Com a ajuda de populares, funcionários do Instituto Médico-Legal de Curitiba carregam um cadáver na única viatura que ainda funciona: estrutura deficitária e falta de pessoal prejudicam o trabalho| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
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"O IML não é humanizado", diz especialista

O caos em que se encontra o IML do Paraná é fruto da falta de humanização com a qual são tratados não apenas o órgão, mas os que dependem dele. Essa é a opinião da presidente da Associação dos Médicos-Legistas do Paraná (AML-PR), Maria Letícia Fa­­gundes. Há 16 anos no instituto, no qual já fez um pouco de tudo, a médica afirma que o olhar dos sucessivos gestores que passaram pelo governo jamais olhou o órgão com a devida atenção. "Quando você entra no prédio [onde fica o IML], você vê que o instituto está nos fundos. E ele está nos fundos quando o assunto é dar recursos e valorizar quem trabalha lá. E aquele longo caminho que existe entre o IML e a entrada do prédio é o caminho que nos separa da sociedade".

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Levantamento feito junto aos 17 IMLs do PR revelou falta de estrutura e de funcionários

O Paraná precisaria dobrar o número de médicos legistas para prestar um atendimento digno e humanitário nas 17 unidades do Instituto Médico-Legal (IML) espalhadas pelo estado. Um levantamento feito pelo próprio governo na gestão Roberto Requião mostra que seriam necessários 160 profissionais, mas atualmente, de acordo com levantamento da Gazeta do Povo, há 94 legistas em atividade – ou 58% do considerado ideal – para atender os 399 municípios paranaenses.A carência de médicos é apenas um dos vários problemas de infraestrutura e de falta de pessoal que prejudicam o trabalho no instituto, principalmente nas unidades de fora da capital. "A situação dos IMLs do interior é uma calamidade", resume o médico Porcídio D’Otaviano de Castro Vilani, que deve assumir em breve a direção-geral do IML do Paraná.Das 17 unidades, apenas Londrina e Curitiba têm uma estrutura um pouco melhor. Em oito subsedes não há motoristas para dirigir as viaturas. Os casos mais graves são Paranavaí, União da Vitória e Jacarezinho, que contam com apenas um legista e nenhum funcionário administrativo. Em Maringá, a terceira maior cidade do estado, não há sequer uma viatura e o transporte está sendo feito provisoriamente por uma funerária. Fora isso, equipamentos como o cromatógrafo, que detecta substâncias ilícitas no sangue e no tecido dos corpos, estão quebrados na unidade de Curitiba, atrasando a liberação de corpos. O conserto do aparelho e a contratação de funcionários via concurso são prioridades, afirma Vilani.

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Caos dentro do caos

Com 50 anos de Medicina Legal e 23 livros publicados, o médico legista Genival Veloso de França, 78 anos, classifica o atual estado dos IMLs no país como caótica. "A Medicina Legal no Brasil vive um caos dentro de outro caos, que é a segurança pública. Estamos 50 anos atrasados por falta de políticas públicas mínimas para o setor, culpa dos administradores que não se preocupam em providenciar os materiais necessários para a atividade nem em qualificar os profissionais", afirma ele, que é professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professor convidado de Medicina Forense da Universidade de Valência, na Espanha, e do Instituto Médico Legal de Coimbra, em Portugal.

Salientando a dedicação e empenho dos médicos legistas do país, Veloso diz que é vergonhoso o atual estado dos IMLs. "Não sei como o indivíduo tem coragem de dizer que é responsável pela administração pública, com IMLs desse jeito. Não sei como os médicos conseguem prestar assistência com a falta muito grande de meios. É lamentável que o Brasil, que é a sétima economia mundial, esteja tão atrasado nesse aspecto".

Questionado sobre a estrutura mínima para os IMLs, o professor diz que um prédio com sala para necropsias e medicina legal, laboratórios, auditório para ensino continuado, ambientes confortáveis para os profissionais repousarem, além de material de consumo suficiente e salários decentes aos legistas seria um bom começo.

Desaparecimento

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Há mais de um mês, a dona de casa Neuza Fátima Santana luta para conseguir um enterro digno ao filho, assassinado em janeiro deste ano, em Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. Após conseguir uma autorização judicial para retirar o corpo do IML da capital, um outro fato a pegou de surpresa: o cadáver desapareceu da câmara fria, onde permanecem os corpos à espera de liberação. "Faz 36 dias que não durmo, que não como. E agora é isso: me disseram que ele [Santana] pode ter sido enterrado por engano", lamentou. O filho dela, Nilton Lopes Santana tinha 27 anos e foi morto a facadas no dia 16 de janeiro. O corpo só foi encontrado três dias depois do crime, já em estado de decomposição.

A direção do IML de Curitiba reconheceu que pode ter havido uma falha e que Santana pode ter sido enterrado por engano como "não identificado". Para tentar localizar o cadáver, o IML solicitou à Justiça que autorize a exumação dos cadáveres sem identificação ou não reclamados por familiares e que foram enterrados como indigentes a partir de 19 de janeiro.