Físico quântico, professor universitário, filósofo, cicloativista e líder do Budismo Tibetano no Brasil. Alfredo Aveline ou melhor, o lama Padma Samten é, principalmente, um devoto da paz. Na contracorrente das opiniões recentes sobre as formas de aumentar a segurança no país, ele não defende o endurecimento das medidas repressivas, mas a investigação e a superação das causas internas da violência. Recentemente, ele esteve em Curitiba para ministrar uma palestra no Conselho Parlamentar de Cultura da Paz do Paraná, o ConPaz. Nesta entrevista, ele fala sobre a contribuição do pensamento budista para a redução da violência.
Nos últimos meses, a sociedade brasileira se aproximou da ideia de reduzir a maioridade penal. Para muitas pessoas, a medida inibiria a criminalidade entre os mais jovens. Como o senhor vê a questão?
Reduzir ou não reduzir a maioridade penal não vai fazer grande diferença. Em nossa época, as crianças de 10 anos são seres muito lúcidos. Elas entendem as coisas, dão palpites, são criativas, são ótimas. Aos 16, então, essa compreensão é muito maior. O problema, porém, não reside aí: o fato é que a penalização, o encarceramento, não funciona em nenhuma idade, seus resultados são frágeis e danosos. Essa é a questão principal.
Diante dessa perspectiva, qual seria a solução?
É preciso entender o que leva um jovem ou qualquer pessoa a agir de forma negativa. Nós não temos uma compreensão profunda sobre como esses processos ocorrem. Condenar uma pessoa equivale, no Budismo, a "dar nascimento negativo", ou seja, imprimir um caráter, dar uma identidade ruim. Se nós tomarmos essas pessoas e as ligarmos à perspectiva de que vão agir sempre de forma criminosa, não teremos a possibilidade de ver como elas poderiam sair desta paisagem mental negativa. É preciso saber como se ligaram a essa paisagem mental que faz com que pensem que suas ações são favoráveis. Nenhuma ação negativa é satisfatória para quem a pratica: a pessoa fica envergonhada, percebe a tristeza que provoca em seus semelhantes e sabe que o resultado é insatisfatório. Que se esvai e provoca sofrimento. Nós estamos muito preocupados com a violência porque ela nos afeta enormemente, mas precisamos compreender o tema a partir de mais perspectivas, perceber todos os fatores envolvidos e trabalhar com cada um deles. A prisão de uma pessoa não significa que ela vá mudar, e que os aspectos de sua mente não serão copiados por outras pessoas. Se não houver essa compreensão, vamos continuar encarcerando pessoas e os problemas não serão resolvidos.
As instituições não dão conta de forjar uma sociedade baseada na paz. O foco, aliás, está na violência e na punição. Como modificar esse quadro?
Iniciativas como a do Conselho Parlamentar pela Paz do Paraná, o ConPaz, são louváveis. Elas se encarregam de localizar, nas tradições filosóficas e religiosas, na cultura, elementos que contribuam para mudar as coisas. São capazes de detectar os elementos sutis que determinam o atual cenário de violência. É espantoso perceber o quanto ações violentas cometidas em outros países contaminam a nossa sociedade. As coisas acontecem lá e, de repente, começam a pipocar aqui. Ou, então, ações inacreditáveis que surgem entre nós e que, de repente, se repetem. Detectar esse processo é fundamental para superar a violência. Um exemplo: se você examinar a programação televisiva, vai perceber o quanto somos bombardeados por coisas negativas. Eu tenho filhos pequenos e fico abismado ao ver o grau de violência nos desenhos animados eles invariavelmente ensinam a ultrapassar os limites do bom senso e a fazer o que não deve ser feito. Os personagens são explodidos e, de repente, retornam ilesos, ou seja, não há problema em explodir o outro. Fica a lição da impunidade, de que é possível fazer tudo sem arcar com as consequências. A coisa não se resolve pela censura, mas pela percepção da origem dessas disposições negativas, desse adoecimento coletivo.
É possível localizar uma causa central para o atual estado de coisas no mundo?
Tenho para mim que as coisas passam pelo processo econômico, que é ilusório e insatisfatório em si mesmo. Mesmo que as pessoas comprem tudo o que desejam, elas seguem deprimidas, doentes. Se o poder econômico trouxesse felicidade, as pessoas ricas estariam imunes à tristeza, o que não acontece. Ou seja: o processo econômico, tal como o concebemos, não dá conta de resolver os problemas; não só não dá conta, como aprofunda a crise em termos planetários. Tomemos como exemplo a China, que se tornou uma potência econômica e uma espécie de "modelo a seguir". Hoje, das 30 cidades mais poluídas do mundo, 20 são chinesas. Esse "progresso" é perverso, e começa a produzir respostas dentro da própria sociedade, que passa a se opor à instalação de complexos industriais.
Ou seja, também existem elementos positivos emergindo do cenário...
Sem dúvida. Um sinal disso é a percepção crescente de que o PIB já não é o melhor referencial de riqueza. Esse índice, aliás, deve perdurar por mais algum tempo e ser substituído por outro, que contemple fatores como a felicidade. Isso é muito importante, porque mostra que o referencial econômico, sozinho, não dá conta da realidade, e que é preciso buscar o referencial humano.
O Budismo Tibetano, tradição religiosa da qual o senhor é um líder, sofreu com a violência praticada no contexto da invasão chinesa ao Tibete. Que lições extraiu desse episódio?
É interessante perceber como as coisas evoluem. Meu mestre Chagdud Rinpoche [1930 2002] perdeu tudo quando o Tibete foi invadido. Perdeu a esposa, a família, as propriedades. Fugiu para o Nepal por montanhas geladas, chegou lá muito enfraquecido e, no processo, quase morreu ao cair em um rio de montanha. E, sem nenhum bem, começou uma nova trajetória. Viveu na Índia, veio aos Estados Unidos e, depois, instalou-se no Brasil, onde impulsionou a difusão do Budismo Tibetano. Um caminho semelhante foi trilhado por sua santidade, o Dalai Lama. Esses mestres enriqueceram a cultura ocidental, em especial porque trouxeram uma compreensão diferenciada da mente, uma percepção sutil que, atualmente, é percebida como importante. A cultura budista nos enriquece porque nos faz perceber que o mundo exterior é inseparável de nossas dimensões internas, e que a mudança do mundo passa por mudanças em nossa própria mente, em nossa própria percepção. Os chineses, então, têm esse "mérito": de chacoalhar toda a estrutura do Budismo Tibetano, de sacudir todos os mestres como se sacudissem uma árvore frondosa e de, com isso, espalhar flores e frutos por uma área muito maior. Com isso, os mestres precisaram dar conta de algo diferente, não só de preservar as próprias tradições, mas de fazer com que o mundo delas se beneficiasse.