• Carregando...

Os terapeutas avulsos, formados na cara e na coragem, têm muito a seu favor e sabem disso. Eles representam um exército silencioso e organizado. O Sindicato dos Acupunturistas e Terapias Orientais do Paraná estima existirem 120 acupunturistas não-médicos em Curitiba. Cerca de 60 são sindicalizados. Dados da Associação Nacional de Terapeutas Naturistas apontam só no Paraná, cerca de 3.840 membros, nas mais diversas especialidades, como a massoterapia. A estimativa, contudo, é que sejam 5 mil acupunturistas não-médicos no país, boa parte com fôlego para atrair pacientes em plena "crise de gota" – gota d´água, já que ninguém suporta mais a impessoalidade das consultas de cinco minutos, ao final da qual a vontade é dizer: "Doutor, desculpe ter nascido."

O motivo do súbito interesse dos alternativos em sair da clandestinidade é só um: não há legislação para acupunturistas não-médicos, mas sabe-se que é só uma questão de tempo. A depender da militância, essa história pode mudar. E esse dia está cada vez mais perto – principalmente de agora em diante, quando os brasileiros vão ver na lista de consultas especialidades que identificavam como mera excentricidade. A Portaria 971 virou a maior propaganda.

Conforto

Ao contrário do que parece à primeira vista, a ausência histórica de legislação colocou a acupuntura numa "zona de conforto". Sua prática funciona na base do nada contra, nada a favor, muito pelo contrário. As associações médicas e os conselhos de medicina não podem coibi-la porque esses órgãos só têm autoridade sobre médicos diplomados. A Vigilância Sanitária goza de autoridade para fechar uma clínica se os banheiros estiverem sujos como um WC de boteco, mas nada lhe garante o direito de pedir diploma ao terapeuta e proibi-lo de atender. Em resumo, os terapeutas estão à margem do sistema de saúde, mas não são fora-da-lei. São praticamente imunes.

Não é tudo. Mesmo que a legislação não favoreça um acupunturista tão bom que roubaria clientela até dos "médicos descalços", expressão usada para batizar os chineses que atuam nos rincões da Ásia, há décadas eles trabalham para encontrar o seu lugar. Os cursos de formação são uma prova disso. Antes, estavam sob o fio da suspeita – eram encontros de fim de semana do qual se julgava sair apto para fazer um puxadinho, abrir um consultório e sair procurando os pontos. Hoje, têm currículos bem-montados, recebem aval dos órgãos competentes, inclusive da Secretaria de Estado da Educação e prescrevem cerca de 1.800 horas aula, várias delas dadas por médicos.

A terapeuta Maria Joana Santos, presidente da Associação Corpo e Mente, em Curitiba, acredita que os cursos, mudam o rumo da conversa. A primeira turma de sua escola se forma em junho, com expectativa de reconhecimento e equivalência com auxiliares de enfermagem e afins. "Com mais gente preparada, aumenta nosso poder de pressão. Mas nem passa pela nossa cabeça questionar a autoridade do médico. O ideal é trabalhar junto", comenta.

Queixa, mesmo, é a falta de comunicação entre as secretarias de Educação e de Saúde. Uma não sabe da outra "que bicho que deu." O próprio Ministério Público, a quem cabe, em última instância, investigar se há irregularidades, não tem muito a declarar, a não ser que considera um crime contra o consumidor não avisar que a prática não tem legislação ou oferecer cursos não-reconhecidos. Nem antes nem depois da Portaria 971 chegou até o MP qualquer denúncia de danos à saúde causados em alguma clínica de acupuntura comandada por terapeutas não-médicos.

"A ausência de registros negativos não muda o essencial: são práticas que requerem conhecimentos próprios", ressalta o promotor de Justiça Marcelo Paulo Maggi, do Centro de Apoio às Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública. Centros estéticos sem cirurgião plástico e – vejam só – podólogos, colocadores de piercing e tatuadores são muito mais perigosos e estão em dias de passar por uma devassa. A 971, nesse caso, é inocente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]