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Dados do IBGE divergem substancialmente de estimativas de associação que reúne mais de 300 entidades representativas da população LGBT
Dados do IBGE divergem substancialmente de estimativas de associação que reúne mais de 300 entidades representativas da população LGBT| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O IBGE divulgou pela primeira vez números sobre a população LGBT brasileira na última quarta-feira (25). Segundo o levantamento, 2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais se declaram lésbicas, gays ou bissexuais no país, o equivalente a 1,8% da população adulta.

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Os dados, coletados em 2019, revelam que 94,8% da população maior de idade (o equivalente a 150,8 milhões de pessoas) identificam-se como heterossexuais, enquanto 1,2% (ou 1,8 milhão) declaram-se homossexuais; já 0,7% (1,1 milhão) declara-se bissexual.

Os números oficiais divergem substancialmente das estimativas do principal órgão representativo LGBT do Brasil e da América Latina, que reúne mais de 300 entidades de todo o país. Há vários anos, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) projeta número superior a 18 milhões de homossexuais e bissexuais no Brasil – a estimativa atualizada da associação já estima mais de 20 milhões, o equivalente a sete vezes os números oficiais do IBGE.

Como até então não havia dados oficiais sobre o quantitativo da população LGBT do país, os números da ABGLT foram usados como referência por vários anos em debates para a formulação de políticas públicas diversas, projetos de lei e até mesmo em decisões judiciais. A título de exemplo, o Senado Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já replicaram as estimativas da associação em seus sites oficiais.

A ABGLT possui, historicamente, forte trânsito entre os três poderes em Brasília e conta com assento no Fórum Nacional de Educação. Em 2009, ganhou status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas. Em outubro do ano passado, a entidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o uso das palavras “pai” e "mãe” em formulários, registros de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos públicos no Brasil.

ONGs alegam subnotificação

Os números do levantamento do IBGE são semelhantes aos de outros países. Enquanto na Colômbia, por exemplo, 1,2% da população se autodeclara homossexual ou bissexual, no Chile essa proporção chega a 1,8% – o mesmo quantitativo brasileiro. Nos Estados Unidos, a população LGBT é de 2,9%; já no Canadá, 3,3%. Os números estimados pela ABGLT projetam o Brasil a um patamar muito acima da média mundial, com 10% da população se declarando homossexual ou bissexual.

Após a divulgação do levantamento do IBGE, diversas organizações LGBT passaram a questionar os dados alegando subnotificação dos números devido ao preconceito. O próprio IBGE apontou tal possibilidade, entendendo que parte dos consultados pode não ter se sentido à vontade para declarar a própria orientação como não-heterossexual.

No entanto, ao levar ao pé da letra um estudo da startup TODXS Brasil, organização sem fins lucrativos focada na inclusão LGBT, que menciona que apenas 52% da população LGBT do Brasil assume publicamente sua orientação sexual, o total da população homossexual e bissexual seria de 5,6 milhões, pouco mais de um quarto dos números divulgados pela ABGLT.

A reportagem pediu esclarecimentos à associação sobre a metodologia de pesquisa utilizada e os motivos para a disparidade com os números oficiais. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.

Violência contra população LGBT no Brasil

Assim como o levantamento demográfico, que até então não existia, também não há dados oficiais sobre violência especificamente contra a população LGBT do país. Na ausência de dados confiáveis, há anos entidades passaram a especular estimativas, que também são alvo de questionamentos por possíveis imprecisões.

Existe ao menos quatro levantamentos estatísticos sobre a violência contra LGBT no Brasil. O mais tradicional deles é produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) há mais de 40 anos. Produzido anualmente em parceria com a Aliança Nacional LGBTI+, ele é divulgado, principalmente pela imprensa, com grande destaque. O estudo, porém, não passa de um clipping de notícias, interpretadas pelos membros do GGB e transformadas em uma lista.

Em 2019, um grupo de pesquisadores se debruçou sobre a origem dos dados que dão sustentação às conclusões e constatou que apenas 9% (ou 31) dos 347 casos citados no estudo anual referente a 2016 estão relacionados à violência por motivações homofóbicas.

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“Descobrimos que o banco de dados de vítimas da homofobia em 2016 no Brasil do GGB sofre de graves problemas de rigor”, citam os pesquisadores. “Apesar de o relatório se referir ao Brasil, estão incluídos seis casos de mortes no exterior. Há alguns casos duplicados. Em alguns casos descobrimos uma leitura incompleta do relato jornalístico: por exemplo, um casal heterossexual supostamente viciado em drogas foi assassinado por um traficante no Ceará. Aparentemente, o caso foi incluído pelo GGB somente porque a manchete omitiu o sexo da mulher, dando a entender erroneamente que poderia ser um casal gay”, prossegue o texto.

A replicação massiva dos dados do Grupo Gay da Bahia fez com que fossem fixadas narrativas como, por exemplo, a de que o Brasil é o país que mais mata gays, lésbicas e travestis no mundo, ou que a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou comete suicídio no país. Os números imprecisos não foram utilizados apenas por setores da imprensa: órgãos nacionais e internacionais, como a Anistia Internacional e a ONU, acadêmicos e até mesmo ministros do STF já trataram os dados como “oficiais”.

Baseando-se nos números inflados do Grupo Gay da Bahia, um site esportivo norte-americano chegou a alertar turistas estrangeiros a terem cuidado ao virem ao Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, pois “a violência anti-gay está aumentando no Brasil”.

Apesar disso, um estudo independente, da Asher & Lyric, mostra o contrário. A pesquisa, publicada em 2021, que avaliou os índices de segurança em viagens LGBT em 150 países, posicionou o Brasil na 15º posição entre os países mais seguros para viagens por parte desse público, à frente de nações como Alemanha, Nova Zelândia, Finlândia e Estados Unidos e logo atrás de Austrália, Dinamarca e França.

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