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“O que acontece na calada da madrugada é muito difícil de controlar. E a falta de material é evidente.” | Priscila Forone/Gazeta do Povo
“O que acontece na calada da madrugada é muito difícil de controlar. E a falta de material é evidente.”| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

A estrutura do Instituto Médico Legal (IML) no Paraná está obsoleta e o órgão precisa de investimentos urgentes. A opinião é do médico legista Miguel Zacharias Sobrinho, 55 anos, 33 deles passados dentro do instituto. Para ele, os problemas são crônicos e se agravam devido ao aumento da violência e à redução do quadro de médicos legistas.

Zacharias entrou no IML em 1976, como estagiário, e pertence ao quadro de legistas desde 1983. Sua família tem tradição na área – seu pai, Manif, e seu tio, Elias (que foi diretor do IML), escreveram o Dicionário de Medicina Legal, cuja primeira edição foi lançada em 1988. Na segunda-feira, Miguel Zacharias Sobrinho dará uma palestra às 10 horas, dentro da série "Encontros com a Experiência", na Unibrasil, promovida pelo jurista e professor Renê Dotti e pela Unibrasil. Nesta entrevista, Zacharias fala, entre outros assuntos, sobre os problemas do IML, casos de corrupção e a intervenção feita pelo governo do estado em julho de 2007, quando o coronel da Polícia Militar Almir Porcides foi nomeado diretor do instituto.

Qual a sua análise a respeito da situação atual do IML?

A atual sede do IML, na Avenida Visconde de Guarapuava, era modelo. Virou uma construção obsoleta, inadequada, pelo tamanho, pela localização e pelo desgaste do edifício. O que se faz são remendos. Recebemos corpos em putrefação, que têm um odor muito forte, e o pessoal que mora em volta reclama. Precisaria de um lugar amplo, arborizado, em que a parte de necrotério de putrefeitos fosse isolada. Também ficou obsoleto em relação ao quadro. Há 20 ou 30 anos fazíamos sete ou oito necropsias por final de semana, hoje chegamos a fazer 30. Temos um quadro de 80 médicos. Nesses anos todos, em razão de aposentadorias e de falecimentos de médicos, foi diminuindo. Temos um efetivo bem menor do que há 30 anos. Em contrapartida, o volume de atendimentos aumentou. Temos problemas principalmente no interior. Corre-se o risco de, na falta de um legista, como a lei permite, nomear um perito ad hoc. Eles estão atuando.

Qual o número de médicos?

Não poderia dizer, mas garanto que são menos que os 80 previstos no quadro de legistas do estado. Em contrapartida, houve um aumento no volume de trabalho. É notório que a violência aumentou. No interior do estado, o quadro está muito aquém da necessidade. Os médicos já foram aprovados em concurso, mas não houve a nomeação. Isso está fazendo com que tenham de tomar medidas paliativas, de médicos daqui se deslocarem para suprir buracos.

O efeito imediato é a demora no atendimento. No que mais essa situação pode acarretar?

Primeiro, a população não tem um serviço de qualidade. Nos casos de necropsias a família tem de esperar. Em um caso de estupro, é premente que a vítima seja atendida o mais rapidamente possível, ela já está se constrangendo e ainda tem de aguardar horas. E acho também que o perito, que não é o médico legista, de alguma forma não tem o mesmo nível de competência nessa especialidade. É preocupante, o diagnóstico é essencial muitas vezes para conclusões judiciais. Há julgamentos que se baseiam no laudo. Imagine se o diagnóstico não for correto. Isso pode repercutir diretamente em uma decisão.

Os problemas independem do governo, são crônicos?

Independem do governo. Acho que até esse governo tem dado atenção, mas não o necessário, talvez pelas limitações no orçamento. Tem esse fato de funcionários afastados sob suspeita de conluio com funerárias, casos de usarem serrotes para necropsias. São problemas que se arrastam há muito tempo. Há algum tempo, quando um policial civil cometia alguma irregularidade, era afastado e como "castigo" era colocado no IML. O IML funciona 24 horas por dia, o diretor não pode ficar lá 24 horas. O que acontece na calada da madrugada é muito difícil de controlar. E a falta de material é evidente. Chegamos a um ponto, há alguns anos, em que não tínhamos luvas.

O senhor acha que a intervenção foi válida?

Os policias militares sempre nos trataram com cordialidade e respeito, não interferiram ou interferirão na parte técnica. Mas eu entendo que (a intervenção) foi muito mais uma decisão política. Tenho comigo que o grande motivo que gerou essa intervenção foi uma dissonância estatística entre o número de homicídios apresentado pela Secretaria de Segurança e os números divulgados pelo IML, através dos registros do nosso livro. Não sei se o governo interpretou que o ex-diretor (Hélio Bonetto) estaria remando contra a maré. Acho que foi porque houve um conflito com os números da Secretaria, que queria dizer que o número de homicídios tinha diminuído em Curitiba. (Os jornais) fizeram os levantamentos pelo livro e não batia com o que foi divulgado.

E o caso da médica Lubomira Verônica Oliva, acusada no ano passado de furtar órgãos?

Foi uma infelicidade (do interventor). A doutora Lubomira é uma médica legista e uma professora da melhor qualidade. O único equívoco dela talvez tenha sido não solicitar autorização. Para lecionar na Universidade Federal do Paraná, ela precisa mostrar as lâminas para os alunos. Para preparar as lâminas, precisa de material. Então são retiradas partes ou vísceras do cadáver. Ela pegou pedaços de vísceras que seriam incineradas. Deram a entender que ela estaria fazendo tráfico de órgãos. Todos ficamos indignados. Ela já requereu a aposentadoria, e com isso o IML perdeu mais um médico de qualidade.

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