Cauê começou a anunciar em jornais aos 15 anos, usando emprestado o CPF de um amigo. Também anuncia em site especializado| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo
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Serviço

O projeto que deu origem a esta reportagem, iniciada no domingo e que segue até quinta-feira, foi vencedor da Categoria Temática Especial do 6º Concurso Tim Lopes de Jornalismo investigativo, realizado pela Andi e Childhood Brasil (Instituto WCF), com apoio do Unicef, da OIT, Fenaj e Abraji.

Leonardo recém-contava 13 anos e acreditava ter apenas dois caminhos para escapar da miséria. Amigos falavam de um mundo de possibilidades, abrindo os olhos para o sem-fim de coisas belas e sedutoras às quais nunca tivera acesso. Notou, por comparação, que não fora beneficiado com a melhor das vidas. Apresentaram-lhe então os escapes às privações. Poderia ser avião do narcotráfico, e submeter-se a todos os riscos inerentes à atividade, ou viver o glamour das noites de Fortaleza, fazendo a vez de acompanhante de turistas estrangeiros. Nesses termos foram postas as possibilidades.

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Não foi difícil pesar as coisas, e a madrugada passou a encontrá-lo vagando pela orla da Praia de Iracema. Leonardo virou personagem de um fenômeno ainda invisível na orla de cidades com papel central nos destinos turísticos brasileiros vinculados à diversidade cultural e à beleza cênica de suas paisagens naturais. Vê-lo com um homem mais velho não causa às pessoas a mesma estranheza do que se no lugar dele estivesse uma menina de igual idade. Assim, a presença dos michês em Fortaleza, e de resto em outras cidades litorâneas, passa indiferente aos olhos leigos que os veem.

Uma ironia para a cidade cuja publicidade se reporta a ela como mulher, num derradeiro recurso para fomentar o turismo pela sedução. Não faz muito, folhetos promocionais ainda evocavam o imaginário da "loira desposada do sol", batismo dado no século 19 pelo poeta Francisco de Paula Ney. O ethos feminino de Fortaleza varou séculos e ajudou a forjar sua imagem pela propaganda turística, não sem algum efeito colateral. O turismo sexual nunca esteve tão forte em Fortaleza, avalia a socióloga Glória Diógenes. A afirmação não parte de algum achismo.

O turismo sexual se mimetizou, tomou os hábitos, o colorido e a estrutura do turismo convencional, atesta a autora do livro Os sete sentimentos capitais: exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Essa mimetização se retrata também no florescer desse fenômeno dos michês. Eles são muitos, pelo menos 150, na contagem de Cauê, outro garoto de programa que começou na atividade aos 14 anos por motivos idênticos aos de Leonardo. Não entra nessa conta – salienta Cauê – os travestis adultos e adolescentes.

Em Natal

Os michês começam a ganhar visibilidade também em Natal, devido à grande procura de seus serviços pelos turistas estrangeiros. A conselheira tutelar Thaysa Rodrigues de Oliveira tem notado um número crescente de casos envolvendo meninos na exploração sexual, sobretudo na orla. Foram cinco denúncias do gênero pelo Disque 100 só neste ano: dois meninos de 13 anos, dois de 14 e um de 15. Um bar perto da Orla de Ponta Negra, que pertence a um francês, faz o agenciamento dos garotos. Eles estão presentes ainda em outro em bar, de um brasileiro.

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Menino gasta R$ 600 por mês em publicidade

Cauê, 18 anos, sonha em chegar à velhice com a conta cheia de dinheiro. Como? "Com bastante sexo", afirma no único momento de descontração em uma hora de entrevista. Profissional do sexo desde os 14, concluiu por experiência própria que muitos turistas vêm a Fortaleza mais em busca de sexo do que de praia. Entre os clientes predominam franceses, italianos e espanhóis. A maioria acima da meia idade. Chegam até ele em abordagens no calçadão à beira-mar ou por meio de anúncios em jornal e na internet.

Cauê começou a oferecer seus serviços em peças publicitárias aos 15 anos, com o CPF emprestado de um amigo adulto. Atualmente, gasta R$ 40 a cada três dias em anúncios em um grande jornal do Nordeste, somando R$ 400 por mês, e paga mensalidade de R$ 200 num site especializado. Desde os 14, já foi a várias orgias em casas e apartamentos alugados por turistas para essa finalidade em Fortaleza. São dias de muita bebida, droga e sexo. Vários turistas e garotos e garotas de programa compartilham o mesmo ambiente. A última festa foi há dois meses.

A pouca idade nunca foi restrição para que acompanhasse turistas em hotéis. Entrou em dezenas deles. Foi barrado uma única vez. Às vezes, Cauê leva turistas ao apartamento que divide com um amigo no Centro de Fortaleza. É uma forma de agradar ao cliente porque a concorrência é grande. Há pelo menos 150 michês em Fortaleza, fora os travestis. O movimento de turistas é maior na alta estação, em julho, dezembro e janeiro. Costumam ficar sentados em grupos de até três michês à beira-mar, à espera de clientes.

"Quem entra nessa vida nunca sai. Um dia você vai dizer que vai sair. Arranja trabalho de babá ou assalariado, mas um dia vai ver seu filho com fome dentro de casa, porque não vai dar dinheiro nem pra comer. Então você vai sair pra rua. Por isso, nunca a pessoa deixa de fazer", analisa. Cauê sustenta sua tese na própria vivência e no que vê nas ruas. Conhece um michê de 39 anos e outro de 55, que começou no ofício aos 14. Nenhum deles, no entanto, conseguiu a vida estável com que sonha Cauê. * Os nomes são fictícios.

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Vida e Cidadania | 11:43

Cauê é profissional do sexo desde os 14 anos em Fortaleza. Nesta entrevista, ele conta como é abordado pelos turistas estrangeiros e sobre as orgias que eles fazem com adolescentes em casas e apartamentos alugados por temporada.

VIDA E CIDADANIA| 10:47

Leonardo faz programas sexuais com turistas estrangeiros desde os 13 anos. Já chegou a ficar uma semana trancado num motel de Fortaleza com um turista. Ficou doente a ponto de ficar internado de tanto cheirar cocaína.

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