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A ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro, provocou um debate nacional sobre o racismo, quando considerou "natural" a discriminação dos negros contra os brancos. Disse: "Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros."

Eu concordo com os argumentos da ministra Matilde sobre o racismo no Brasil. Mas discordo da afirmação que seja "normal" que negros sejam racistas contra brancos. O racismo deve ser combatido de todas as formas. Acredito que tenha sido uma frase mal formulada podendo ter duplo sentido. Um sentido que sem dúvida não é da ministra e tampouco da Seppir.

Como já sabemos, no Brasil, o racismo se manifesta nos meios de comunicação, na escola, na política, na saúde, no mercado de trabalho. Nestes segmentos, de acordo com as estatísticas, os indivíduos brancos encontram-se numa situação de vantagem e privilégio e os negros, em desvantagem. Perguntamos: quem são as vítimas do racismo brasileiro? São os indígenas e os negros? São os brancos? É óbvio que no Brasil os brancos não são vítimas de racismo.

Para ser racista é preciso, antes de tudo, ter poder. No Brasil é o grupo branco que domina todas as instâncias de poder seja econômico, político, cultural, intelectual, etc. Portanto, do ponto de vista histórico, cultural e social não há efetivamente nenhuma probabilidade de que brancos no Brasil sofram de racismo. Poderão ser vítimas de preconceito, de discriminação, mas não de racismo.

Mas o que é o racismo? O racismo deve ser entendido como um processo de "dominação" de hierarquização de um grupo sobre outro percebida, inclusive, no caso do Brasil, tanto na distribuição dos bens sociais e na forma de regular, implementar e consolidar as políticas públicas. Portanto, envolve um problema estrutural que afeta todas as instâncias de uma sociedade. A perversidade do racismo brasileiro nos faz indagar: "Será que existe algum mecanismo de controle étnico-racial no Brasil?" Por que negros tem expectativa de vida menor que brancos no Brasil? Por que os negros são os que mais morrem assassinados no Brasil? Por que os negros são a maioria dos analfabetos do país e nossas crianças negras evadem mais e repetem mais de nossas escolas públicas? Porque num pais de tanta mistura racial a riqueza do país tem a cor branca? Até religião de negro é tratada pelos intolerantes como demoníacas, etc, etc.

Não paramos por aqui. No mercado de trabalho entre um branco e um negro, dizem os estudos, a vaga é naturalmente do branco. Um cidadão negro precisa ter, em média, um currículo três vezes melhor para ficar com a vaga quando tem um concorrente branco. Alguém acha isso normal? Quantos de nós pressionamos nossas empresas racistas e machistas?

Ou seja, o racismo aparece como um fato social, mas como se fosse apenas nas relações interpessoais e não nas coletivas. Assim, cria-se a idéia da inferioridade ao negro sem construir a idéia de superioridade do branco pelo menos de formas explícitas. Não nos é lembrado que o grupo branco é o principal privilegiado socialmente no racismo, mas também psicologicamente, pedagogicamente, historicamente. O racismo questiona as características físicas e morais dos negros e sua capacidade mental. Para um grupo a idéia de "desvio", "divergência", "estigma", "segregação", "vulnerabilidade", "preconceito". Para o outro de a idéia de "aceitação", "integração", "reconhecimento", "prestígio", etc.

Qual é a sociedade que queremos construir? Qual é o medo que temos? Queremos construir uma sociedade justa e solidária que trate com dignidade e respeito a metade de sua população que neste país é negra.

Marcilene Lena Garcia de Souza é socióloga e vice-presidente licenciada do Instituto de Pesquisa da Afrodescendência (Ipad).

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