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“Para grande parte da imprensa, o senso de justiça está diretamente relacionado à punição. Quando divulga-se um fato criminoso, parte da mídia clama por ‘justiça’ e, em outras palavras, por punição.” | Marcelo Elias/ Gazeta do Povo
“Para grande parte da imprensa, o senso de justiça está diretamente relacionado à punição. Quando divulga-se um fato criminoso, parte da mídia clama por ‘justiça’ e, em outras palavras, por punição.”| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo

Selecionados

A comissão julgadora do Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho selecionou dez trabalhos para publicação em edição especial da Revista do Instituto dos Advogados do Paraná. São eles:

- Ana Marina Nicolodi Koczicki – Liberdade de Expressão e Direito de Informação do Estado Democrático de Direito;

- Anita Caruso Pchta – Liberdade de Expressão e Dignidade Humana;

- Bianca Botter Zanardi – A Imprensa e A Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito: Análise da concepção de justiça difundida pelos meios de comunicação de massa;

- Heloisa Fernandes Câmara – A Protenção da Liberdade de Expressão na Exceção Constitucional;

- Herminio Back – Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito;

- Kristian Rodrigo Pscheidt – A Liberda de Expressão e a regulamentação da profissão de jornalista analisados em um contexto político, social e jurídico;

- Mariana Rocha Urban – O papel do Estado na formação de uma sociedade livre, culta, crítica e democrática;

- Michelle Ruffatto Neves – Os valores da liberdade de expressão e o ativismo judicial;

- Naira Gomes Guaranho de Senna – Liberdade de expressão: é possível restringir essa pré-condição para a democracia?;

- Nicole Pilagallo da Silva Mäder Gonçalves – Os Desafios do Direito Fundamental à Liberdade de Expressão: potencial, limites e possibilidades do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

Um telefonema alterou a rotina da curitibana Bianca Botter Zanardi, na última terça-feira. Do outro lado da linha, a presidente do Ins­tituto dos Advogados do Paraná (IAP), Rogéria Dotti, informava: Bianca vencera o Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho. Criada pelo IAP em homenagem ao ex-diretor-presidente da Rede Paranaen­se de Co­­municação (RPC), a premiação consagrou a melhor monografia jurídica inédita sobre o tema Liberdade de Expres­são no Estado Demo­crático de Di­­reito. Nesta primeira edição, o tra­­balho vencedor foi o de Bianca, com o título A imprensa e a Liber­da­de de Expressão no Estado De­­mocrático de Direito: Análise da concepção de justiça difundida pelos meios de comunicação de massa. O prêmio, no valor de R$ 50 mil, é considerado recorde pa­­ra concursos do gênero. Formada em Direito pelo UniCuritiba, em Jornalismo pela Universidade Positivo, e pós-graduada em Co­­municação, Cultura e Arte pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Bianca é advogada e coordenadora de edição do jornalismo da TV Bandeirantes, em Curitiba. Confira os principais trechos de entrevista concedida à Gazeta do Povo.Como foi o seu trabalho vencedor?

Defendi que o exercício da liberdade de expressão é essencial para manutenção e fiscalização de uma sociedade calcada em preceitos de justiça social. E esse conceito de justiça social muitas vezes é definido e delineado pela mídia e por sua ampla atuação na esfera pública social. Baseado em casos e histórias noticiadas pela mídia, tentei mostrar que a liberdade de expressão é capaz de conduzir a opinião pública e interferir no judicante.

De que forma ocorre essa interferência?

Por exemplo, em casos emblemáticos de mudanças de leis. Como no caso do crime de tortura: após denúncias, em reportagens do Jornal Nacional, de abuso de poder na Favela Naval, em Diadema, o crime passou a ser tipificado como crime hediondo. Também abordei fatos investigativos, como o caso dos Diários Secretos (série de reportagens da RPC-TV e da Gazeta do Povo), em que a imprensa iniciou as investigações que se transformaram em denúncias e processos de cassação. Além disso, analisei casos como os do menino João Hélio, Isabella Nardoni e Eloá Pimentel, em que a imprensa pressiona o Estado para que ele dê uma resposta satisfatória à sociedade. Muitas vezes, um suspeito é preso sem necessidade para demonstrar que algo está sendo feito para preservar a sociedade. Assim, o Poder Judiciário apenas cumpre a vontade da coletividade, que é intermediada pelos meios de comunicação de massa. Mas a imprensa não apenas exterioriza a opinião pública, como é responsável por construí-la. Assim, os meios de comunicação social são responsáveis também por estabelecer uma linha de justiça adotada pela sociedade. Por sua vez, o conceito de justo difundido pela mídia pode interferir na concepção de justiça praticada pelo Estado.

Como é essa concepção de justo difundida pela mídia?

As pessoas tendem a julgar os outros de acordo com seus próprios padrões e estereótipos, baseados em referências adquiridas durante a vida. E as mediações culturais feitas também pela mídia interferem na manifestação de pensamento individual. Pesquisas demonstram que as pessoas acreditam mais nos meios de comunicação de massa do que no Poder Ju­­diciário. Isso faz com que os indivíduos busquem a realização do seu direito pela imprensa, que intermedeia o acesso ao judicante. A sociedade procura a imprensa para alcançar um direito que deveria ser assegurado pelo Estado. Em uma pesquisa, concluí que para grande parte da imprensa, o senso de justiça está diretamente relacionado à punição. Quando divulga-se um fato criminoso, parte da mídia clama por "justiça" e, em outras palavras, por punição. Alguns programas televisivos, por exemplo, exigem das autoridades que o suspeito, ainda não culpado pelo Poder Judiciário, seja preso imediatamente, sem respeitar os princípios de defesa, garantidos em leis.

O seu trabalho de conclusão de curso de Jornalismo foi so­­bre a interferência dos meios de comunicação de massa nas decisões proferidas pelo Júri Popular. Como foi esse trabalho?

Fiz um estudo de caso em que analisei como a imprensa divulgou um acidente ocorrido em 2002, julgado pelo Tribunal do Júri em 2005. Analisei o processo, as notícias divulgadas pela mídia, acompanhei o julgamento e entrevistei os jurados. Conclui que, em que pese existir claramente a influência da mídia no Judiciário, não podemos quantificar o grau desta interferência. Ao pesquisar o que foi noticiado na época, notei que a imprensa divulgou fatos que não constavam no processo. Mesmo assim, as notícias não influenciaram diretamente na decisão do júri.

Casos recentes de coberturas jornalísticas do Judiciário, sobretudo de investigações e julgamentos tratados como espetáculos midiáticos, levantam a questão: qual é o limite da liberdade de imprensa?

Em alguns casos podemos perceber que a imprensa abusa da sua liberdade informativa e se apropria de funções inerentes a outros órgãos, como é o próprio caso de investigações. Eu acredito que o limite da liberdade de imprensa é a garantia de outros direitos fundamentais tão amplamente defendidos como a liberdade, quais sejam: o direito à honra, à privacidade, à vida.

Qual é sua opinião sobre o fim da exigência do diploma para a profissão de jornalista?

Eu considero muito importante a formação acadêmica para exercer a profissão de jornalista, porém não fundamental. Acredito que muito se aprende nos bancos da faculdade. Mas ética, por exemplo, ao meu ver, depende mais do caráter e formação que cada pessoa recebe da sua família e do meio em que vive. Além disso, acredito que algumas funções no jornalismo, como é o caso dos comentaristas, possam ser desempenhadas por profissionais com formações acadêmicas distintas. Para mim, o mais importante é comunicar, transmitir informação.

E em relação à derrubada da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal, qual é sua opinião?

Eu penso que a liberdade de expressão é pré-requisito para o exercício do Estado Democrático de Direito, como bem defende a Constituição. Mas esse direito constitucional deve também ter suas regras e regulamentações para que não fira outros princípios também amplamente definidos pela nossa Lei Superior. No caso da nossa antiga Lei de Imprensa, penso que é necessário atualizar a norma para que ela se adeque com o atual momento social em que vivemos. É importante existir uma lei própria para regulamentar os meios de comunicação de massa e a liberdade de informação, defendendo o independente exercício da atividade jornalística, sem censura, visando também garantir a existência de um Estado Democrático de Direito.

A liberdade de expressão tem sofrido golpes duros em países latino-americanos, inclusive no Brasil – o jornal Estado de S. Paulo está há mais de um ano está proibido judicialmente de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica, envolvendo o empresário Fernando Sarney. Como você vê o atual momento da liberdade de expressão no Brasil e no mundo?

A censura compromete drasticamente a liberdade de expressão de um povo, e não apenas da imprensa. A questão chave é ter o direito de se expressar, por qualquer meio. Penso que também é importante responsabilizar o indivíduo por suas declarações. Ao meu ver, a imprensa cumpre um papel determinante na expansão de conhecimento e informação. É o canal que conecta a sociedade às notícias de todos os cantos do mundo. Censuras como o caso do Estadão, dos países vizinhos e até mesmo da transmissão do jogo da Copa do Mundo pela Coreia do Norte são golpes brutais no direito à liberdade de expressão e no exercício da democracia. Acredito que a sociedade deve lutar contra as censuras e brigar pela existência de um Estado Democrático, como os brasileiros fizeram há décadas atrás. Penso também que se a imprensa em outro país latino americano é perseguida, temos que ajudá-los a lutar por uma sociedade justa e democrática.

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