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João Dantas, em terreiro de café: ele mudou para a cidade em tempo de ver o grande movimento provocado pela produção cafeeira e hoje fala com saudades daquele tempo | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
João Dantas, em terreiro de café: ele mudou para a cidade em tempo de ver o grande movimento provocado pela produção cafeeira e hoje fala com saudades daquele tempo| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Artigo

Do auge ao êxodo

A ocupação capitalista e efetiva da região Noro­­este foi um marco econômico e demográfico para o Paraná como um todo. A história da região, quase sempre relacionada à cafeicultura, esteve ancorada na produção agrícola pautada por predomínio de pequenos estabelecimentos agropecuários e uso intensivo de mão de obra (suprida pela família e agregados). Podemos considerar este modo de produzir co­­mo um capítulo da história da cafeicultura no Brasil, que perpassou diferentes formações socioespaciais. A possibilidade de produzir café no Paraná foi utilizada como atrativo por parte do governo estadual e pelas companhias colonizadoras.

Foram várias as companhias que atuaram no setor imobiliário no Norte do Paraná, criando localidades como parte do processo. A primeira e mais conhecida foi a Companhia Melhora­­mentos Norte do Paraná. Essa empresa concebeu um planejamento para a região que não consistia apenas em criar localidades isoladas, mas que envolvia a formação de uma rede urbana, na qual estavam claros os papéis para os diferentes núcleos urbanos. A maioria deles deveria atender às necessidades básicas da densa população que vivia no campo.

Tão rápido quanto a sua formação e ritmo inicial de crescimento demográfico foi o processo de transformação ocorrido na região. Fatores conjunturais que já vinham se apresentando em relação à cafeicultura associaram-se a fatores circunstanciais regionais (necessidade de renovação dos cafezais e principalmente as geadas), o que promoveu a erradicação desta cultura. A região passou por várias mudanças econômicas com a substituição de culturas, a modernização da agricultura e a concentração fundiária (em números absolutos, mais de 100 mil estabelecimentos com até dez hectares desapareceram e mais de 30 mil de dez a cem hectares). A pequena produção que encontrava espaço no período anterior não mais se adequava ao novo contexto. Mais do que uma crise da cafeicultura, foi uma crise do arranjo produtivo tal como ele se encontrava no Noroeste do Paraná, baseado em pequenas propriedades.

Assim, devido à falta de oportunidades para donos de pequenos estabelecimentos agropecuários e para trabalhadores agrícolas de forma geral, ocorreu um grande êxodo não apenas do campo, mas regional. Muitos municípios apresentam declínio populacional por várias décadas. Ainda que isso se revele quanto à população total do município, esse processo afetou a vida econômica dos pequenos núcleos urbanos, cujo papel era atender à densa população, desde então significativamente diminuída.

* Ângela Maria Endlich - Professora doutora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). É autora do livro ‘Pensando os papéis e significados das pequenas cidades’ (Editora Unesp)

  • Casa cheia: os 1,3 mil lugares do Cine Nova Esperança lotavam nas sessões de domingo
  • Edemar Del Grossi conserva os rolos de filme

Nova Esperança - Passado e presente parecem caminhar lado a lado em Nova Esperança, no Noroeste do Paraná. Apesar das ruas centrais movimentadas, das construções modernas e da diversidade de estabelecimentos comerciais, a cidade com cerca de 26 mil habitantes mantém um certo saudosismo no ar. Entre moradores mais antigos, são comuns as recordações das décadas de 1960 e 70, ápice da produção de café no estado, quando o município teve uma economia das mais pujantes e foi cotado para ser um dos polos de desenvolvimento da região.

Há quem diga que nessa época Nova Esperança chegou a ter uma das maiores arrecadações per capita de todo o território nacional. Se não há registros oficiais, um indicativo dessa riqueza é a existência de um aeroporto na cidade, que recebia e de onde partiam aeronaves de agricultores. Até mesmo linhas aéreas regulares chegaram a operar no local. Hoje, os próprios moradores têm dificuldade em indicar onde ficava a pista, tomada por áreas de pasto e plantio.

A história de Nova Esperança ilustra o processo de formação da região Noroeste, onde dezenas de cidades se desenvolveram a partir da economia cafeeira. Sua colonização teve início no final da década de 40, quando pessoas de diferentes regiões do país chegaram ao povoado a fim de iniciar uma nova vida. Elevado à categoria de município em 1951, abrigou nos anos seguintes grandes produtores de café, que trouxeram riqueza à cidade e a transformaram em um agitado centro urbano.

"Isso aqui era um movimento tremendo, gente que chegava com montes de dinheiro e distribuía pelo comércio. Hoje a cidade até que tem se desenvolvido, mas nada que se compare à época do café", relembra, na principal praça de Nova Esperança, João Dantas de Freitas. Proprietário de um comércio no distrito de Barão de Lucena, na zona rural, ele conta que chegou à cidade vindo do interior paulista em meados da década de 70. Desem­­barcou a tempo de presenciar os últimos anos de glória da produção cafeeira, que a partir de 1975 entrou em declínio por causa das fortes geadas.

É em "Barão", como chamam seus moradores, que João Dan­­tas mostra os poucos resquícios ainda preservados daquele período. Em um passeio pela localidade, aponta as fazendas que, de acordo com ele, estavam entre as maiores produtoras de café da região. Hoje, a maioria dessas terras deu lugar ao pasto para criação de animais. "Quando acabou o café muita gente que morava aqui foi embora. Essa região tinha várias casas, mas foram todas derrubadas", relata.

Entre os que permaneceram na região, a solução encontrada foi partir para outras atividades. João Soares foi produtor de café por muitos anos, mas hoje o que resta em sua propriedade são apenas alguns pés e o terreiro onde o produto era secado. "O café não volta mais. Quem plantava está velho demais e os filhos já seguiram para outros ramos", avalia o produtor, que, a exemplo da maioria dos antigos cafeicultores, também destina grande parte de sua propriedade para o pasto.

Município diversificou atividades

Diferentemente de outros mu­­nicípios da região Noroeste, que viram suas economias entrarem em declínio após a derrocada da cultura do café, Nova Esperança conseguiu manter um ritmo de desenvolvimento. Um dos responsáveis por essa recuperação foi a cultura do bicho-da-seda, intensificada na década de 80. Apesar de a sericicultura também já não ter o mesmo espaço daquele período, a cidade ainda preserva o título de Capital Nacional da Seda.

Outra iniciativa dos agricultores de Nova Esperança foi diversificar a produção agrícola, apostando em culturas como as de laranja, uva e mandioca. Mais recentemente, a cidade reforçou o processo de industrialização com a destinação dos barracões que armazenavam café para novos empreendimentos. Dessa forma o município conseguiu reverter o êxodo populacional, vendo o número de habitantes passar de 23,9 mil em 1980 para 26,6 mil em 2010.

Em muitas cidades da região é comum ouvir relatos sobre a decadência enfrentada após o declínio da produção cafeeira. A poucos quilômetros de Nova Esperança está Atalaia, que, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem 3,9 mil habitantes. "Na época do café a cidade chegou a ter 15 mil habitantes. Hoje não há muitas perspectivas para quem vive aqui", aponta o cartorário José Roberto Roveri, nascido e criado no mu­­nicípio. A economia local ainda é fundamentada na agropecuária, mas com resultados bem inferiores aos do café.

Cinema marcou uma época

Uma parte do passado de glória de Nova Esperança permanece preservada no centro da cidade. Até 25 anos atrás, a imponente construção onde hoje funciona uma loja de ferragens recebia grandes plateias em busca de diversão. Era o Cine Nova Esperança, uma sala de cinema com 1,3 mil lugares, todos ocupados em muitas tardes de domingo.

Na rua atrás do antigo cinema ainda reside e trabalha Edemar Del Grossi, filho do empresário que inaugurou a sala em 1956. Já falecido, Santo Del Grossi comandava com os irmãos uma rede de cinemas com atuação em vários municípios da região Noroeste, como Paranavaí, Astorga e Colorado. "No auge do café nossa família comprou várias propriedades apenas com o dinheiro do cinema. Era um lucro fabuloso", conta Edemar, atualmente proprietário de um jornal na cidade.

Trabalhando como exibidor, porteiro, varredor e bilheteiro, ele acompanhou a intensa movimentação da época. Aos domingos eram quatro sessões, sempre com casa cheia. "A fila do­­brava a quadra. Depois da geada, o café entrou em declínio e muita gente saiu da cidade. Para nós foi ruim também, pois caiu o público e as pessoas perderam o costume de ir ao cinema." Com isso, o prédio foi vendido à Prefeitura na década de 80 e, posteriormente, renegociado com uma rede de lojas.

Edemar ainda guarda lembranças materiais do antigo cinema. Entre os rolos de filme ainda preservados estão A Paixão de Cristo, um dos maiores sucessos de público da época, e cinejornais. Já o projetor que exibia os filmes está em um centro cultural, no município vizinho de Floraí.

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