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Prisão domiciliar pelo 8/1

Ex-PM solto por Moraes só foi ouvido em audiência quase dois anos depois de ser preso

O ex-policial militar Marcos Alexandre foi preso durante a gravidez da esposa, não acompanhou o nascimento da filha caçula e nem o desenvolvimento dela. A bebê nasceu em dezembro de 2023. (Foto: Arquivo pessoal)

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No dia 20 de abril de 2023, Marco Alexandre Machado de Araújo se apresentou na sede da Polícia Federal em Brasília (DF). Dias antes, agentes da corporação o haviam procurado, sem sucesso, em Uberlândia (MG), onde ele vivia com a esposa grávida.

“Compareci voluntariamente, disposto a expressar todos os esclarecimentos”, ele relataria depois, em audiência. O ex-policial militar, que trabalhava com segurança em eventos e hoje tem 54 anos, foi detido e enviado ao presídio da Papuda, onde se viu junto de cerca de 200 pessoas que haviam participado dos atos de 8 de janeiro.

Quase dois anos depois, no dia 11 de abril de 2025, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou que Marco Alexandre Machado de Araujo fosse solto. A prisão preventiva foi substituída por prisão domiciliar, a ser cumprida em seu endereço residencial. Ele é obrigado e utilizar tornozeleira eletrônica, está proibido de utilizar redes sociais, próprias ou de terceiros. Tampouco pode se comunicar com os demais acusados, por qualquer meio, e não tem autorização para conceder entrevistas, salvo mediante expressa autorização do STF.

Araújo não pode receber visitas, a não ser os pais e irmãos e os advogados regularmente constituídos. E segue respondendo pelas acusações de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, participação em tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

Ele nega e diz, na audiência, que não concordou com o que caracterizou como atos de vandalismo. “Comecei a gritar para as pessoas: ‘não vandaliza, não quebra’. Depois que eu vi que não tinha mais o que fazer, fui embora. Abaixei a cabeça, indignado com a situação, e fui embora”, relata. “Não é errado se manifestar, levantar bandeira, se reunir com outras pessoas. Mas não é porque eu vou a um campo de futebol que participo de briga de torcida. Eu não concordo com ato antidemocrático e não estava lá para isso.”

Como está ele, quase dois anos fora de casa, com uma filha pequena à espera? “Informamos que, dentro das circunstâncias, ele está bem”, responde a família, em nota. “Teve a alegria de segurar sua filha nos braços, de forma cuidadosa e respeitosa, para que esse momento não causasse traumas à criança. Estamos buscando acolhê-lo com amor, dentro dos limites que nos foram impostos pela Justiça. Como família, o nosso maior desejo é que a verdade prevaleça e que sua inocência seja provada.”

Situação de riso

Ainda na audiência, realizada no dia 28 de janeiro deste ano, o ex-PM afirma que entrou em um ônibus a convite de amigos, chegou no sábado à tarde, seguiu para a casa de um amigo e, às 8h do domingo, dia 8, se reuniu com os manifestantes na Esplanada dos Ministérios. “Como alguém que sempre trabalhou com segurança, me senti confiante ao ver que havia policiamento e uma área determinada para as pessoas expressarem sua opinião.”

Quando, mais tarde, tiveram início as invasões, ele disse que chegou a oferecer ajuda às forças policiais diante do incidente. Chegou a entrar no plenário do Senado, e depois se retirou. “Passei o dia confraternizando. Até que começou a invasão e a PM local perdeu o controle da situação. Os vândalos erraram”, ele relata. Por que se apresentou diante da PF? “Eu tenho tanta fé na Justiça que deixei em casa uma esposa grávida para me apresentar. Em resultado, esperei dois anos para falar com vocês.”

De fato, demorou mais de um ano, até 23 de julho de 2024 para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) oferecesse a denúncia em que afirma: “No mesmo dia 8.1.2023, Marco Alexandre Machado de Araújo, no período da tarde, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, de maneira livre, consciente e voluntária, em unidade de desígnios com outras centenas de pessoas, tentou depor, por meio de violência e grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

A denúncia só foi aceita pelo STF em 19 de novembro de 2024, e apenas no início de 2025 o acusado foi finalmente ouvido. “A acusação que recaiu sobre mim é idêntica à que dezenas de outros presos receberam”, ele diria, na audiência, onde apontou que as condições em que foi mantido não eram seguras. “No banho de sol eu me deparo com pessoas que têm tatuagem de palhaço, que é usada por preso que já matou policial. E eu sou ex-policial.”

Filha pequena

Do primeiro casamento, o ex-PM tem três filhas, que hoje têm respectivamente 33, 31 e 22 anos. De um novo relacionamento, ele é pai de uma menina que completou um ano de idade em dezembro de 2024 – ele não pôde acompanhar o parto nem participou dos primeiros meses de vida da pequena Lyz.

Quando foi preso, a esposa, com 40 anos de idade e histórico de ter perdido um bebê no passado, estava grávida. Dentro da cadeia, chegou a ser levado para a área psiquiátrica e recebeu diagnóstico de esquizofrenia, sem ter nenhum histórico de problemas mentais nem exames que apoiassem a decisão da junta médica.

Em dezembro de 2023, na mesma semana em que sua filha nasceu, Araújo foi submetido a um exame de duas horas e meia. O laudo de exame psiquiátrico número 49.675/23, protocolado em 19 de dezembro de 2023, aponta o desconforto do detento, submetido à avaliação no mesmo mês de nascimento de sua filha.

“A avaliação durou cerca de duas horas e meia. Inicialmente o custodiado apresentava-se muito agitado, angustiado, fortemente desconfiado, tergiversando sobre as perguntas que lhe eram feitas.” O laudo conclui, sem apresentar provas para além da sessão de entrevista: “O periciado é acometido por Transtorno Esquizoafetivo misto (CID-10 F25.2), com episódio depressivo atual, acompanhado de exuberantes sintomas ansiosos. HS elevado risco de suicídio, ensejando medidas imediatas para seu equacionamento”.

Em 24 julho de 2024, num momento em que o preso permanecia às escuras, sem acusação formal e acesso dificultado à própria família, ele ditou uma carta em que argumentava: “Quando tomei ciência do mandado de prisão fiz questão de me apresentar voluntariamente a Polícia Federal dia 20/04/2023 em Brasília. Deixei em casa sozinha uma esposa grávida de três semanas, perdi o parto da minha filha e uma gravidez de risco e ao mesmo tempo recusei todas as propostas de ajuda para que não me entregasse, ou que buscasse asilo político em outro país. Ao meu ver sabia que somente honrando compromisso com a justiça e expondo tudo que vivenciei e presenciei no dia 08 poderia demonstrar a minha conduta de não compactuar com atos antidemocráticos em manifestações”.

Ele prossegue: “Não vim a Brasília para banalizar, depredar, incitar, apoiar, patrocinar ou participar de qualquer ato antidemocrático. Não concordo! E, Vossa Excelência não encontrará uma prova sequer que contradiz essa afirmação, não compactuo!”

A família assegura, na nota: “Acreditamos em sua integridade e sabemos que ele tem enfrentado tudo com dignidade e coragem. Reconhecemos que os traumas vividos nesse processo exigem cuidados especiais, e por isso seguimos unidos, com fé e esperança de que a Justiça será feita. Desde o primeiro momento, quando ele se apresentou voluntariamente à Polícia Federal em Brasília, temos confiado no caminho da verdade e da Justiça”.

O texto da família termina com: “Que Deus abençoe a todos por cada gesto de apoio, e que nunca percamos a fé pois temos a certeza de que Jesus Cristo está à frente de nossas vidas. Sua família!”

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