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Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e o ex-presidente da República Jair Bolsonaro.| Foto: Divulgação/PL

As declarações recentes do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, comparando o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ao ex-presidente Jair Bolsonaro reacenderam uma discussão que tinha sido quase extinta da política nacional nos últimos meses: a lacuna eleitoral de um partido que corresponda aos valores da parcela da população definida como conservadora nos costumes e liberal na economia.

O fracasso na organização do Aliança pelo Brasil, partido idealizado em 2019 pela base de Bolsonaro que tinha como meta a disputa eleitoral de 2022, fez com que o assunto perdesse gradualmente o vigor. A falta de adesão autêntica a princípios e a ameaça de infidelidade de líderes dos atuais partidos que abrigam direitistas, contudo, têm feito parte da direita pensar em resgatar o plano.

Em vídeo divulgado nas redes sociais logo após a polêmica com Costa Neto, Bolsonaro relatou o que disse ao presidente de sua legenda por telefone: "Se continuar assim, você vai implodir o partido".

A necessidade de uma nova legenda é sentida principalmente pelo grupo de eleitores em maior ascensão no Brasil nos últimos anos: aqueles contrários ao radicalismo progressista e ao identitarismo, geralmente liberais na economia e cada vez mais céticos em relação a discursos ideológicos propagados como verdades absolutas por grupos de poder. A popularidade de Bolsonaro é um dos principais trunfos para que uma legenda com esse ideário seja viável no Brasil.

O economista Marcos Cintra, ex-deputado federal e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), traduziu esse sentimento na terça-feira (16), em uma postagem do LinkedIn, afirmando que "Bolsonaro precisa de um partido: o dele".

"A liderança e o carisma que Jair Bolsonaro amealhou não combinam com submissão a donos de partidos, como ao Valdemar do PL", disse Cintra. "Independentemente de preferências ou nojinho, cada liberal brasileiro tem a obrigação de segui-lo, pois ele encarna a única esperança concreta de disruptura do sistema que recolocou Lula no poder e cancelou seu único oponente real, Jair Bolsonaro. Não há qualquer razão para Jair Bolsonaro não estar reunindo seus seguidores em um partido verdadeiramente liberal. Apoiadores não faltam, mesmo os que já divergiram de sua liderança, como foi o meu caso", acrescentou.

Para Cintra, "só Bolsonaro é capaz de aglutinar forças para implodir o sistema woke, 'progressista' e antidemocrático a que estamos amordaçadamente impostos".

No mesmo dia, Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, fez na rede X uma postagem de cunho semelhante, com milhares de curtidas, atacando as falas de Costa Neto: "É urgente a criação de um partido conservador autêntico, do contrário continuaremos sendo os sem-teto da política brasileira, dependentes da hospitalidade de quem não gosta da gente e nos recebe por conveniência e dinheiro. A direita tem povo mas não tem partido. É um paradoxo."

Na quinta-feira (18), o músico Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, postou também no X uma resposta ao deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) com a mesma ideia: "Adoraria que você, Nikolas [Ferreira], [Carlos] Jordy e uns poucos outros que são conscientes fundassem um partido realmente de direita", disse, em publicação com milhares de curtidas.

No exterior, nova direita ascendeu na esteira de partidos; no Brasil, Aliança naufragou

O Brasil é um caso raro de país em que a nova direita surgiu desacompanhada de um partido próprio. Com exceção feita aos Estados Unidos – que, com as peculiaridades de seu sistema bipartidário, elegeu Donald Trump pelo velho Partido Republicano –, a ascensão da nova direita no exterior esteve quase sempre vinculada à criação ou ao crescimento de um partido direitista.

É o caso, por exemplo, da Espanha, onde o partido Vox, fundado em 2013, ganhou força junto com a popularidade de seu líder, Santiago Abascal; da Argentina, onde o Partido Libertario, criado em 2018, levou Javier Milei à Presidência em 2023; e de Portugal, onde o Chega, fundado em 2019, tem a chance de se tornar o maior partido no parlamento nas eleições de março deste ano. Todos esses partidos e políticos têm sido referidos unanimemente pela imprensa de viés esquerdista como representantes da "extrema-direita", ainda que essencialmente só apoiem valores historicamente aceitos nas democracias ocidentais.

No Brasil, muitos daqueles que se sentem órfãos de um partido autenticamente direitista não se contentam com o Novo, que é liberal na economia e defende a liberdade de expressão, mas se nega a tomar posição em temas como aborto e drogas. Legendas como União, Progressistas e Republicanos, embora abriguem cada vez mais nomes da direita, sofrem da mesma desconfiança que o PL.

Há em curso outras iniciativas de fundação de partido capitaneadas por políticos que se identificam como direitistas. Atualmente, a mais midiática delas é o partido Missão, idealizado pelos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL). O grupo enfrenta, contudo, forte resistência entre muitos conservadores, não só pelos conflitos que teve ao longo dos últimos anos com nomes importantes deste campo político, mas por sua indefinição em relação a alguns temas de costumes.

Outra iniciativa é a do jornalista José Carlos Bernardi, que está buscando assinaturas para a fundação de uma legenda reunindo políticos conservadores, chamada Partido Conservador. No programa do partido publicado no último dia 4 de dezembro no Diário Oficial da União, o Partido Conservador define como seu fundamento "o intransigente respeito às instituições" e afirma que pretende "assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo" e "a defesa da Pátria e dos direitos fundamentais definidos na Constituição Federal".

O que aconteceu com o projeto do partido Aliança pelo Brasil?

Em 2019, a base de Bolsonaro planejou a criação do partido Aliança pelo Brasil, que acabou não vingando. Em 2022, o trâmite para a fundação da legenda foi arquivado porque as 492 mil assinaturas necessárias para a continuidade do processo não foram atingidas a tempo. O motivo, segundo uma fonte ouvida pela Gazeta do Povo que preferiu não se identificar, foi, essencialmente, a desorganização.

Em 2019, os responsáveis por recolher as assinaturas foram lentos em coordenar a distribuição das fichas. Com o início da pandemia da Covid-19, a demora em obter as assinaturas se agravou devido às regras de isolamento social, o que dificultou ainda mais a criação do partido.

O processo de coleta de assinaturas continuou mesmo assim, mas foi marcado por conflitos e desgaste entre os principais responsáveis, além da própria desordem interna – o que inclui, por exemplo, falta de pessoal, quantidade insuficiente de fichas impressas e a ausência de uma conta bancária com recursos financeiros centralizados para a criação do partido.

Um dos coordenadores garante que até havia o número de assinaturas necessárias para a continuidade do projeto; mas, quando esse número foi atingido, Bolsonaro já havia definido sua vinculação ao PL para as eleições de 2022. Abandonado pelo ex-presidente, o Aliança naufragou de vez.

Oficialmente, o projeto não foi extinto. Seus líderes mais recentes são o empresário Felipe Belmonte e o jurista Admar Gonzaga, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nos últimos dias, após a polêmica com Costa Neto, parlamentares da oposição que não quiseram se identificar já demonstraram interesse em retomar a ideia de um partido da direita – mas, desta vez, com outros coordenadores. Caso avancem com a ideia, eles poderão ser beneficiados com um projeto de lei que promete facilitar a criação de partidos ao permitir a coleta de assinaturas eletrônicas para a criação de novas legendas. Em dezembro, a proposta passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

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