• Carregando...
O veterano Dorival Carneiro na banca da Praça Carlos Gomes e, abaixo, na banca da Tiradentes, onde iniciou sua carreira na Curitiba de 1970: elogio ao jornaleiro | Fotos: Marcelo Elias/Gazeta do Povo
O veterano Dorival Carneiro na banca da Praça Carlos Gomes e, abaixo, na banca da Tiradentes, onde iniciou sua carreira na Curitiba de 1970: elogio ao jornaleiro| Foto: Fotos: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Vantagens

Banca é sinônimo de...

- Segurança: ser conhecido do jornaleiro equivale a melhorar relações de vizinhança e, por tabela, aumentar a própria rede de proteção.

- Referência: qualquer cidade grande precisa de "pontos" que ajudem a população a se situar. Muitos lugares ficam antes ou depois da "Banca do Alex", no Juvevê.

- Ser chamado pelo nome: em tempos de anonimato, bons jornaleiros não abrem mão do tratamento personalizado.

- Tribuna de ideias: as bancas que formaram confrarias e favorecem o encontro de amigos se tornaram espaços para o debate político, social e cultural.

- Tradição: não raro a banca passa de pai para filho. Memórias urbanas passam por ali.

- Resistência: no regime militar muitas bancas foram ameaças de depredação pelo DOI-Codi caso vendessem jornais de esquerda. Algumas foram queimadas. Outras desobedeceram. A democracia venceu. (JCF)

Personagem

Celebridade do Alto São Francisco

"Valeu tio"; "oi Buba", "tchau seu Babi", "e aí, Robert". Esses são alguns dos apelidos do ex-arte finalista Roberval Marte dos Santos, 50, também conhecido como Babiak, candidato ao mais popular dentre os 260 jornaleiros da capital. Ele é de fato muitos em um. E se desdobra como pode para atender a inacreditável clientela de 1,7 mil pessoas por dia na loja de 20 metros quadrados que abriu, há duas décadas, na pouco conhecida Travessa Teixeira de Freitas, no Alto São Francisco.

Leia a matéria completa

  • Roberval, o Babiak, e sua clientela jovem no São Francisco: palavras repassadas de doçura

O jornaleiro Dorival Carneiro, 65 anos, ainda usava calças curtas, em Jandaia do Sul, Norte do Paraná, quando seu pai apareceu com a novidade: uma "representada" da Editora Abril. Em poucos dias, a rotina de cidade do interior seria quebrada com a chegada de Flash Gordon, Tarzan e Zorro, todas devoradas pelo pequeno como se fossem mangas caídas do pé. Ele ainda guarda a foto da "Banca Central". E avisa: "Foi assim que tudo começou". Por "tudo" entenda-se uma das mais longevas carreiras do estado no comércio de revistas e jornais. Apenas no Centro de Curitiba – cidade para onde Dorival se mudou em 1962 – foram 40 anos de serviços prestados, parte na Praça Tiradentes, parte na Carlos Gomes. É tempo o bastante para que quem anda pela região considere o jornaleiro quase um mobiliário urbano, do quilate do Bondinho da XV. Não é difícil identificá-lo: alto, negro, visual black desafiando os modismos. Instalou-se no bairro no ano de 1970. Aque­le em que se cantou "90 milhões em ação..."

O ano foi bom para o jornaleiro. "... Uma das maiores vendas de jornal de que me lembro. Parecido, só na morte do Tancredo Neves", lista o veterano na semana em que anunciou seu afastamento da função. "Vou me aposentar", avisa, dizendo-se já saudoso da freguesia, da rotina e das surpresas de uma lida que inicia às cinco da matina e não guarda sábado nem domingo.

"Engana-se quem pensa que o nosso mundo fica restrito a 16 metros quadrados", desafia o homem que atendeu políticos e celebridades. De Pelé arrancou um autógrafo. Já com os atores Marco Nanini e Ney Latorraca não teve coragem de avançar o sinal. "Eles entraram na minha banca para comprar chicletes", diverte-se em meio a uma lista telefônica de gente que circula pelo cubículo plantado na esquina da Rua Pedro Ivo com a Marechal Floriano Peixoto.

Mais do que um contador de histórias, Dorival Carneiro se tornou uma espécie de "pensador da vida jornaleira". Como a maioria dos colegas, desembarcou na profissão por acaso. Depois da banquinha de Jandaia, trabalhou na Distribuidora Guignone e via o emprego de jornaleiro como um atalho até chegar à faculdade de Letras – lugar perfeito para o jovem que gostava de ler.

Além dos gibis da infância, tinha ali acesso à revista Realidade e aos fascículos da enciclopédia Conhecer. Mas aos poucos percebeu que havia outros leitores como ele na praça. E que muitos fregueses de ocasião se tornaram pessoas melhores depois de empenharem seus caraminguás nos magazines e jornais.

As estratégias de Dorival para vender podiam constar nos manuais de marketing. É do tipo que entrega em casa, que decora as preferências dos leitores e que guarda o nome de cada vivente, colaborando para aquela que é a maior contribuição das bancas para o cenário urbano: as lojinhas apertadas em cima da calçada são espaços democráticos para troca de ideias e criação de vínculos de vizinhança. "Uma banca é uma referência. Nos perguntam onde fica uma rua, mas também o que pensamos sobre as eleições. Somos bons ouvintes, informantes, formadores de opinião", diz.

Difícil encontrar um jornaleiro que não tenha experimentado a glória jornaleira descrita por Dorival. Daí o desapontamento de muitos. Com o avanço do mercado de assinaturas e a proliferação dos postos de venda em farmácias, padarias e supermercados, as bancas veem minguar seus recursos. Há quem conte já ter faturado R$ 16 mil por mês. E quem garanta hoje não ultrapassar R$ 3 mil.

A lista de obstáculos é longa. A cidade cada vez maior e com mais carros é uma inimiga dos Dorivais, Ingomares – o da Banca do Batel –, e Toninhos, aquele das revistas importadas no Juvevê. "Só temos deveres", lamenta Toninho, 28 anos de banca. Não há como estacionar, quando não há pouco tempo para um dedo de prosa. "Por que o freguês que estacionou no posto de gasolina vai vir aqui se nem precisa sair do carro para pedir uma revista?", declara a dona de banca Marinete Neri dos Santos, 44 anos, dona de um estabelecimento na Vila Guilhermina.

Driblar a era cibernética virou obsessão dos jornaleiros. Para sobreviver, precisam ganhar o público, em especial o mais acomodado e o mais acuado, por ver na rua um sinônimo de exposição à violência. É justamente da dificuldade que vem nascendo uma fase criativa. O exemplo mais citado é o da minipraça criada pelo jornalista e jornaleiro Gregório de Bem, na ciclovia do Hugo Lange. Mais do que um ponto de venda, a banquinha é ponto de convivência.

O administrador de empresas Luciano Justino, 39, gerente-geral de Operações do setor de jornais da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), construiu sua carreira no setor de logística de uma grande empresa do setor de cigarros e de alimentação. Há pouco mais de dois anos desembarcou no campo da informação. Sabia da peleja. "Jornais e revistas são perecíveis. Os jornaleiros travam uma guerra para ganhar alguns centavos de comissão em um sem número de produtos", diz.

"Estamos nos reinventando", aposta um dos papas do setor, o jornaleiro Laércio Skaraboto, 50, há 23 anos na Cândido de Abreu. Essa realidade salta aos olhos. As banquinhas de 16 e 12 metros quadrados foram pensadas para abrigar os periódicos do dia. Mas se converteram em minimercados onde se vende de tudo. Para Gregó­rio de Bem, a variedade de produtos é um falso remédio. "São comissões altas em cima de badulaques baratos", conta. E alfineta o setor editorial. "Há descontos de até 50% para assinantes novos, com entrega em casa, sem cobrança do Correio. Para nós, nada. Não há interesse no jornaleiro", lamenta, de olho num condomínio de luxo que acaba de ser inaugurado na frente de sua loja.

De Bem lembra que muitos quase não usam os serviços da rua. E que se julgam seguros nos condomínios, esquecendo que a base da segurança são as relações de vizinhança. "Só tem um caminho – conhecer quem mora perto de você." Com 43 anos de vida jornaleira, ele tem feito sua parte. É só chegar, sentar e conversar.

Daniel Barbosa da Silva, 53, criou uma confraria de leitores que se reúnem na banca – de frente para o Clube Atlético – no domingo de manhã. "Estou me preparando para a Copa de 2014. Viro bilíngue até lá. Vou surpreender." Eis a aposta dos velhos jornaleiros nos sempre novos anos 2000.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]