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Percia ganhou desconto para manter os dois filhos na escola. Sem o benefício, teria de cortar atividades de lazer da família | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Percia ganhou desconto para manter os dois filhos na escola. Sem o benefício, teria de cortar atividades de lazer da família| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

"Escola não é comércio"

O professor Angelo Ricardo de Souza acredita que a criação do cadastro mostra que há uma compreensão incorreta sobre as instituições de ensino. Para ele, a escola particular não é uma empresa que vende produtos de bens de consumo, pelo contrário, oferta um serviço – no caso a educação – que é antes de tudo um direito do cidadão, garantido pela Constituição. "Como um aluno de 8 anos pode ser colocado em uma situação vexatória como esta?", questiona. Ele lembra que o problema está no estado, que não tem cumprido o seu papel, por isso "terceiriza" o direito de acesso à educação, mas esquece de monitorar. "As escolas particulares querem que nós, cidadãos comuns, deixemos abertas as nossas contas. Mas por que elas não mostram as suas, os lucros desses colégios particulares? Muitos pais lutam para ter acesso ao custo real do ensino e saber o porquê do aumento das mensalidades", diz. Souza lembra ainda que é importante ter um estudo mais profundo sobre os resultados da educação de uma escola particular. "Não é apenas avaliar o conhecimento final. E o capital cultural familiar que está por trás disso? Não conta? Arrisco dizer que metade dos resultados deve-se à cultura da própria família."

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Um novo controle de inadimplência das escolas particulares e universidades pretende barrar matrículas de alunos que estão em débito com alguma instituição de ensino. O sistema é semelhante ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), que lista quem tem dívidas no comércio. O Cadastro de Informações dos Estudantes Brasileiros (Cineb), como foi chamado, começou a funcionar ontem em todo o Brasil, mas, até o momento, sem a participação das instituições do Paraná. Órgãos de defesa do consumidor questionam a legalidade da medida.

A iniciativa é da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) e de uma empresa especializada em informações de crédito, a Check Check. Por meio de uma consulta on-line, as escolas poderão obter informações financeiras dos pais ou responsáveis pela matrícula escolar. O acesso aos dados é sigiloso e será feito mediante o pagamento de uma mensalidade. Serão considerados inadimplentes, quem estiver há mais de 90 dias em débito – uma correspondência será enviada aos pais avisando sobre o resgistro do nome no cadastro. Os dados também poderão ser acessados pelo comércio. Até agora, 700 escolas do Brasil aderiram ao cadastro. A reportagem consultou seis escolas do Paraná: quatro não se manifestaram sobre o assunto, porque ainda não têm uma posição oficial, e duas disseram ser contra o cadastro.

O Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe-PR) recomendou aos colégios que usem o sistema, como forma de se proteger da inadimplência. De acordo com o presidente do Sinepe, José Manuel de Macedo Caron Júnior, a ferramenta será um serviço extra, porque já é de praxe as escolas do Paraná usarem de outras consultas e listas de "mau pagadores". "A diferença é que essa relação contém dados sobre débitos especificamente no sistema de ensino", diz. "Por enquanto, não houve adesão das escolas do estado porque tivemos conhecimento desse cadastro apenas na última segunda-feira", afirma Caron. Segundo a Confenen, a inadimplência nas escolas chega a 15% e a falta de pagamento pode prejudicar a qualidade da educação.

A diretora do Colégio Novo Ateneu, Vera Izabel Julião, informa que a instituição não aderiu porque considera a prática inadequada. "Não podemos impedir o acesso de uma criança ao estudo por inadimplência dos pais", diz. Vera explica que outras formas de consultas, menos ofensivas, já são adotadas pelas escolas. "Se as outras instituições nos pedem, fornecemos informações dos antigos alunos sobre pendências financeiras."

A diretora da Escola Terra Firme, Maria Augusta Brofnan, explica que é possível prever o índice de inadimplência durante o planejamento anual, até porque ele não costuma variar muito de um ano para o outro. "É algo razoável, que não está fora do mercado", comenta. A diretora afirma que nunca aderiu ao cadastro dos maus pagadores porque não é a filosofia da escola. "Há lugares em que os alunos não pegam boletim e não entram no colégio caso as mensalidades estejam atrasadas. Aqui não existe isso. É uma situação que deve ser negociada com os pais. Os alunos devem ficar de fora."

O presidente do Sinepe lembra que o maior problema está nos pais que matriculam a criança e deixam de pagar todas as outras mensalidades. "Após a matrícula, a escola não pode aplicar nenhuma sanção aos inadimplentes. Somente na hora da rematrícula tem o direito de recusar o aluno." Com base nessa norma, Caron explica que há pais que mudam o filho de escola todos os anos, deixando dívidas em todas as instituições por que passam.

Legalidade

O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, deve divulgar uma nota técnica nos próximos dias analisando se a criação do cadastro é constitucional. Caso o DPDC se posicione contrário ao uso do cadastro, o site poderá ser retirado do ar. A Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa ao Consumidor (Procon) do Paraná, bem como de outros estados, considera que o sistema fere os direitos do consumidor, segundo informou Ivanira Gavião Pinheiro, coordenadora do Procon-PR. "É uma prática abusiva. A educação é um direito social e não pode ser tratada como bem comercial comum, como uma geladeira, por exemplo." Quem se sentir lesado e constrangido tem o direito de apelar para uma medida judicial contra o estabelecimento de ensino. Outra orientação aos pais é que procurem escolas cujas mensalidades caibam no orçamento familiar.

Incentivo para o pagamento em dia

Ao invés de consultar cadastros de inadimplentes, muitas escolas preferem aderir a medidas que incentivam o pagamento das mensalidades em dia e, assim, evitam o constrangimento dos pais e da família. Na Escola Terra Firme, foi criado o requerimento para que os pais possam pleitear descontos. Por meio da ficha, os pais declaram quanto é a renda familiar e o gasto mensal, assim a escola pode ter critérios para dar o desconto apenas para quem realmente precisa, dentro dos limites orçamentários da instituição. Percia Cicarelli, mãe de duas crianças matriculadas na escola, aprovou a medida. "Ter dois filhos pesa no orçamento. Recebi o desconto por meio de um critério bem interessante", diz. Ela lembra que sem o desconto outras atividades, até mesmo de lazer, teriam de ficar de fora do orçamento.

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