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O corte etário no ingresso escolar das redes pública e privada ainda gera insegurança jurídica no Brasil. A medida afeta os ensinos infantil e fundamental. Uma resolução harmônica está no Supremo Tribunal Federal (STF), mas enquanto a Corte não define a situação pais, alunos, escolas, entidades e órgãos de Estado tentam se enquadrar nas determinações da legislação e de ordens judiciais.

Entenda o caso

A Lei de Diretrizes e Bases de Educação sofreu uma alteração curricular grande em 2005, que definiu que o ingresso obrigatório dos alunos no ensino fundamental a partir dos seis anos de idade. Em 2006, uma outra lei alterou a redação original prevendo até 2010 a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos. Também em 2006, uma emenda constitucional definiu que a pré-escola, segunda etapa da educação infantil, seria destinada a crianças de 4 e 5 anos. Essa medida sobre a educação infantil foi atualizada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) apenas neste ano.

Já em 2009, outra emenda determinou que, a partir de 2016, o ensino obrigatório no Brasil atenda crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, englobando pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. Desde janeiro, portanto, as famílias são obrigadas a matricular os filhos na rede pública ou particular. Os pais que não colocarem as crianças na escola – e não garantirem a permanência– podem ser punidos criminalmente. Até 2016, era dever das famílias matricular as crianças a partir dos seis anos e os estudantes só poderiam deixar a escola aos 14, após concluírem o ensino fundamental.

Até 2010 não existia uma norma que sistematizasse o ingresso nas escolas em nível nacional, por datas específicas. Motivado pelas mudanças legislativas, o CNE, ligado ao Ministério da Educação, expediu duas resoluções: uma definiu que as crianças deveriam ingressar no primeiro ano do ensino fundamental com seis anos completos ou a completar até 31 de março, e outra que determinou que o mesmo ocorreria para as matrículas da pré-escola, com as crianças tendo 4 anos completos ou a completar até a mesma data limite.

Diante dos inúmeros processos sobre o tema, em 2013, a Procuradoria-Geral da República (PGR) propôs uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ao STF com o objetivo de derrubar a norma do CNE. Em seguida, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ouviu CNE, Ministério da Educação e também Advocacia-Geral da União (AGU) e após a argumentação a favor do corte a própria PGR se posicionou contrária ao pedido de arguição.

“A fixação da data de 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula como marco etário para definição do ingresso na pré-escola e no ensino fundamental não afronta o art. 208, I e IV, e § 1o, da Constituição da República. Não se negará à criança acesso à educação. Caso a criança de 3 anos não haja completado 4 anos até 31 de março do ano da matrícula, oferecer-se-lhe-á acesso à educação infantil, por meio de creches (art. 30, I, da Lei 9.394/1996). Caso a criança de 5 anos não tenha completado 6 anos até 31 de março do ano da matrícula, garantir-se-lhe- á acesso à pré-escola”, diz o despacho assinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Com o intuito de definir o assunto em nível nacional, repousa no STF a decisão sobre o tema.

De acordo com o Conselho Estadual de Educação (CEE), órgão responsável no Paraná por essa mediação, a conjuntura atual permite que as crianças que completam quatro anos até 31 de dezembro de 2017 ou seis anos até a mesma data entrem para os ensinos infantil e fundamental regularmente, respectivamente, sem prejuízo de impedimento. Essa norma foi estabelecida em agosto de 2015 pelo colegiado e foi ratificada no último mês de setembro para o próximo ano.

No entanto, a determinação original, do Conselho Nacional de Educação (CNE), estabelece como limite a data de 31 de março. O imbróglio decorre justamente de uma disputa judicial em torno de uma resolução editada pelo CNE há seis anos, que definiu as orientações de matrícula do ensino fundamental, já com a duração de nove anos. O colegiado fixou uma data limite para ingresso no primeiro ano. Para efetivar a matrícula, o aluno precisaria ter seis anos completados até o dia 31 de março do período letivo. Crianças que completam seis anos após essa data deveriam ser matriculadas na etapa anterior, ou seja, a pré-escola (4 a 6 anos), tanto para escolas públicas como para a rede privada.

Como a resolução não tem força de lei, vários estados e municípios ignoraram a medida. Alguns pais contestaram judicialmente a norma. Desta forma, após algumas decisões judiciais, a resolução vigora apenas em parte dos estados brasileiros. Em outros, como no Paraná, a medida engloba as crianças que completam quatro ou seis anos até 31 de dezembro do ano corrente.

De acordo com Cleto de Assis, secretário-geral do CNE, o posicionamento do colegiado é de tentar amenizar a situação enquanto a esfera federal do Judiciário não normatiza a lei. “O Conselho entende que as regras são nacionais, foram estabelecidas pelo CNE. Esse próprio plano nacional se encontra em vigência. Mas também consideramos a situação atual. Há uma insegurança jurídica, as interpretações são muito tênues. Portanto nós estabelecemos como meta a orientação nacional, mas permitimos essa transição”, explica.

De acordo com a retificação do CNE, o colegiado “autoriza um período de transição para adequação de situações já consolidadas”. “Nada impede a matrícula, no Pré II e no 1º ano do ensino fundamental de alunos com escolarização anterior, de crianças com idade inferior a cinco anos no Pré II e inferior a seis anos no ensino fundamental, que tenham atingido os objetivos e condições de prosseguimento de estudos, desde que completem esta idade até a data de 31 de dezembro do ano, exclusivamente para os anos de 2016 e 2017”, diz o texto.

“A orientação atual é de aguardar a decisão final, que vai colocar em harmonia toda a legislação nacional”, conclui Assis. “Mas as idades são importantes para não deixar nenhum vácuo na passagem entre o ensino infantil e fundamental. Se a criança começar uma ou outra etapa muito cedo, depois vai ter que refazer os últimos anos dependendo do caso”.

O advogado Juliano Siqueira de Oliveira, que representa o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Paraná (Sinepe), reforça que a legislação paranaense não pode fixar uma data. “No Paraná nós temos uma situação bastante específica. A escola que quer estabelecer uma data diz que cumpre a legislação estadual do Plano Estadual de Educação. Já a escola que não quer cumprir essa lei está assegurada em uma decisão judicial da Vara da Fazenda Pública que diz que esse impedimento é inconstitucional”, exemplifica.

Já Fátima Chueire Hollanda, da direção do Sinepe, diz que, independente do corte, essa geração de seis anos deve ser preservada nas bases da educação infantil. “Algumas instituições entendem que o corte dá mais tempo para a educação infantil, outras não entendem assim. Quando o CNE implantou o ensino de 9 anos, a criança de seis anos pulou para o fundamental. Essa criança pertencia à educação infantil. Mas a criança é a mesma. O tratamento deveria ser o mesmo: lúdico, imaginativo, divertido. Esse ano tem por objetivo a preparação para o letramento, e não a alfabetização em si”, alerta.

Além disso, a orientação do Sinepe também é de permitir que as crianças que fazem aniversário até 31 de dezembro tenham acesso regular ao ensino.

Preocupação

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), 17,3% da população brasileira de 4 e 5 anos estava fora da escola em 2014. De acordo com o Movimento Todos pela Educação, isso representa 600 mil crianças. Um balanço recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que o Brasil é um dos países membros com maior porcentual de crianças de 5 anos de idade que não frequentam o sistema de ensino (17,4%).

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