Em menos de vinte anos, o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) conseguiu uma proeza: ser a principal porta de entrada ao ensino superior no Brasil e a maior base de dados sobre o nível de nossas escolas. Contudo, se o crescimento vertiginoso, de 157,2 mil inscritos em 1998 até os 7,7 milhões candidatos da edição de 2015, aponta para uma consolidação da proposta, não há como esconder alguns problemas do sistema educacional brasileiro. “Antes de tudo, é urgente discutir políticas públicas abrangentes e não somente os prós e contras do Enem. É preciso estabelecer planos de ação que melhorem a qualidade do ensino médio e reduzam o nosso abismo crônico, que impacta lá na frente, no resultado dos candidatos”, afirma Osvaldo Campos, diretor pedagógico do Dom Bosco.

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Campos se refere, indiretamente, a dois importantes fatores: a supervalorização do ranking das “melhores escolas” e a tomada do processo pelos centros educacionais particulares, forçados à reinvenção após a ascensão do Enem. De uns tempos para cá o exame acabou evidenciando ainda mais a disparidade entre o ensino de alto rendimento e o nível médio das instituições públicas.

A cultura da cobrança para se chegar a universidade

Desde 1999, o Enem é utilizado como modalidade alternativa, de modo integral ou parcial, para seleção a vagas disponibilizadas em instituições de ensino superior

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A partir dos dados fornecidos pelo Enem de 2014, é possível verificar que, na média, estudantes de escolas privadas tem nota 12% melhor que os estudantes de escola pública. No caso dos alunos de escolas federais, eles até se saem melhor do que os alunos de escola privada. Contudo, o porcentual corresponde a apenas 2% de todos os inscritos.

“A prova é isonômica, mas não podemos desconsiderar os aspectos socioeconômicos. O que precisamos é de uma cobrança da sociedade por mais capacitação do ensino público. Quem não lembra da época em que o Colégio Estadual do Paraná era nossa maior referência em educação? É possível e é necessário melhorar na base”, reitera Campos.

A história dos exames de avaliação no Brasil começa em 1990, com a implantação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), direcionada aos diversos níveis do sistema educacional. Em seguida, o MEC criou o Provão. Depois veio o Enem, em 1998. Ele foi concebido para avaliar habilidades e competências dos estudantes, fugindo do esquema de memorização plana.

“No começo, o exame era uma espécie de transferência do RH das empresas para o nível médio. Aos poucos, o modelo foi se aperfeiçoando e se tornando mais inteligente”, alega Ângelo Ricardo de Souza, doutor em Educação e professor da UFPR. “Hoje é evidente que o exame mais contribui do que danifica. Entretanto, sozinho ele não é capaz de evitar os contrastes e a desigualdade inerente no Brasil como um todo”, define.

Do real ao ideal

Em sua tese de doutorado Enem: limites e possibilidades do Exame Nacional de Ensino Médio enquanto indicador de qualidade escolar, o pesquisador Rodrigo Travitsky divide a história do exame em dois momentos: a fase do raciocínio, até 2009, e a fase mais focada em conteúdo, em vigor até hoje. No primeiro modelo, a matriz de referência se resumia a 21 habilidades articuladas com cinco competências gerais, de domínio da norma culta a elaboração de propostas de intervenção na realidade. O modelo era considerado mais orgânico e reflexivo, menos truncado, com questões que atravessavam da matemática à história.

No padrão atual, além da extensão da prova para dois dias, há um privilégio inequívoco ao texto – a redação chega a ter quatro materiais de apoio. Além disso, as questões foram divididas em quatro eixos, deixando o exame maior e reduzindo seu caráter de convergência de conteúdos. Trocando em miúdos, as provas ficaram mais longas e difíceis, embora o potencial de democratização e universalização do ensino esteja mais desenvolvido.

Para o professor Osvaldo Campos, os métodos de avaliação existem desde a antiguidade e não é inteligente demonizá-los. “Se o objetivo é avaliar o ensino, a prova deveria ser dividida em estágios de dificuldade menos extremos, com mais questões fáceis e médias. Mas o foco é o acesso ao ensino superior”, alega. Ele acredita que a forma como é estabelecido o sistema atual de provas deixa de fora os aspectos mais amplos do Brasil. “A prova desconsidera as diferenças culturais e sociais de região para região”, completa.

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