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A morte de pacientes na UTI adulto também é considerada alta | Arquivo/ Gazeta do Povo
A morte de pacientes na UTI adulto também é considerada alta| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

Tardia ou precoce?

Mesmo que indicada, a traqueostomia realizada em menos de três dias é bastante incomum. A literatura médica prevê o uso de traqueostomia precoce, mas ela é definida como aquela que ocorre entre 6 e 8 dias após a intubação inicial; a traqueostomia tardia ocorre entre 13 e 15 dias. O estudo Traqueostomia: uma revisão atualizada, de 2011, relata que em pesquisas com coordenadores de UTI, nenhum citou a primeira semana de ventilação como ideal para fazer o procedimento.

Outro lado

Sobre o número de ações invasivas nos primeiros dias de internação, o Hospital Evangélico informou, por meio de nota, que não tem uma política de procedimentos específica. "A equipe médica, baseada na avaliação da gravidade de cada paciente, indica tais procedimentos", diz a nota. Os advogados da médica Virgínia Helena Soares de Souza, ex-chefe da UTI geral, foram contatados pelo menos cinco vezes por e-mail e telefone desde o dia 5 de março para comentar o assunto, mas não houve retorno.

Cronologia

Relembre os fatos mais marcantes sobre as investigações na UTI do Hospital Evangélico:

• 19 fev – Policiais civis cumprem mandados de busca e apreensão na UTI geral do Hospital Evangélico e de prisão contra Virgínia Helena Soares de Souza, chefe da unidade. A suspeita é de que a médica tenha provocado mortes na UTI.

• 20 fev – A direção do Evangélico instaura uma sindicância interna para apurar o caso. Várias pessoas procuram a Polícia Civil para fazer outras denúncias.

• 22 fev – Decretada a prisão temporária de outros quatro médicos e enfermeiros.

• 25 fev – A Justiça decreta o fim do sigilo que cerca as investigações. Mesmo assim, a polícia evita detalhar o inquérito antes de sua conclusão.

• 4 mar – A Polícia Civil conclui o inquérito policial e o encaminha ao Ministério Público (MP).

• 11 mar – O MP apresenta denúncia à Justiça acusando oito profissionais de terem agido para a morte de sete pessoas.

• 15 mar – O juiz Daniel Ribeiro Avelar, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, aceita a denúncia formulada pelo MP e abre ação penal contra os oitos acusados por formação de quadrilha e, para seis deles, por homicídio qualificado. Agora tem início a fase de produção de provas e testemunhos.

Acusação

Associação de remédios e redução do respirador teriam causado as mortes

Os medicamentos que, segundo a denúncia do Ministério Público (MP) do Paraná, contribuíram para o homicídio de pelo menos sete pessoas na UTI do Evangélico, são bastante comuns em qualquer Unidade de Terapia Intensiva. Mas a medicação conjunta de vários medicamentos deve ser analisada, caso a caso. E os promotores sustentam que o uso dos medicamentos não tinha justificativa nos prontuários dos pacientes.

A ventilação mecânica (VM), utilizada por todos os pacientes cujas mortes constam da denúncia, pode ser invasiva ou não invasiva. No primeiro caso está a traqueostomia, procedimento utilizado em larga escala na UTI do Evangélico em 2012. A VM não invasiva consiste na intubação orotraqueal.

Independentemente dos desdobramentos judiciais da acusação de homicídio na UTI do Hospital Evangélico, o fato é que o funcionamento da unidade difere bastante da de outros estabelecimentos de emergência com porte e complexidade semelhantes. Dados do Departamento de Informática do SUS (Datasus), consultados e tabulados pela Gazeta do Povo, revelam que a UTI adulto do Evangélico realiza uma grande quantidade de procedimentos invasivos já nos primeiros dias de internamento dos pacientes, prática não recomendada por aumentar as chances de infecção.

INFOGRÁFICO: Confira o número de pacientes que sofreram intervenções cirúrgicas quando estavam internados na UTI

Em 2012, dos 2.632 pacientes internados na UTI do hospital pelo SUS, 41% foram alvo de intervenções já nos três primeiros dias, contra índices que variaram de 8% a 31% em outros hospitais das capitais do Sul e Sudeste. Em reportagem do dia 1.º de março, a Gazeta do Povo já havia mostrado que a taxa de mortalidade na UTI adulto do Evangélico também ficava bem acima da média: 60% das mortes no ano passado ocorreram nos três primeiros dias de internamento, contra taxas de 10% a 43% em hospitais similares.

Sete mortes ocorridas na UTI geral do Evangélico entre o fim de 2011 e início de 2013 foram consideradas homicídios pelo Ministério Público e pela Polícia Civil. Na última sexta-feira, a Justiça aceitou a denúncia e abriu uma ação penal contra oito acusados.

Traqueostomia

Entre os procedimentos invasivos mais realizados pela UTI adulto do Evangélico está a traqueostomia – abertura de um canal direto na traqueia para permitir a respiração. No ano passado, 314 usuários do SUS passaram por essa intervenção, número bem acima do registrado em UTIs de hospitais maiores. No Hospital de Clínicas de São Paulo, por exemplo, que recebeu o triplo de pacientes na UTI (6.696), apenas 101 foram traqueostomizados.

"Em termos técnicos, é um procedimento precoce", afirmou o auditor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), Mário Lobato, responsável pela sindicância que está sendo feita na UTI do hospital. "Mas isso não cabe a nós analisar, mas sim ao Conselho de Medicina", acrescentou.

De acordo com o cirurgião e médico intensivista Renato Lima, geralmente a primeira opção para ajudar o paciente a respirar é a intubação orotraqueal – colocação de um tubo pela boca (que vai até a traqueia) para permitir a ventilação mecânica. Quando há necessidade de ventilação mecânica por muito tempo, opta-se pela traqueostomia.

"Há um conforto maior, mas a traqueostomia é invasiva e, toda vez que invado um paciente, quebro uma proteção. Na hora que corto a pele e coloco um catéter, abro uma porta para uma infecção externa."

Cada leito custou R$ 673 mil ao SUS

Com o grande número de procedimentos médicos ado­­tados, a UTI adulto do Evan­­gélico recebeu mais dinheiro, em termos proporcionais, do que outras instituições de mesmo porte e complexidade. Segundo o Datasus, a unidade recebeu R$ 16,8 milhões do SUS em 2012. Isso equivale a R$ 673 mil por leito – número bem acima do registrado em outras UTIs das capitais do Sul e Sudeste, que têm um perfil semelhante ao do Evangélico, com atendimento de politraumatizados e queimados. Nas demais instituições, os valores giraram entre R$ 165 mil e R$ 409 mil.

O Hospital Evangélico é mantido pela So­­ciedade Evangélica Bene­­fi­­­­cente de Curitiba, entidade filantrópica sem fins lucra­­tivos, e tem contrato com o SUS que rende um valor fixo anual. Entretanto, determinados procedimentos geram um pagamento extra – uma parte fica com o hospital e outra com o profissional responsável pelo ato. Esse é o caso das traqueostomias, por exemplo.

Instituição é vital ao sistema em Curitiba

Desde que veio à tona a investigação sobre mortes provocadas na UTI do Hospital Evangélico, em 19 de fevereiro, diversas autoridades fizeram declarações públicas em defesa da instituição. O estabelecimento é crucial para o atendimento de emergência em Curitiba e também responde por boa parte da consultas eletivas do SUS.

O Evangélico tem 375 leitos clínicos e cirúrgicos, o que corresponde a 20% do total de Curitiba, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). O hospital atendeu 24,6 mil pessoas em 2012, 16% da demanda do SUS registrada na capital. Em número de leitos da UTI adulto destinados a usuários do SUS, o Evangélico é o terceiro maior da cidade (25), atrás do Hospital de Clínicas (35) e da Santa Casa (28). Mas, em número de pacientes de UTI, o Evangélico ficou em segundo (2.632), atrás da Santa Casa (2.692). Após as denúncias, a UTI geral do Evangélico foi reestruturada, com nova equipe e rebatizada de UTI I.

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