• Carregando...
Fuselagem do avião resgatada na época do acidente, em 2009: análise preliminar não aponta falha humana | Divulgação
Fuselagem do avião resgatada na época do acidente, em 2009: análise preliminar não aponta falha humana| Foto: Divulgação

Queda

"Acho que foi aterrorizante", diz instrutor de voo

Agência Estado

A sensação de estar em uma montanha-russa e o pânico durante "intermináveis" três minutos e meio é o cenário imaginado pelo piloto Jorge Barros, instrutor de voo civil e militar, para os passageiros do voo 447. Depois de ler o relatório do BEA, Barros afirma que o que ocorreu "foi aterrorizante." Pelos ângulos de inclinação do avião e a queda brusca no ritmo de subida do avião, o comandante, especializado em segurança de voo, acredita que os passageiros que não usavam cinto tenham sido jogados para fora de suas poltronas e se ferido gravemente com o impacto antes da queda do avião.

"Para quem está entre os passageiros, é muito tempo. Para o tripulante tentando salvar a situação, é um flash. O piloto não deve ter tido um nível de sofrimento muito elevado, porque provavelmente estava totalmente concentrado em achar uma solução. Os passageiros, acredito, tiveram momentos de pavor", afirmou.

Para Barros, não é possível avaliar se o piloto agiu corretamente ao tentar levantar o nariz do avião para cima. "Foi uma tentativa de ganhar altura, é um instituto primário. Mas nem sempre o nariz para cima faz ganhar altura, porque pode causar dano na sustentação", explica.

Queijo suíço

O professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Respício Espírito Santo criticou o documento. "É um queijo suíço", disse, sobre os "buracos" do relatório. Respício chama atenção para o fato de que o relatório registra procedimentos do piloto às 2h08min07seg, quando fez uma ligeira virada para a esquerda e reduz um pouco a velocidade.

O registro seguinte é às 2h10min05seg, já com a informação de que o piloto automático tinha sido desativado. "O que aconteceu nesse período de dois minutos? Também não está explicado por que o piloto automático foi desativado. Pegar na mão um avião como esse a 35 mil pés não é brincadeira", diz o professor.

O escritório francês de investigação (BEA) concluiu que uma pane técnica, que levou a uma série de ações da tripulação – possivelmente equivocadas –, levou à queda do voo 447 da Air France (Rio-Paris), em 31 de maio de 2009. "Se não tivesse havido o problema nas sondas pitot [de velocidade], não teria havido o acidente", disse o diretor do órgão, Jean-Paul Troadec, ontem, após a divulgação do primeiro relatório sobre a tragédia que deixou 228 mortos.

O documento de quatro páginas sobre as circunstâncias técnicas em que o Airbus caiu não deixa margem para dúvidas: a responsabilidade dos equipamentos se dá porque, ao sofrer congelamento – causado possivelmente por condições meteorológicas –, um dos três sensores se desligou, enquanto outros dois passaram a informar ao sistema eletrônico de navegação do Airbus informações contraditórias. Assim, o piloto automático e o sistema de autoimpulsão foram desligados, deixando aos pilotos o comando das operações.

A partir daí, as decisões da tripulação são o centro das dúvidas que persistem. Troadec confirmou que os dois copilotos adotaram um comportamento fora do padrão. "O procedimento co­­mum é reduzir a altitude do avião, inclinando o nariz do avião ligeiramente para baixo", explicou. "Queremos compreender por que os pilotos do 447 tentaram ganhar altitude, le­­van­­tando o nariz do avião", disse. "Outros aviões também tiveram problemas nas sondas pitot, que foram contornados, permitindo que os voos seguissem seus trajetos até um pouso seguro. Logo, ainda há algo de diferente no caso específico do voo AF-447", completou.

Detalhes

Os dados extraídos das caixas-pretas trazem diálogos e dados dos instrumentos minutos antes do avião cair no oceano a uma velocidade de cerca de 200 km/h. Segundo o documento, a queda durou três minutos e meio. Segundo o relatório, entre 22h59 e 23h01, o comandante do avião, Marc Dubois, deixou a cabine para descansar e passou o comando da aeronave, que estava no piloto automático, para os copilotos. Um trecho do diálogo fala sobre o fato do Airbus ter entrado em uma zona de turbulência.

A aeronave faz uma ligeira virada para a esquerda – o desvio em relação à rota inicial é de cerca de 12 graus. O nível de turbulências aumenta ligeiramente e a tripulação decide reduzir a velocidade.

A partir das 23h10, o piloto automático é desativado e o copiloto diz: "Eu tenho os comandos". O piloto automático permanece desligado até o final do voo. A aeronave se inclina para a direita e o copiloto exerce uma ação à esquerda e de elevação do nariz. O alarme de "stall" [perda aerodinâmica] dispara duas vezes.

Às 23h10min16, o copiloto disse: "Perdemos as velocidades" e executou manobras para controlar o avião. Apesar do problema parecer resolvido, o piloto chama o comandante à cabine diversas vezes a partir de então. Logo depois, o alarme de "stall" soa novamente e uma nova queda acentuada começa. Até chegar ao nível do mar o avião leva 3 minutos e 30 segundos. Os dados da caixa-preta apontam que não houve falha nos motores e eles sempre responderam aos comandos da tripulação.

Air France se rende às evidências após 2 anos

Foram necessários dois anos para que a Air France se rendesse a uma evidência de primeira hora sobre o voo AF-447: as sondas de velocidade Thales AA estavam mesmo na origem do acidente. O reconhecimento veio em nota publicada após a revelação do relatório preliminar do BEA. Nela, a Air France reconheceu a falha das sondas e elogiou a tripulação, que lutou às escuras. "Fica estabelecido [nos diálogos] que o comandante [Marc Dubois] rapidamente interrompeu seu repouso para retornar ao posto de pilotagem. A tripulação, reunindo competências dos três pilotos, provou o profissionalismo."

A companhia afirma ainda que "o construtor (Airbus) e a companhia tomaram as medidas necessárias para evitar a repetição de tal acidente". Nesse trecho, a nota se refere à substituição das sondas pitot de marca Thales AA por modelos da marca Goodrich, o que se tornou uma determinação internacional. Por seu lado, a Airbus laconicamente disse que "o trabalho do BEA constitui um passo significativo". A empresa Thales não se pronunciou.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]