Vera Masagão, da ONG Ação Educativa: rede de computadores representa um dos enigmas da leitura| Foto: Divulgação

Desde 2001, quando foi realizada a primeira edição do Índice de Alfabetismo Funcional, o Inaf, falar de leitura no Brasil exige passar pelo nome da educadora Vera Masagão Ribeiro. Para muito além dos levantamentos voltados para o mercado das letras e para o consumo, o trabalho coordenado pela equipe de Vera responde perguntas tão básicas quanto dolorosas – por exemplo: como o brasileiro e o quanto entende sobre o que passa debaixo de seus olhos.

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Foi assim que popularizou termos como "analfabetismo funcional" e "alfabetizados funcionais" e chacoalhou setores da educação, chamando às falas os profissionais da leitura. A edição de 2011 do Inaf não foi menos provocativa – apontou que há uma parcela de mais de 20% dos brasileiros com curso superior que não são plenamente alfabetizados.

Confira trecho da entrevista de Vera Masagão com a Gazeta do Povo.

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A população que foi pouco à escola pode se tornar leitora?O que percebemos com o Indicador de Alfabetismo Funcional, o Inaf, é que quanto maior a escolaridade, maior a capacidade de leitura. A escola ainda é a grande instituição promotora de informação e de leitores. Mas se percebe também, em alguns casos, o surgimento de outros nichos de formação de leitores. Esses nichos cumprem o papel de introduzir à leitura. Há casos, inclusive, que aparecem em estudos qualitativos. Uma pessoa que não tenha passado muito tempo na escola, mas que vive num ambiente letrado, pode se tornar leitora. Certa vez, durante uma pesquisa, conhecemos um fotógrafo que tinha a quarta série, mas que trabalhava numa editora. O convívio num ambiente mais intelectualizado fez com se socializasse e se encontrasse com a leitura. Isso mostra que se tornar ou não leitor não se limita apenas a uma relação com o texto, mas à convivência com pessoas que falam sobre texto...

Às vezes, o destino de um leitor é uma questão simples como essa – estar próximo ou não de outros leitores e do livro...Há muitos casos em que a expectativa de quem vai ou não vai se tornar leitor foge ao que se espera – ou seja, foge a estar ou não na escola por mais tempo ao longo da vida. Alguém pode ter tido um mestre ignorante, mas esse mestre, quem sabe o pai, transmitiu para o filho o interesse pelo livro, valorizou a leitura, mesmo sem dominá-la. O mesmo se pode dizer de uma mãe analfabeta, mas que encontra lugar em casa para o filho sentar e fazer a lição. Uma mãe que olha os cadernos para ver se está bonito, mesmo que não consiga ler o que está escrito.

A senhora diria que é urgente desenvolver programas de leitura para grupos que não vão voltar para escola, mas que podem se tornar leitores?Acho importante, sim. Mas penso que a questão é menos focar na leitura de livros, no "tornar-se leitor", e mais na oportunidade de que as pessoas passem a participar de comunidades em que a leitura e a escrita vão aparecer como prática. Explico. A inclusão digital é uma fonte forte de despertar para a leitura. Se faço um programa para adultos, dizendo "venha ser leitor", "venha para a leitura", não haverá respostas. Mas se for promovida a inclusão digital, dizendo "venham aprender a mexer no computador", "venham fazer contação de histórias", as chances são maiores. O adulto se deixa tocar pelo lado artístico e pelo lado prático. E é preciso procurar condições favoráveis para que pessoas que carregam dificuldade em ler e escrever se desinibam. Sabe por quê? As pessoas com dificuldades de leitura se acomodam, se acostumam a pedir ajuda a alguém que sabe ler. Começam a achar que podem ficar assim para sempre. É preciso colocá-las numa situação em que sintam demanda por aperfeiçoamento e na qual façam uso das próprias habilidades.

O país é muito lento em promover programas de leitura que não sejam os da escola?Pensar no público que está fora da escola – e que pode ainda se tornar leitor – é uma proposta interessante. É necessário pensar a educação ao longo da vida, mantendo nas pessoas o interesse de aprender, mesmo fora do nível. É um desafio grande...

Iniciativas curiosas não faltam. É comum ouvir falar de livrarias em peixarias, padarias... Ações assim têm poder o bastante?As oportunidades de inserção no mundo da leitura estão de fato crescendo no Brasil. A inserção, contudo, vem acompanhada de outras formas que não apenas as tradicionais, como as bibliotecas ou as escolas. O país mudou. Basta pensar nas novas práticas de consumo da Classe C. É um grupo interessado em educação. Quer fazer faculdade. Esse quadro indica que o impasse da leitura se tornou bem maior do que se imaginava. Sem dúvida, estamos num momento interessante. Há muito a investigar.

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O que ainda não sabemos o bastante sobre a leitura dos menos escolarizados?O grande desafio é investigar a entrada dos leitores na cultura digital. Acho que precisamos entender a relação das pessoas com os novos suportes.

E a escola – avança ou lhe parece estagnada nas práticas de leitura?De forma geral, a escola ainda faz um trabalho pobre. Poderia ser mais rico, mais inteligente. A leitura sofre um uso muito repetitivo, de cópia, de mecanização. Leitura é para conhecer, para pensar, para planejar. O avanço é que de fato a escola se assume como a grande agência alfabetizadora, formadora de leitores. A tendência é que assuma esse papel cada vez com mais responsabilidade, interagindo mais com os outros espaços.

O que diria sobre o Índice Nacional de 2011? Avançamos?O último Inaf mostrou é que temos mais gente melhorou, saindo do nível mais rudimentar de leitura. Mais gente chegou ao alfabetismo básico, mostrando-se capaz de localizar uma informação. Chama atenção nesta edição o número de pessoas que chegaram a um nível pleno de alfabetismo, 25%. Foi o maior avanço em dez anos.... Muito se falou dos níveis baixos de alfabetização entre os brasileiros com curso superior e com ensino médio. É um desempenho que resulta da popularização desses dois níveis de ensino. O ganho concreto do ensino médio, por exemplo, é menor hoje do que era há dez anos.

Um dos itens do Inaf aponta se as pessoas menos escolarizadas têm livros em casa – o que pode indicar afeto e respeito pela leitura. A senhora considera um dado revelador? No Inaf de 2001 ficou demonstrado que os brasileiros, em geral, tinham pouquíssimos livros em casa. A escassez de obras não incluía apenas os chamados sem escola, mas a maioria das pessoas. Hoje, não saberíamos dizer o que seriam poucos livros. O suporte livro é um entre tantos outros. Os suportes são tão variados, são eletrônicos. Ficou difícil entender o significado de ter 50, 100 ou 200 livros em casa. Eu diria que o livro na estante é mais uma questão simbólica do que uma questão de afeto. Tem muita gente com livro apenas para enfeitar...