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A líder comunitária Maria da Graça Silva de Souza, 40 anos, preside a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), em Curitiba, e vive na Vila Sambaqui, no Sítio Cercado. Sua casa fica numa área de ocupação irregular, vizinha de uma padaria comunitária, encravada numa zona de conflito fundiário urbano – a exemplo de 250 outras formações semelhantes existentes na capital. É uma nada mole vida. Por ora desempregada, Maria – que é natural da Bahia – divide-se entre as reuniões com moradores e o exercício político da militância, o que vez ou outra lhe soma umas tantas dores de cabeça.

Há menos de um mês, achou que arrumaria mais uma: foi chamada para uma reunião na prefeitura, a primeira de uma série que pretende incluir os movimentos populares no debate sobre o novo plano diretor da capital – a ser concluído até o início de outubro. O plano é uma exigência do Estatuto da Cidade para municípios com mais de 20 mil habitantes e regiões metropolitanas e funciona como uma espécie de planejamento familiar em proporções gigantescas. Detalhe: a participação de cidadãos como Maria da Graça é uma exigência da legislação, um desejo expresso dos grupos como o UNMP, mas todo mundo jura pela mãe que é encarado pelo poder público com um pepino goela abaixo. "Achei que seríamos rejeitados. Mas não foi o que aconteceu", festeja Maria.

Motivos não faltam. O estatuto não pede só o plano diretor e a participação popular – é uma lista extensa de recomendações que promove uma mudança de mentalidade jamais vista. Nascido depois de 11 anos de um disputado cabo-de-guerra, o documento tem um conteúdo tão explosivo e revolucionário que muita gente treme só de ouvir falar. Afinal, além do povo na administração, a lei reafirma a habitação como um direito de todos. Como não fica só no discurso, implanta conceitos como o IPTU progressivo, o solo criado, o usucapião coletivo (veja quadro), entre outros instrumentos mais ou menos conhecidos que – se saírem do papel – vão mudar o rumo das políticas urbanas num curto espaço de tempo.

Embora aprovado há cinco anos, as expectativas em torno do estatuto ainda estão voltadas para o plano diretor, espécie de tiro de largada. Conforme já foi noticiado pela Gazeta do Povo, muitos municípios fazem serão para entregar o projeto dentro do prazo. E não é de espantar que vários deles estejam botando os pés pelas mãos. A depender do resultado dessa empreitada, vai dar para saber se o Estatuto da Cidade vai ficar bonito ou feio na fotografia.

A reportagem da Gazeta do Povo foi atrás de gente que tem o EC como companheiro de viagem. São advogados, técnicos, arquitetos e populares como Maria da Graça, representante de um dos cinco movimentos populares ligados à habitação na cidade e arrabaldes. Eles representam os 20% de Curitiba e região que moram em ocupações irregulares. Diferentemente de outras épocas, não estão mais relegados à passeata e ao protesto em dia de despejo, mas entram na roda de conversa.

As opiniões divergem e ajudam a formar um diagnóstico sobre um certo anonimato que ainda ronda o Estatuto da Cidade. Para o diretor de Planejamento do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Ricardo Antônio Bindo, uma das fragilidades reside na abrangência do documento. "Criou-se um problema para as grandes cidades. A lei se aplica do mesmo jeito a um município de 20 mil habitantes e a um de 1,5 milhão. Poderia ser mais flexível", considera.

O descompasso entre os grandes, médios, pequenos e as regiões metropolitanas, aliás, é uma constante na legislação. Não é preciso muito cálculo para deduzir que quanto menor um município, mais fácil será fazer consultas públicas. E que quanto maior a aglomeração, maior a necessidade de uma legislação específica, capaz de lhe garantir alguma mobilidade. Nesse sentido, o estatuto fica devendo para as regiões metropolitanas. "As RMs fazem parte do planejamento urbano, mas não são visíveis no estatuto. Temos de encontrar atalhos para a ação integrada", pondera Líria Yuri Nagamine, coordenadora de Planejamento da Coordenação da Região Metropolitana (Comec).

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