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Empresa de Pinhais vendia estruturas blindadas que não protegiam para Lotéricas de todo o país
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Investigação da Delegacia de Armas e Munições (Deam) do Paraná revela que uma empresa de Pinhais vende estruturas blindadas para casas lotéricas que não protegem nem mesmo de armas de menor calibre. De acordo com a Deam, o material já foi distribuído para mais de mil casas lotéricas de todo o Brasil.

A ‘eficácia’ da blindagem foi verificada pela Deam, em um teste informal acompanhado pela reportagem da Tribuna. Os policiais compararam materiais blindados produzidos pela única empresa autorizada no Paraná e o sistema vendido por esta empresa de Pinhais. Foram usadas munições 9 milímetros, 357, ponto 40 e 556 (de fuzis). O material blindado da autorizada suportou os quatro tipos – inclusive dois tiros de fuzil.

Já os vidros que seriam da empresa investigada estilhaçaram em todos os testes. Em um deles, com três tiros de calibre 357 o vidro foi transpassado, o que significa que se alguém estivesse atrás da estrutura, seria atingido. O mesmo aconteceu com as esquadrias (estruturas de aço que fazem parte do sistema): as autorizadas suportaram os tiros, enquanto as consideradas não-blindadas foram danificadas.

Blindagem autorizada

Quem autoriza e fiscaliza o procedimento de blindagem é o Exército Brasileiro. As empresas podem ter a autorização somente para vender ou para comercializar e fabricar os materiais blindados. Para isso, são fornecidas três licenças. O Certificado de Registro (CR) é necessário para a venda. O Título de Registro (TR) e o Relatório Técnico Experimental (Retex) – obtido após os testes dos produtos – são obrigatórios para as empresas que fabricam os materiais blindados. Aquelas que comercializam e fabricam precisam dos três documentos. De acordo com o Exército, a empresa Tracz, alvo da investigação da Deam, está registrada no Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados e é autorizada a realizar as seguintes atividades: utilização Industrial - Blindagem Balística Opaca ou Transparente; Comércio - Blindagem Balística Opaca ou Transparente; Armazenamento (depósito) - Blindagem Balística Opaca ou Transparente; Aquisição (compra) - Blindagem Balística Opaca ou Transparente.

Empresa não podia fabricar blindagem

As investigações da Deam sobre a atuação da empresa registrada como “Felipe Cordeiro Tracz - Móveis” começaram no ano passado. De acordo com o delegado Vinícius Borges Martins, em razão de problemas tributários e dívidas, o proprietário da Tracz Design (nome fantasia) abriu outros dois empreendimentos, no nome da esposa e irmã, a Styllos Comércio Atacadista de Móveis Eireli e a Blindar Comércio Varejista de Móveis Eireli. O dono da Tracz Design, Felipe Tracz, confirma a existência das empresas em nome da irmã e da esposa, mas nega que ambas trabalhem no mesmo segmento.

O delegado afirmou que essas empresas só possuíam dois dos documentos emitidos pelo Exército, que permitiriam a venda de blindagem, mas não a industrialização do material. “Temos inúmeras notas fiscais em que ele vende o produto como sendo nível III-A de blindagem [suporta disparos de armas como a Magnum 357, 9 mm (pistolas e submetralhadoras), espingardas calibre 12 e Magnum ponto 44], que precisaria das três licenças”, explica Vinícius.

As vendas dos produtos eram feitas pela Blindar, enquanto a fabricação ficava com a Styllos. Conforme a investigação, mais de mil clientes compraram a estrutura blindada das empresas de Felipe Tracz em vários estados além do Paraná, como Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.

Para comprovar a autenticidade dos materiais blindados que Felipe Tracz vendia, segundo a Deam, um dos vidros repassados às casas lotéricas era comprado da empresa autorizada e possuía número de série. Os outros, de acordo com o delegado, eram colocados a “bel-prazer”. A polícia ainda não sabe se esses vidros eram comprados de outras empresas ou fabricados pela própria Tracz. “Em muitas oportunidades ele ainda apresentava os documentos da empresa autorizada, porque todo fabricante tem que emitir a nota fiscal e ainda mostrar que o produto é comprovado”, detalha Vinícius.

Material era produzido no presídio

Durante as investigações, os policiais descobriram que os funcionários responsáveis pelos materiais que depois seriam vendidos às casas lotéricas eram os detentos da Colônia Penal Agrícola (CPA), em Piraquara, local onde estava todo o maquinário usado. Isso foi possível porque, segundo o delegado, havia um convênio firmado com o governo estadual, por meio de um contrato de programa de reabilitação, em que os produtos declarados seriam móveis. Na semana passada, uma vistoria do Exército Brasileiro interditou a linha de produção que funcionava no presídio.

Segundo Felipe Tracz, dono da empresa, apenas a montagem era feita por lá. “Eles apenas montavam. Recebíamos a estrutura de ferro já feita e soldavam, juntavam o que era preciso. O equipamento só era considerado blindado quando estava colocado, devidamente montado e finalizado, na lotérica”, argumenta.

Dono de empresa nega irregularidades

Felipe Cordeiro Tracz, o empresário investigado pela Deam, disse à Tribuna que está colaborando com as investigações. Para ele, nenhum dos procedimentos feitos pela empresa enquanto ela esteve ativa foi ilegal. Segundo o empresário, desde abril de 2015 a Tracz não forneceu padronização e nem vendeu blindagem a nenhuma lotérica, apenas trabalhou com serviços como manutenção. O empresário explica que continua com o site da Tracz ativo, pois presta auxílio e dá suporte aos lotéricos clientes. A primeira venda de blindagem para lotérica foi em 2010.

Durante a entrevista, que concedeu acompanhado de um advogado, o empresário mostrou documentos e declarou que não cometeu crime algum. “Nós tínhamos todas as autorizações necessárias. Não tínhamos a documentação para fabricação, mas fabricar nunca foi a nossa intenção”, alega Felipe.

Na opinião do empresário, várias lotéricas – que não foram suas clientes – estão em risco, porque a procedência dos vidros e demais equipamentos instalados seria desconhecida. Ele acusa a Caixa Econômica de ter incentivado a prática ilegal, após o envio de um ofício em que oferecia o benefício financeiro aos donos de lotéricas que fizessem a blindagem e exigia para isso apenas a certificação de uma “empresa de segurança autorizada”, quando essa autorização só pode ser emitida pelo Exército.

No entanto, o próprio ofício enviado pela Caixa aos lotéricos determina que “a empresa contratada para a blindagem deve possuir certificado homologado pelo Ministério da Defesa – Exército Brasileiro – para construção civil”. O banco ressarce parte do custo da blindagem, mas a Caixa explicou que o empresário deve comprovar a blindagem dos guichês como nível III-A. Além disso, devem ser apresentados três documentos comprobatórios, visando atestar a qualidade do serviço: cópia da nota fiscal dos serviços contratados para a blindagem de guichês e/ou instalação de porta de segurança com detector de metais; cópia do certificado de garantia do produto; e o número do Certificado de Registro (CR) junto ao Exército, apresentado pela empresa que faz a blindagem.

Outras empresas

A Tracz, segundo o empresário, comprava os vidros de duas empresas autorizadas a fabricar a blindagem: a Corbon, no Paraná , e a Blindaço, de São Paulo. “São muitas lotéricas em risco, mas não as que fizeram a blindagem conosco, disso eu tenho certeza. Éramos referência no país, não podíamos falhar”. O controle da fabricação dos vidros, mesmo comprados dessas empresas, deveria ser rigoroso por parte da fiscalização. “Estes vidros sempre devem vir com numeração de série e, caso precisássemos cortar alguma parte dos vidros por qualquer motivo, essa informação deveria ser incluída na nota fiscal. A nota era entregue ao lotérico sempre casada: tínhamos as informações da estrutura e do vidro”, afirma o empresário.

A Corbon é a única empresa do Paraná autorizada a fabricar e vender materiais blindados para lotéricas. O proprietário da Corbon, Atsushi Narita, diz que tinha uma parceria com a Tracz. “Apenas o vidro era comprado da nossa empresa, mediante notas. Como ele tinha o documento necessário para comprar, nós vendíamos para ele e ele era o responsável pela montagem”. Narita afirma que não sabia das irregularidades cometidas pela empresa de Pinhais até a investigação vir à tona.

Atualização

Em abril de 2021, a 9.ª Vara Criminal de Curitiba acolheu pedido do Ministério Público do Paraná para arquivamento do referido inquérito, em razão da "inexistência de indícios do cometimento de crimes contra as relações de consumo, dada a autorização de atividade do Exército para a fabricação de PCE, bem como a inexistência de laudo pericial que comprove a efetiva impropriedade ao consumo". Também foi arquivado o procedimento instaurado pela 5.ª Região Militar do Exército Brasileiro, pois "não houve o cometimento de irregularidades constantes das legislações pertinentes aos produtos controlados pelo Exército Brasileiro".

Atualizado em 06/05/2022 às 16:25
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