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Roseli Vidal cuida dos cinco netos na Vila Torres: escola em tempo integral permite que ela trabalhe tranquila como carrinheira, enquanto as crianças estudam | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Roseli Vidal cuida dos cinco netos na Vila Torres: escola em tempo integral permite que ela trabalhe tranquila como carrinheira, enquanto as crianças estudam| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Aluno aprende no cinema, clube ou museu

Para especialistas, ampliar o número de horas de estudo e garantir um ensino que consiga ampliar o repertório de meninos e meninas é algo que deve ser visto sob o ponto de vista do direito à educação e não do assistencialismo. Além disso, é preciso mu­­­dar o conceito de escola. Ela precisa ser atraente e garantir um conhecimento efetivo.

É uma unanimidade que apenas quatro horas diárias de aprendizagem são insuficientes para se ter uma educação de qualidade. A grande diferença do conceito assistencialista do século passado para o atual é que a aprendizagem pode ocorrer não só no espaço da sala de aula. Assim, quando uma família leva o filho ao cinema, está também contribuindo para a aquisição de conhecimento.

A oficial do programa brasileiro de educação do Unicef, Júlia Ribeiro, lembra que a discussão sobre o ensino integral público atinge cerca de 50 milhões de crianças e adolescentes. "A educação integral é essencial para quebrar o ciclo de pobreza". Para isso, segundo Júlia, não é preciso necessariamente aumentar o tempo na sala de aula, mas sim o de aprendizagem, que pode ocorrer em espaços como clubes, igrejas e mu­­seus.

Política pública

Implantar a educação integral em todo o país ainda é algo distante. Falta investimento e vontade política. O Ministério da Educação criou em 2007 um programa chamado Mais Educação que auxilia municípios interessados em ampliar a jornada escolar. Para 2010 a meta é atender 10 mil escolas, beneficiando 3 milhões de estudantes.

No Paraná há cerca de 300 escolas com educação integral, mas apenas a do Manuel Ribas é somente responsabilidade da Secretaria de Estado da Educação. Há previsão de implantação de mais quatro em diferentes regiões do estado.

Reflexão

Para que a educação integral seja pensada como política pública, é preciso analisar alguns pontos:

Potencialidades

Horas-aula

Passar apenas 4 horas diárias na escola não é suficiente. Mais tempo na escola melhora a aprendizagem.

Espaço físico

As escolas precisam de investimento em infraestrutura, mas é essencial pensar a aprendizagem em outros locais e ocupar o espaço público.

Equidade

A educação ajuda a diminuir as desigualdades sociais e quebra o ciclo de pobreza.

Repertório

Com melhor aprendizagem, há maior conhecimento cultural e técnico. Isso também reduz as desigualdades no mercado de trabalho.

Desafios

Qualidade

A escola não pode ser um "depósito". É preciso reformular o conceito de educação.

Tempo livre

A criança precisa de tempo para brincar e curtir a infância. A política pública deve atentar a isso.

Convivência

Educação integral não significa outorgar as responsabilidades dos pais para a escola. A criança precisa de convivência com a família e não pode perder a referência do lar.

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Na Vila Torres a experiência da educação integral foi uma demanda da própria comunidade. A região abriga um número enorme de carrinheiros, responsáveis pela maior parte da separação do lixo na capital. Mas o trabalho pesado traz consequências para as famílias. Pais e mães precisam passar o dia todo pe­­­ram­­­bulando pela cidade em busca de papel e papelão e as crianças, que ficavam somente um período na escola, não podiam ficar sozinhas à tarde. Além disso, a experiência está garantindo que o direito à educação seja cumprido. Estender o número de horas na escola possibilita que crianças ampliem seu repertório. Além do conteúdo formal, os meninos e meninas da Vila Torres agora têm na grade escolar atividades como dança, música e capo­­ei­ra. O currículo não deixou as disciplinas formais no período da manhã e o "lazer" à tarde. Isso permite que os estudantes percebam o aprendizado em todas as áreas. Eles chegam às 8h e vão embora às 17h, fazendo três refeições diárias. São atendidos 350 crianças e adolescentes do 2.º ao 9.º ano do ensino fundamental.

Para a dona de casa Roseli Vidal, a ida dos netos à escola em período integral é um passaporte para um futuro melhor. Há dois anos a mãe de Fábio, 15 anos, Valéria, 14, Vitália, 13, Fa­­­bia­­­na, 11 e Fabíola, 9, faleceu e a avó precisa sustentá-los com ape­­­nas R$ 800 por mês. "Quero que eles tenham uma vida diferente da minha e possam construir seus sonhos", diz Roseli.

Implementação

O processo de implementação da educação integral no Colégio Estadual Manuel Ribas ainda está em construção. No início, tanto professores quanto alunos estranharam a novidade. Os meninos e meninas achavam que ficariam "encarcerados" durante todo o dia e houve conflitos. Para os docentes, lidar com essas expectativas e desentendimentos também foi difícil. Mas, no final do primeiro semestre de 2010, o saldo é positivo para ambos os lados.

Na última semana, os professores discutiram animados como integrar todas as disciplinas e fazer com que a aprendizagem seja algo constante. "Nossa principal impressão hoje é que é impossível pensar a formação dos alunos em apenas quatro horas. Estamos buscando uma educação emancipadora e para isso é preciso um período maior", conta o vice-diretor Sérgio Luís do Nascimento.

Arlete Baglioli leciona Mate­­mática e relata que foi preciso muito diálogo para criar um bom clima na sala de aula. Al­­­guns alunos chegaram a pedir transferência para outras escolas. "Agora sabemos que não é impossível. Quero muito que esta experiência dê certo", diz a professora que também foi aluna da instituição. A conselheira tutelar Maurina Carvalho da Silva, líder comunitária do local, afirma que o órgão já percebeu os benefícios. "Nossa preocupação era quando os pais levavam as crian­­­ças para buscar material reciclável. Isso já diminuiu."

Desafios

Além da recusa inicial de alguns alunos, o desafio dos professores do Manuel Ribas será manter a escola atraente, principalmente para os jovens do 6.º ao 9.º ano. O colégio ainda sofre com problemas de infraestrutura. Faltam banheiros, salas de aula ambiente, espaços de lazer e um refeitório adequado. Fátima Yokohama, diretora de políticas e programas educacionais da Secretaria de Estado da Edu­­cação (Seed), informou que já foi aberto um processo para construção desses espaços.

Modelos públicos que deram certo

Em todo o país há bons exemplos de políticas públicas que conseguiram implantar com sucesso a educação integral, embora ainda sejam iniciativas isoladas. No Paraná há casos reconhecidos em premiações e trabalhos acadêmicos. Em Paranavaí, Noroeste, o Centro de Atendimento Especial à Criança e ao Adolescente (Cecap) se aliou às escolas do município e desenvolve um trabalho de ensino integral que conseguiu ampliar a nota do Índice de Desenvol­vimento da Educação Básica (Ideb) de 4 para 5,2 em dois anos. No horário alternado da escola, os meninos e meninas têm oficinas de dança, música, educação artística, leitura, contação de histórias e participam de atividades culturais.

Em Porecatu, município do Norte do estado, com 15 mil habitantes, as crianças e adolescentes ficam em tempo integral na escola desde 2005. Além de melhorar a nota do Ideb, passando de 3,2 para 5,1, o ensino ajudou a diminuir a evasão escolar causada pela cultura canavieira. A professora da Universidade Federal do Paraná Verônica Bran­­co, que acompanhou a implementação da iniciativa, explica que o segredo foi aplicar bem o valor destinado ao setor. Processo semelhante também ocorreu em Apucarana.

Em Belo Horizonte (MG) a prefeitura trabalha desde 2006 com o conceito de bairro-escola. Isso significa que os alunos têm aulas em diversos espaços da cidade.

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