelmente eles não estavam sendo atendidos por uma equipe médica. Chegamos a encontrar uma receita de agosto do ano passado com um deles, o que reforça a hipótese de que eles deixaram de ser medicados de um tempo para cá."

A proprietária do abrigo, Deamir Farias, de 47 anos, e sua filha Andréa Martins, de 24 anos, que trabalhava na clínica, estão presas na Penitenciária Feminina de Piraquara. O irmão de Deamir, Jamil Francisco Farias, de 65 anos, está detido na delegacia de São José dos Pinhais. Eles não falaram com a imprensa, mas, segundo a polícia, negam as acusações.

Representantes do Ministério Público, da Vigilância Sanitária, da Guarda Municipal, da Polícia Militar e da delegacia local chegaram ao Tia Leoni por volta das 22 horas de terça-feira graças a uma denúncia feita ao promotor Divonzir José Borges. A irmã de um dos pacientes relatou ao promotor que eles estariam sendo maltratados, especialmente na parte da noite. O Tia Leoni atende na cidade há três anos e até terça-feira tinha a permissão para funcionamento regulamentada pela prefeitura de São José dos Pinhais.

Segundo o secretário de governo do município, Aldrian Cortes Matoso, equipes da Vigilância Sanitária fazem inspeções regulares em todos os asilos e casas de tratamento para doentes mentais da cidade. No entanto, nada de anormal teria sido verificado no Tia Leoni. "Eles faziam com nossas equipes o que faziam com os parentes de todas essas pessoas. Mostravam apenas uma parte da casa, arrumada, com camas limpas e com os pacientes de banho tomado. O resto eles escondiam", disse.

Pelo levantamento inicial feito por técnicos da prefeitura, apenas dois dos 62 pacientes seriam naturais de São José dos Pinhais. O promotor Borges vai pedir ao juiz da cidade que designe um interventor para a casa e que seja providenciado o encaminhamento dos pacientes para suas respectivas famílias ou outras clínicas de tratamento. Enquanto isso não ocorre, os pacientes permanecem no Tia Leoni, sob os cuidados de funcionários da prefeitura.

As primeiras notícias sobre maus-tratos no abrigo já levaram familiares e amigos dos pacientes ao local na tarde de ontem. A costureira Neusa Bento da Silva, de 56 anos, esperava notícias do cunhado, internado na clínica há quase três anos. "Quero ver e falar com ele. Estamos preocupados com o que ele pode ter sofrido." Neusa diz que a família pagava R$ 600 mensais para mantê-lo na casa e nunca tinha percebido nada de anormal durante as visitas.

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