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Maria Beatriz Miné Oslaj e o marido Carlos | Daniel Caron/ Gazeta do Povo
Maria Beatriz Miné Oslaj e o marido Carlos| Foto: Daniel Caron/ Gazeta do Povo

Resultado guardado a sete chaves

A família de Maria Beatriz Miné Oslaj (foto), de 54 anos, se submeteu em junho de 2007 a um teste genético no Hospital Albert Einstein, de São Paulo. No ano anterior, ela tinha sido diagnosticada como portadora de Parkinson, uma doença degenerativa que dificulta os movimentos. Ela, o marido Carlos (foto) e os dois filhos fizeram o teste, que fazia parte de um projeto desenvolvido pelo médico que a tratava. "Mas a gente nem quis saber o resultado para não criar uma paranoia na família", explica Maria Beatriz, que não gosta da denominação "mal de Parkinson". "É uma doença, não é um mal que vai te matar. As pessoas morrem com Parkinson e nunca de Parkinson", diz. Hoje, ela toma seis comprimidos por dia e faz academia e massoterapia para controlar a evolução da doença.

Entrevista

"Na prática, exame pelo correio não surte efeito"

Salmo Raskin, doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná e membro da Sociedade Brasileira de Genética Médica.

Teste genético feito pelo correio, sem pedido médico, é válido?

A validade é pequena. Há uma polêmica muito grande em torno disso, mas hoje esses exames não são adequados. Primeiro, são feitos sem pedido médico. Exames genéticos são complexos. É muito difícil apontar em um teste as probabilidades de ter diversas doenças. Hoje os médicos pedem exames para doenças específicas. A ideia dessas empresas é excelente, mas na prática não surte muito efeito. Obesidade, câncer, diabete e outras doenças "mais comuns" ainda não têm sua genética inteira conhecida, o mesmo acontece com o mal de Alzheimer.

Não há embasamento científico?

Não, pelo fato de não existir a genética inteira dessas doenças. Por exemplo: se conhece uma dúzia de genes da diabete, mas não todos. Podem ser 20 ou 300. Assim, os testes não oferecem um risco calculado corretamente sobre as doenças. Não irá contribuir muito para a prevenção. Outro exemplo: um teste vê que uma mulher tem 11% de chance de desenvolver câncer de mama. O que isso significa? Pouca coisa. Toda mulher tem 10% de risco de ter essa doença. Não tem utilidade para o médico nem para o paciente.

Então o ideal é que os exames genéticos sejam pedidos por um médico?

Sim e os testes serão feitos especificamente para determinada doença, já que são exames complexos. Os mais pedidos são exames detalhados para câncer de mama e de intestino, e doenças específicas raras em que há casos na família.

Fiscalização

Algumas empresas do exterior que realizam o exame sem solicitação médica tiveram seus resultados contestados em 2010. Em julho daquele ano, uma agência do governo norte-americano aplicou um teste-surpresa em algumas companhias.

Opine

Você faria um exame genético para saber se tem possibilidade de desenvolver uma doença no futuro? Por quê?

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As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Quem não gostaria de saber sobre o seu futuro? Ou melhor, se é suscetível a sofrer determinada doença? Isso já é possível e por um preço relativamente baixo. Empresas norte-americanas disponibilizam um serviço que vasculha o DNA à procura de genes e mutações ligadas a enfermidades. Por 100 dólares (o equivalente a R$ 180), é possível comprar o pacote mais simples e saber se sua genética tem pré-disposição para alguma doença. O resultado chega até o cliente pelos Correios. No Brasil, o primeiro laboratório a implantar esse tipo de exame está no estado de Minas Gerais, em 2011.

Esse estudo pode ser feito, dependendo do laboratório, com ou sem pedido médico. Geralmente um kit de coleta é enviado à casa do paciente, que recolhe células da boca e as remete para o laboratório. Ao invés de mapear todo o genoma, o teste busca variações específicas no DNA e, a partir delas, calcula o perigo.

Mas até que ponto essa informação é benéfica? Segundo especialistas em medicina genética, é possível traçar um estilo de vida que faça com que a enfermidade detectada não apareça ou, pelo menos, demore mais a se manifestar. Por outro lado, existe a preocupação sobre o impacto psicológico em quem recebe o exame. Alguns podem surtar, entrar em depressão profunda ou, em casos mais drásticos, até optar pelo suicídio.

Por isso, receber um resultado desse sem apoio médico é inconcebível na opinião dos especialistas, que também condenam o "comércio varejista" do DNA. Para eles, mesmo exames pedidos sob prescrição médica são vistos com receio.

A pesquisadora e profes­­sora do departamento de Ge­­nética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB), Ana Luisa Vilela, defende que os testes genéticos sejam autorizados somente por médicos. Caso contrário, os resultados recebidos em casa podem acarretar em outras doenças. "Além de depressão e ansiedade, a pessoa pode até desenvolver a doença mais cedo. Os testes comprados não são 100% seguros. Os testes são pedidos geralmente para confirmar algum indício de determinada doença", explica.

Indício

Para Samuel Goldenberg, membro da Sociedade Bra­­sileira de Genética, um resultado positivo não significa necessariamente que a pessoa desenvolverá a doença. É apenas um indício. "Mas as pessoas não pensam assim. Acham que vão ter a enfermidade, por isso a necessidade de um aconselhamento médico profissional no momento do resultado".

O médico Victor Ferraz, professor de genética da Universidade de São Paulo (USP), salienta que o pedido para o exame é solicitado quando já há uma doença que pode ter ligação genética ou a pessoa tem a possibilidade de apresentar alguma enfermidade pelo histórico familiar. "É essencial dar suporte ao paciente. Sem o aconselhamento genético, os resultados podem ser catastróficos do ponto de vista clínico e psicológico", alerta.

O projeto Genoma – iniciado em 1990 e apresentado em 2000 – já teve a pretensão de desvendar a causa de doenças graves, como diabete e câncer. Os resultados, porém, não foram aplicados na prática. Mesmo assim, a ciência continua em evolução e já possui um banco de dados de genes ligados ao aparecimento de certas doenças. Resta saber qual a melhor maneira de aplicar esse conhecimento.

OtimismoTeste genético pode melhorar as formas de tratamento

A genética ainda é considerada um campo incerto pelos profissionais de medicina. Mas existe a certeza de que ela pode, no futuro, melhorar as formas de lidar com doenças. Com um mapa genético detalhado, o tratamento poderá ser aperfeiçoado e a prevenção, ampliada. "Saberíamos exatamente qual ponto tratar. Também poderíamos alertar para possíveis riscos em ter filhos, por exemplo", afirma o professor da USP Victor Ferraz.

A professora Ana Luisa Vilela, que realiza uma pesquisa na Universidade de Brasília (UnB) em pacientes com trombose, já percebeu as vantagens do tratamento baseado no mapa genético. "Teve um paciente que não respondia aos procedimentos normais. Com o mapa, vimos mudança em alguns genes e readequamos o tratamento."

Cautela

Para a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Eliane Schwab, às vezes é preferível nem saber das probabilidades de desenvolver certa doença. "Com uma doença genética a pessoa pode ficar desesperada e depressiva. Muitas vezes é melhor viver sem saber que tem chances de desenvolver certa doença", afirma.

No entanto, ressalta que os testes podem ser realizados, desde que haja solicitação médica. Mapear os riscos, segundo Eliane, pode fazer com que as pessoas tomem medidas preventivas para não desenvolver determinada enfermidade. "Mas é necessário saber para que você vai fazer o exame, se tem preparo psicológico e se o médico dará apoio emocional, pois pode ser um resultado que mude sua vida", enfatiza.

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