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Rosana Chiavassa recorreu à Justiça para ter direito a morte digna | Márcio Fernandes/Estadão Conteúdo
Rosana Chiavassa recorreu à Justiça para ter direito a morte digna| Foto: Márcio Fernandes/Estadão Conteúdo

Registros

Testamentos vitais sobem 2.000% no país

A preocupação com os procedimentos médicos a serem realizados no fim da vida ou em situações de estado terminal fez crescer a procura por testamentos vitais no Brasil. Entre 2009 e 2014, o número de documentos do tipo registrados em cartório cresceu 2.000%, segundo levantamento feito pelo Colégio Notarial do Brasil - Seção São Paulo (CNB-SP). Segundo o balanço, em 2009 foram registrados 26 testamentos vitais. No ano passado, passou para 542.

O aumento expressivo de testamentos vitais no país se deu a partir de 2012, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) elaborou a resolução 1.995, que orienta o médico a respeitar as chamadas diretivas antecipadas de vontade do paciente, ou seja, seguir os desejos referentes a cuidados e tratamentos expressados previamente.

Em 2011, um ano antes da norma ter sido criada, 68 testamentos vitais foram registrados no país. Em 2012, o número subiu para 167, mesmo a resolução tendo sido editada apenas em agosto. Em 2013, primeiro ano completo de resolução em vigor, foram 477. São Paulo é o estado com mais registros no ano passado, 374, seguido de Mato Grosso (86) e Rio Grande do Sul (53).

O aumento da expectativa de vida e, consequentemente, da ocorrência de doenças incapacitantes e neurodegenerativas, além do maior acesso à informação, são as principais razões para o aumento do interesse por testamentos vitais.

Em decisão inédita, a Justiça brasileira autorizou uma advogada a ter "morte digna", o que, nesse caso, significa não ter de passar por tratamento desnecessário caso desenvolva, no futuro, doença irreversível que comprometa a capacidade física e a consciência. É a ortotanásia, quando se permite que a morte ocorra de forma natural, nos casos em que nada mais pode ser feito para salvar o paciente. Nesse caso, recusa-se, por exemplo, aparelhos que mantenham a pessoa viva de maneira artificial.

A ação judicial foi movida pela advogada Rosana Chiavassa, de 54 anos, e avaliada pelo juiz Alexandre Coelho, na época titular da 2ª Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo. A sentença foi dada em junho de 2013, mas somente agora a advogada quis divulgar o caso. A manifestação da vontade prévia de não prolongar a vida em casos irreversíveis já é feita em testamentos vitais, documento registrado em cartório em que se pode deixar claro por quais tipos de procedimentos o paciente aceita passar. É a primeira vez que tal desejo prévio tem chancela da Justiça.

Em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, Rosana explica que preferiu fazer o trâmite em juízo para ter maior garantia de que sua vontade seja cumprida. "O testamento vital pode ser questionado pela família. Podem alegar que a pessoa tenha registrado o documento já em um momento de insanidade ou em um surto de desespero pela descoberta de uma doença, por exemplo. Quis entrar na Justiça para provar que estou completamente saudável e tenho consciência da minha decisão."

O juiz que cuidou do caso afirma que acolheu o pedido da advogada levando em consideração a preocupação de Rosana de que a vontade apenas expressa no testamento vital poderia ser desconsiderada. "Há uma dificuldade de se agir racionalmente com relação a parentes que se encontram em estados terminais. As pessoas, por medo, amor ou ignorância, acabam não tomando decisões que seriam razoáveis e desrespeitando a vontade do paciente. Um testamento vital, embora previsto em resolução do Conselho Federal de Medicina, não tem previsão na lei brasileira. Feito o testamento vital, com quem ele ficaria? Na mão da pessoa mais próxima, a mesma que neste momento da morte estará insegura. A Rosana queria dar à sua manifestação de vontade uma força maior, uma chancela judicial para que ninguém pudesse questionar."

Na decisão, o juiz esclarece que o pedido, acatado pela Justiça, afasta qualquer ideia de eutanásia, proibida no Brasil, uma vez que "não se pretende a morte, obtida mediante intervenção humana, mas sim a vida, com toda a sua dignidade, evitando-se apenas a positivação de procedimentos médico-hospitalares que sabidamente nenhum resultado obterão quanto à recuperação da saúde e reversão do quadro mórbido".

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