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Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) contraria a tese defendida pelo governo de que a epidemia de aids caminha para o interior do País. A pesquisa - financiada pelo próprio departamento de DST-Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde - mostra que a doença continua concentrada nos grandes centros urbanos e em locais com Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais elevados.

"Só posso atribuir a interpretação feita pelo programa de aids a um obscurantismo de enfoque. Eles analisam os dados no automático, com conceitos de 15 anos atrás", acusa o pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP Alexandre Grangeiro, que já esteve à frente do departamento de aids do ministério. Semana passada, durante a divulgação do Boletim Epidemiológico de Aids, o governo destacou o crescimento de casos de aids em municípios com menos de 50 mil habitantes e a redução das infecções nas cidades com mais de 500 mil moradores.

O trabalho de Grangeiro mostra que apenas 36 municípios com até 50 mil habitantes apresentaram mais de 50 casos da doença entre 2003 e 2007. E, neste grupo, 35% eram de municípios com características peculiares: abrigavam presídios, estavam encravados em regiões metropolitanas ou em zonas portuárias. Em 67,1% das cidades com até 50 mil municípios, as estatísticas não ultrapassaram 19 casos confirmados num período de cinco anos.

Mais do que uma simples discussão teórica, o assunto tem implicações diretas na condução dos programas e no desenho de ações de combate à doença. "Ao se olhar para a direção incorreta, lógico que a prevenção terá eficácia muito menor do que a desejada. Corre-se o risco de se desperdiçar recursos para essa área, que já são bem poucos", confirma o presidente do grupo Pela Vidda, Mário Scheffer. Os reflexos vão além. "Nas grandes cidades, passa-se a falsa sensação de segurança, fazendo com que população relaxe nas medidas de prevenção ", diz o pesquisador.

Antes de interpretar os dados do boletim, a equipe do departamento de DST-Aids já conhecia os dados da pesquisa de Grangeiro. "Não sei o que levou a equipe a desconsiderar os dados da pesquisa e insistir na velha tese da interiorização", admitiu o pesquisador. Procurado, o Departamento de DST-Aids e Hepatites Virais não se manifestou sobre a pesquisa.

"A pesquisa mostra que nas pequenas cidades, o aparecimento de casos de aids não implica o surgimento de epidemias que se consolidam com o tempo. Para que isso ocorra", diz Grangeiro, é preciso que haja na cidade várias formas de transmissão da doença (por drogas injetáveis, transfusão, profissionais de sexo, relações homossexuais) e que os grupos se comuniquem. Quando tais elementos estão presentes, diz o estudo, há maior risco de epidemias de grande magnitude - mais de 50 casos em um período de quatro anos.

O trabalho diz ainda que a redução ou estabilização apresentada em algumas das grandes cidades deve ser analisada com muita cautela. Em primeiro lugar, porque as taxas continuam ainda muito elevadas e também porque a redução está ainda muito ligada à redução de casos por uso de drogas injetáveis, que por sua vez, é provocada por dois fatores: a morte dos usuários ou a substituição da dependência pelo crack.

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