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A trajetória de duas meninas de 14 anos de idade retratam bem o desembaraço com que atuam as redes de exploração sexual nas fronteiras da Região Norte do Brasil. Sem visto nem passaporte, Lílian e Patrícia fizeram em agosto passado uma arriscada incursão pela floresta amazônica para chegar a Caiena, capital da Guiana Francesa.

Movidas por promessas de uma vida com ganhos em euro, caminharam por 12 horas no mato, cruzaram rios a nado, enfrentaram nuvens de insetos e despistaram muitas vezes a Gendarmerie, a severa polícia guianense. Seguiram o resto do caminho num carro para clandestinos. Só na chegada descobriram o logro.

Não havia o emprego prometido. Sem saber, Lílian e Patrícia haviam sido recrutadas por uma rede de exploração sexual para trabalhar em casas noturnas de Caiena. Ficaram num desses lugares por quatro dias, até fugir e voltar de carona num caminhão rumo a Saint-Georges, na fronteira com Oiapoque. Essa não foi a primeira investida de Lílian ao território governado pela França. Seis meses antes, já havia estado em Caiena por três semanas. Por vias tortas, tentava fugir de um passado de prostituição e transgressões em Oiapoque.

Velha conhecida dos conselheiros tutelares locais, Lílian passou quatro meses num abrigo municipal de Macapá a mando da Vara de Infância e Juventude, por causa de furtos e brigas de rua. Um dia antes da audiência com o juiz, marcada para 18 de janeiro deste ano, a garota desapareceu. Fez sua primeira viagem clandestina à Guiana Francesa. "Disseram que lá é muito fácil ganhar dinheiro, que vale mais do que aqui", diz Lílian.

Matiz de uma carreira promissora

A proposta de dois recém-conhecidos parecia a realização de um sonho para Lílian. A vida em Caiena fora pintada com a matiz de uma carreira promissora, com emprego certo e muitos euros. Às vésperas de completar 14 anos, encheu de roupa a mochila e fugiu da casa da mãe, na periferia. Junto dos colegas, de 19 e 21 anos, cruzou de barco o rio Oiapoque até a vizinha Saint-Georges. Dali, seguiram os três numa bicicleta. Ela na garupa e outro no varão. Até alcançarem Caiena, distante dali uns 200 quilômetros, foram três dias de marcha com pernoites no mato.

Os dois rapazes eram assaltantes fugindo de problemas no Brasil, que por encomenda levaram a garota para trabalhar em boates de Caiena. Lílian não ficou ali por mais de três semanas, intervalo de tempo em que completou 14 anos, no dia 20 de fevereiro. Ao saber por telefone da morte do pai, fugiu e retornou ao Brasil.

Na volta, pegou carona com um casal. Ele francês, ela brasileira. Lílian entrou e saiu da Guiana de forma clandestina, sem ser abordada no caminho pela Gendarmerie.Em agosto surgiu nova oportunidade e, desta vez, a menina acreditou que seria diferente. Arrumou a mochila e levou junto a amiga Patrícia, também de 14 anos. Na companhia de um homem, que fez a proposta em Oiapoque, cruzaram o rio de catraia (barco movido a motor). Em Saint-Georges, iniciaram a travessia de uma parte da amazônia guianense.

Os riscos da fuga

Foram 12 horas a pé na mata, esquivando-se da Gendarmerie. Pouco antes de chegar a Régina, cidade a meio caminho de Caiena, tiveram de enfrentar as correntezas do rio Approuage. "Ela (Lílian) me puxava pra baixo e eu quase me afoguei", conta Patrícia.

Chegando a Régina, cada uma pagou a um brasileiro o equivalente a 50 euros (R$ 135) para ir de carro até Caiena. Na capital, ficaram quatro dias nas mãos de aliciadores em casas noturnas. Ao final desse tempo, fugiram e voltaram a Saint-Georges de carona com um caminhoneiro. Hoje, ambas moram na casa da mãe de Lílian, num bairro pobre de Oiapoque.

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