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Samuel, Felipe, Alline e Vanessa, do projeto Atitude, no Guarituba, em Piraquara: jovens buscam qualificação para a ação social | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Samuel, Felipe, Alline e Vanessa, do projeto Atitude, no Guarituba, em Piraquara: jovens buscam qualificação para a ação social| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Sentimento de indignação gera mudanças

Onde a presença do Estado é insuficiente, a tendência a surgir ações voluntárias é muito maior. Diante desta constatação, especialistas acreditam que a motivação de pessoas que se engajam em projetos sociais em prol da sua comunidade é gerada pela indignação e pelo interesse de modificar a realidade e trazer bem-estar.

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Faço a diferença

Albino Santana, 76 anos, não é paranaense, mas é como se fosse. Há mais de 22 anos vivendo no Sítio Cercado, não tem quem não conheça o responsável pela produção de chás e infusões, que é sua marca registrada. Distante dali, Mike Rodrigo Vieira, 28 anos, mora no Barreirinha desde que nasceu. Skatista, trabalha com adeptos do esporte. Nina Góis, 54 anos, moradora no Jardim Sabará, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), mantém uma dupla jornada em prol do outro. São quilômetros de distância que os mantêm afastados, porém as três histórias têm algo em comum. Eles fazem parte de um grupo que atua efetivamente na melhoria de vida das comunidades onde moram.

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Talvez seja cedo para afirmar, mas daqui a dez anos algum pesquisador atento vai anunciar – com tabelas à mão – que as primeiras décadas dos anos 2000 não foram apenas de celebridades instantâneas e "shows do eu" nos Or­­kuts e Twitters da hora, mas uma época fértil para a solidariedade.

Se os números não mentem, são muitas as evidências de que a era mais individualista de que se tem notícia pode ser, por ironia, também a mais altruísta. O consultor de gestão social Carlos Eliandro de Oliveira, 36 anos, calcula que nos últimos cinco anos, apenas em Curitiba e região, passou-se de 1,2 mil ONGs para 2,2 mil.

Não para por aí. As associações, clubes de mães, times de futebol não teriam apenas duplicado, mas engordado. Em 2005, cada grupo de ação social tinha em média oito participantes a postos. Hoje, saltou-se para 30 pessoas em média por organização. "O setor se profissionalizou. Superou-se a mentalidade da mera caridade. A ação precisa ter efeito, daí o crescimento", ilustra.

A impressão de que bons ventos sopram também atinge o Centro de Ação Voluntária, organização criada há 12 anos para orientar candidatos a fazer o bem. O trabalho é simples. A CAV, como é chamada, oferece palestras e orientação individual e distribui vagas em ONGs, a quem interessar possa. Anualmente, cerca de mil participantes passam pelo programa, habilitando-se para um dos 1,5 mil postos disponíveis em hospitais, contraturnos e o que mais se possa imaginar. "Todas as iniciativas possíveis acabam sendo representadas aqui", diz uma das coordenadoras do projeto, Daniela Nunes, 22 anos.

Mas a CAV está longe de abarcar o total de ONGs da redondeza. No momento, mantém parceria com 113 organizações. "É uma parcela pequena. Já tentamos, em vão, mapear o setor. Mas ele se altera rapidamente", explica Daniela. O próprio perfil dos candidatos ao voluntariado é uma metamorfose ambulante.

Em 2007, o grosso da clientela da CAV era de mulheres com mais de 35 anos. Em pouco tempo, o quadro mudou: elas continuam a maioria, mas passaram a oscilar entre 20 e 30 anos, indicando que a corrente do "faça você mesmo" rejuvenesceu, deixando de ser uma preocupação de gente madura e com um tempinho de sobra, como reza o clichê.

Claro – o voluntário à moda an­­tiga não só sobrevive como carrega nas costas um sem número de ações sem as quais, talvez, muitas escolas e bairros seriam um tédio eterno. A turma do "quero ajudar" é um capítulo à parte, protagonizado por gente como Erenita Gonza­ga, 53, a avó que cuida da fanfarra de 80 crianças na Escola Municipal Wenceslau Brás, no Boqueirão. "Me habilitei em 2003 e hoje vejo a educação com outros olhos. Meu marido acha bom", festeja.

Idem para o pintor de paredes José Carlos Silva, 45, que há uma década mantém um time de futebol no Parolin. A pelada do sábado é sagrada, arrebanha 40 crianças e adolescentes e tem custo zero. "Enquanto estão comigo se encontram protegidos. Eu acredito nisso", professa, com a foto de sua primeira leva de moleques jogadores. "Metade morreu, outra parte está presa, mas alguns se safaram."

José e Erenita comovem. Mas quem arrasta é a geração com menos de 30. Afinados com os anos 2000, querem acontecer. Inclusive no combate à pobreza e ao crime. No bairro do Guarituba – uma imensa ocupação de 46 mil habitantes em Piraquara – tem-se um sinal de que se for motivada, a moçada não foge à luta. Ali, um programa do governo do Paraná – batizado de Atitude – não só floresceu como promete reinventar as políticas para a juventude.

Encampado pela Secretaria de Ação Social do município, o Atitude se tornou mais do que um repasse de verbas para que adolescentes aprendam um ofício ou cultivem o lazer. Pelo simples motivo de que esses jovens são moradores de uma área de risco e querem oferecer seu braço para que vilas como o Jardim Holandês – na redondeza – deixem de ser uma estatística de violência.

Os dirigentes do programa perceberam esse potencial. E como que por milagre entre os 300 participantes, imberbes, está sendo gerada uma usina de ideias para tirar Piraquara, literalmente, do vermelho. Basta dizer que em meio à oficina de jogos e de futebol nasceu um núcleo de estudos da violência, atestado de que não se está brincando em serviço.

Aos descrentes, um conselho. No meio da tarde, a Avenida Betonex, a principal do Guarituba, fica talhada de rapazes e moças saindo de um dos poucos colégios de ensino fundamental da região, o Ivanete Martins. São 2 mil alunos, divididos em quatro turnos, para atender a demanda. Não se sabe ao certo qual a população jovem da ocupação, mas se seguir a média nacional, deve chegar perto de 10 mil.

Não é preciso ser sociólogo para imaginar o que acontece com esse exército, sempre à deriva. Em meio ao nada para fazer num bairro em que há poucas escolas, poeira de sobra e criminalidade em escala carioca, os participantes do projeto se assemelham aos 300 de Esparta.

Samuel Valentim, 17, acredita no grafite como instrumento para a cultura da paz. "Perdi um irmão vítima do crime e resolvi fazer alguma coisa." Alline Danthara, 17, diz com firmeza que "dá para mudar". "Sonho com isso. Vou estudar Biologia e trabalhar na Amazônia", avisa. Vanessa Brito, 15, idem, vai fazer sua parte na defesa do meio ambiente. Ela planta árvores no Guarituba.

O mais jovem do quarteto, Felipe Ribeiro, 14 anos, bem poderia ser uma espécie de ícone da geração "faça você mesmo". Franzino, falante e politizado, discorre sobre a importância de um jornal para o Guarituba. Não fica na garganta. Anda batendo de porta em porta no comércio local, em busca de patrocínio. "Eu sou aquele cara que vai atrás, entende?", resume o piá. Ele é o cara.

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