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Arrasta-se o trânsito em uma rua movimentada. Vejo ao meu lado um ciclista: homem, 30 e poucos anos, roupa de escritório, mochila nas costas, capacete. Pedala com vontade, mas não acompanha o ritmo dos automóveis. Fica pra trás. Penso eu: "Vendo os carros se deslocando mais rápido, ele vai acabar querendo dirigir um também".

O trânsito para. Tem carro demais na via. Quando o semáforo fecha lá na frente, ficamos todos estagnados e nem dá tempo de aproveitar o próximo sinal verde. O ciclista me ultrapassa. Sempre no mesmo ritmo. Fico para trás. E agora penso eu: "Vendo o ciclista se deslocando mais rápido que eu, vou acabar querendo andar de bicicleta também".

Essa cena já aconteceu mais de uma vez comigo. No roda-e-para do trânsito, ser ultrapassado por uma bicicleta. Deve ter acontecido com você também.

Noto a presença de um novo ciclista nas cidades. São jovens de classe média, universitários ou profissionais, com alguma experiência de viagens internacionais que acabaram por influenciá-los. Para eles, usar a bicicleta é uma escolha consciente, uma espécie de ato político.

Será um grande desperdício se as administrações municipais ignorarem esse movimento espontâneo de simpatia por um meio de transporte que não polui e não faz barulho. Infelizmente corremos o risco de ver o bom momento ser desperdiçado: facilitar a vida do ciclista significa, em algum nível, limitar a liberdade dos motoristas. E motorista é rei no Brasil. Para ele, todos os caminhos devem estar abertos. É uma visão de curto prazo, mesquinha. Digo mais, é uma visão burra.

Não adianta dizer que os Estados Unidos, que são um país rico e competente, têm sua vida baseada no automóvel particular. O sistema americano é caro, não serve para todos nós. Não serve para o planeta, acima de tudo. Exige vias largas e com boa manutenção e a queima de muito combustível fóssil.

No caso de Curitiba, nem sempre fomos tacanhos. Já tivemos projetos ousados que saíram da cabeça de prefeitos que pensavam na cidade como o grande palco da convivência humana e a geriam com olhos no futuro. Sim, crianças, eu vi. Estamos ficando para trás por falta de ousadia. A bicicleta é simples e acessível e, ainda assim, adotá-la é um gesto de ousadia e liberdade.

Hoje faz 25 anos que o corpo de Carlos Drummond de Andrade foi enterrado no jazigo 19.099 do Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Para lembrar o poeta que também escrevia crônicas de jornais, alguns de seus versos:

"Não me leias se buscas flamante novidade ou sopro de Camões.Aquilo que revelo e o mais que segue oculto em vítreos alçapões são notícias humanas, simples estar-no-mundo, e brincos de palavra, um não-estar-estando, mas de tal jeito urdidos o jogo e a confissão que nem distingo eu mesmo o vivido e o inventado. Tudo vivido? Nada. Nada vivido? Tudo." (Poema-Orelha)

E, para os dias mais ásperos, além da cocaína moral dos bons livros? Que crime cometemos além de viver e porventura o de amar não se sabe a quem, mas amar? (A um Bruxo, com Amor)

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