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A Voz da Liberdade ergueu-se na Prisão Provisória do Ahú. Não é nenhuma figura de linguagem: esse é o nome do coral formado pelos presos, que apresentou-se na solenidade que comemorou os 100 anos da construção, na quarta-feira. Longe dos olhos dos curitibanos que passam pelas movimentadas avenidas do entorno, um evento mais para as autoridades do que para os 920 internos – cujo maior desejo é, naturalmente, ver-se longe do local – dava ao presídio mais antigo do estado seu dia de festa. Um evento raro em um local temido por muitos, que já abrigou bandidos perigosos, prisioneiros políticos e artistas.

Para entender a importância do "casão" do Ahú é preciso primeiro fazer uma viagem no tempo. O presídio foi criado no início do século passado, depois que um incêndio destruiu a cadeia pública que funcionava na Praça Tiradentes. Segundo o historiador Ernani Costa Straube, o presídio foi instalado onde era o antigo Hospício Nossa Senhora da Luz – segundo se sabe, um local amplo, arejado, com boas condições de saúde e que estava longe do centro da cidade. Depois de adaptado ao novo uso, em 1909, o Ahú recebeu 61 presos (54 homens e sete mulheres), recolhidos em 52 celas. Atrás dele, cem anos depois, vieram as atuais cadeias públicas e as demais penitenciárias do estado. A superlotação e os locais inadequados para guarda de presos, entre outros problemas, vieram mais tarde e parecem não ter fim.

Hoje o presídio está encravado em uma área residencial de alto padrão e os moradores da vizinhança têm os pesadelos povoados de cenas de rebeliões. A mais recente foi em 2000, dirigida por homens ligados ao grupo criminoso Primeiro Comando da Capital, mas houve outras. Neuza Patagonia da Costa, a funcionária mais velha do presídio (30 anos no "casão"), tem lembranças tristes de uma outra, ocorrida em fins dos anos 70, em que a explosão de uma bomba tirou a vida de um colega.

Esses tempos podem estar perto do fim, com a proposta de tirar os presos do Ahú e instalar no local um centro judiciário. A idéia é antiga, e passou por várias fases – houve tempo em que havia planos até de levantar um shopping center no local. Mas não deixa de ser uma ironia histórica se a Justiça realmente ocupar o local que, nas décadas de 60 e 70, serviu de cárcere a jornalistas, estudantes, intelectuais e líderes sindicais, seus ilustres presos políticos (leia mais sobre essa fase e sobre o projeto de criação do centro judiciário na próxima página).

A mudança afastaria para ainda mais longe outras lembranças, estas bem mais amenas, de um tempo em que o presídio fazia parte da vida da cidade e não metia medo em ninguém. "Eu jogava futebol de salão todos os fins de semana com os detentos", conta o aposentado Rosaldo Luiz Wille, 61 anos, que vive em frente ao presídio desde os 13 anos de idade. Até meados dos anos 60, a prisão não tinha as muralhas de hoje e os "hóspedes" do Ahú costumavam lavar os carros da família Wille e de outras da região.

Por mais nostalgia que o local inspire para a velha guarda, dificilmente alguém que morou lá dentro quer voltar. Mas isso acontece com alguma freqüência. Que o diga Maycon Rodrigo Macedo, 24 anos, um recém-chegado bem conhecido. Ele chegou ao Ahú na quarta-feira passada, para uma temporada de 3 anos e meio cumprindo pena por furto. Macedo já havia passado 9 meses no Ahú. Foi transferido para o regime semi-aberto na Colônia Penal Agrícola (em Piraquara), e fugiu de lá. Acabou voltando para o "casão". Na semana passada, estava ouvindo A Voz da Liberdade. Era, como se diz, um ouvinte cativo.

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