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Buraco na Rua André de Barros: 250 pedidos de tapa-buracos desde maio. | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Buraco na Rua André de Barros: 250 pedidos de tapa-buracos desde maio.| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Responsabilização

Entre a teoria e a prática

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma série de direitos ao cidadão e de deveres ao Estado que, em tese, permitiriam uma infinidade de ações por parte da população. Um exemplo é o direito à segurança: segundo a Constituição, a segurança pública é um dever do Estado. Logo, o estado seria responsável por quaisquer danos causados pela falta de segurança. Entretanto, uma ação desse tipo dificilmente prosperaria em um tribunal.

Segundo o professor da UFPR Egon Bockmann, para que o estado seja responsabilizado por omissão, é necessário que haja uma regulamentação específica sobre o que, exatamente, ele deveria fazer. Um exemplo seria o fornecimento de remédios: há uma listagem de medicamentos que devem ser fornecidos gratuitamente para a população. Uma dessas substâncias é para o tratamento de picadas de aranha marrom. Se um cidadão é picado pelo animal e sofre em decorrência do acidente, cabe uma indenização. Se não houvesse especificação de que esse remédio deveria ser fornecido gratuitamente, seria pouco provável o ganho de causa.

Além disso, é necessário que haja um nexo causal bastante claro, ou seja, é preciso comprovar que a omissão do estado resultou diretamente no dano. Por exemplo: no caso da senhora que torceu o tornozelo em uma via pública mal conservada, o dano só ocorreu porque o estado deixou de cumprir com sua obrigação de cuidar da calçada.

Entretanto, em outros casos, como o do joalheiro que teve sua loja roubada por fugitivos de uma cadeia, a Justiça entendeu que esse nexo causal não estava claro o suficiente. A linha entre o que vale ou não é tênue, e depende muito da interpretação do julgador. "Entre as previsões legais e os fatos, há um oceano de hipóteses", frisa Bockmann.

Já o professor de Direito Administrativo Romeu Bacellar pontua que é necessário considerar, também, o princípio da razoabilidade. Para ele, existe um limite para a ação do Estado, já que ele não tem condições de se responsabilizar por absolutamente tudo que é previsto como seu dever. "O Estado só pode atender o que é possível. Eu não posso exigir, por exemplo, que meu carro não seja roubado", afirma.

  • Falha na calçada da Rua Ermelino de Leão, no centro da capital: acidentes causados pela má conservação de vias públicas podem render indenização às vítimas

Uma decisão recente mostrou que o cidadão pode acionar a Justiça quando o Estado deixa de cumprir com suas obrigações e causa danos, mesmo que não haja culpa ou dolo. No último dia 31, a 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiu que a idosa Madalena Luiz da Costa Viana deve ser indenizada pela prefeitura de Curitiba em função de um acidente ocorrido numa via pública. Ela sofreu uma torção no tornozelo quando tropeçou em um dos inúmeros buracos espalhados pelas ruas da capital. Como o Estado tem o dever de conservar as vias públicas, o tribunal decidiu que a prefeitura deveria arcar com os custos da lesão, estipulados em R$ 3 mil.

A responsabilização vale também para outras obrigações do poder público, como o fornecimento de determinados medicamentos. De acordo com o professor de Direito Administrativo Romeu Bacellar, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Estado tem responsabilidade objetiva sobre qualquer dano causado a um cidadão por conta de sua ação ou omissão. Logo, é possível acioná-lo mesmo quando não há culpa ou dolo, basta que haja um nexo causal entre o dano proporcionado e o poder público. A situação é diferente quando estão envolvidas pessoas de direito privado: nesse caso, para conseguir uma indenização, é necessário que haja culpa ou dolo do réu.

O professor de Direito Cons­titucional da UFPR Egon Bock­mann, no entanto, ressalta que a interpretação não chega a ser ponto pacífico dentro do direito. Ele cita como exemplo uma ação do fim dos anos 80, quando um grupo de detentos escapou de uma cadeia e, alguns meses depois, assaltou uma joalheria em Curitiba. O proprietário da loja entrou com uma ação contra o Estado, pelo descumprimento do dever de tutela sobre os presidiários. O joalheiro ganhou a causa em primeira e segunda instâncias, mas perdeu a ação no Supremo Tribunal Federal (STF), que não enxergou um vínculo direto entre causa e efeito nesse caso.

Crescimento

Segundo Bacellar, o número de ações desse tipo tem crescido no Brasil. "O brasileiro está começando a exercer sua cidadania plena agora", afirma. Em outros países, como nos Estados Unidos, o procedimento é muito comum. "A justiça americana é dura e rápida nesses casos, pois eles têm um caráter pedagógico. Quanto mais o Estado é acionado, melhor será o cumprimento dos seus deveres", avalia.

Bockmann afirma, porém, que a reparação dos danos pode demorar anos, o que desestimula os cidadãos a acionarem a Justiça. Após a tramitação em todas as instâncias, dependendo do tamanho da indenização, o cidadão ainda pode ficar na fila do pagamento de precatórios. "São dois danos. O primeiro é aquele a que ele foi exposto por culpa do Es­­tado. O segundo, o dano das circunstâncias da máquina judiciária", avalia.

Para o jurista, o próprio Estado deveria, por conta própria, pagar essas indenizações. "O Estado tem o dever de instalar um processo administrativo e apurar se houve responsabilidade. Estando ciente que causou o dano, deveria pagar. Infelizmente, há mais preocupação com o orçamento do que com a dignidade das pessoas."

"Em algumas situações, ganho de causa é certo"

Uma simples consulta médica, em 2009, se transformou num transtorno na vida de Madalena Luiz da Costa Viana, na época com 69 anos. Após acompanhar sua irmã ao médico, ela se preparava para pegar o ônibus de volta para casa. Entretanto, ao cruzar a Ave­nida Sete de Setembro, para entrar no tubo da Praça Oswaldo Cruz, tropeçou em um buraco e torceu o tornozelo. "Nem em meus partos senti uma dor daquelas", conta Madalena.

Com o passar dos dias, o pé começou a ficar mais e mais inchado, e foram necessárias inúmeras sessões de fisioterapia para que a dor parasse e sua vida voltasse ao normal. Como cuidar das vias públicas é uma responsabilidade da prefeitura, Madalena entrou na Justiça pedindo uma indenização por danos morais. Em janeiro de 2012, saiu o resultado: a prefeitura foi condenada a pagar R$ 3 mil pelos danos causados.

Segundo o advogado Daniel Zubreski Montenegro, um dos representantes legais de Ma­­dalena, esse tipo de ação não é incomum. "O ganho de causa é seguro, pois a responsabilidade do Estado é objetiva. O Tribunal de Justiça do Paraná tende a acatar essas ações", comenta. A tramitação é relativamente rápida: em média, segundo Montenegro, as ações são julgadas em pouco menos de dois anos.

Valores

No caso de indenizações inferiores a 30 salários mínimos (R$ 18.660), o indenizado não precisa esperar o pagamento de precatórios. Para receber sua indenização, basta entrar com uma requisição de pequeno valor.

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Interatividade

Você já entrou com ações contra o poder público pelo fato de ele não ter cumprido com suas obrigações básicas? Conte sua história.

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