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Remuneração

Salário abaixo do mercado piora situação

O levantamento do Dieese revela que, até o ano passado, 827 engenheiros atuavam no setor público municipal no Paraná. A pesquisa, porém, leva em conta somente os profissionais contratados efetivamente em sua área de atuação, e não os que, mesmo sendo engenheiros, são contratados como técnicos ou analistas, embora exerçam tarefas específicas da profissão. A artimanha jurídica, segundo o economista do Dieese do Paraná e autor do levantamento, Fabiano Camargo da Silva, é uma das estratégias das prefeituras para não precisar pagar o piso mínimo da categoria.

A remuneração, inclusive, é apontada como uma das principais causas para a baixa presença de engenheiros nos órgãos públicos, que, tradicionalmente, pagam menos do que o setor privado. Hoje, o piso nacional da categoria é de nove salários mínimos para oito horas. Segundo o Dieese, nas prefeituras a média de remuneração é de R$ 4.802,48, abaixo do piso.

Profissionais e entidades do setor, porém, garantem que, em geral, os salários são bem menores. Enquanto um engenheiro recém-formado chega a ganhar R$ 5 mil, órgãos públicos oferecem salários de R$ 2,5 mil. "Os concursos ocorrem, mas os engenheiros não aparecem porque o setor público está pagando metade do piso do categoria. Você não vai conseguir recompor seus quadros pagando metade do que a iniciativa privada paga", diz o presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná, Valter Fanini.

Comissionados

A prefeitura de Campo Mourão, município de 87 mil habitantes, possui apenas um engenheiro concursado. Outros cinco profissionais atuam na mesma função, em cargos comissionados. "O município fez novos concursos, mas ainda há uma discrepância grande entre o que o mercado paga e o poder público tem condições de pagar. Cargos de confiança, como chefias de departamento, têm suprido essa falta", relata o secretário de Planejamento da cidade, Fábio Gaspar Mello.

Três décadas de serviços prestados

Morador de Mandaguaçu, cidade vizinha a Maringá, Nivaldo Martelosso conhece em detalhes boa parte dos prédios públicos, praças e avenidas do pequeno município de 19,7 mil habitantes. Não somente porque ali ele nasceu e viveu desde criança, mas também porque, nas últimas três décadas, foi um dos principais responsáveis por planejar o crescimento da cidade e projetar intervenções urbanas que vão desde a construção de postos de saúde até a reforma de salas de aula. Único engenheiro civil da prefeitura há 33 anos, Martelosso tem experiência de sobra. E estrutura de menos. A rotina do engenheiro é compartilhada por pelo menos outros 125 profissionais do Paraná, que atuam sozinhos na função nas prefeituras do estado. Em Mandaguaçu, ele divide as tarefas com outros dois colegas: um desenhista e um estagiário de Arquitetura.

  • Veja o número de engenheiros no setor público no Paraná

Quase metade das 399 prefeituras do Paraná não tem sequer um engenheiro contratado em seu quadro de funcionários. Em outras 125 cidades, o corpo técnico responsável por elaborar projetos, fiscalizar obras, planejar investimentos públicos e coordenar intervenções urbanas se resume a uma pessoa. O cenário crítico, que atinge também órgãos estaduais e federais do estado, é comprovado por um levantamento feito com exclusividade para a Gazeta do Povo pelo Departamento Intersin­­dical de Estatística e Estudos Socio­econômicos (Dieese). Os números são referentes às contratações até 2010.No Paraná, 2.040 engenheiros atuam no setor público, nas esferas municipal, estadual e federal – o equivalente a cinco profissionais por município, em média. A disparidade na quantidade de engenheiros por cidade, porém, agrava a situação. Se­­gundo o levantamento do Dieese, Curitiba concentra 30% do total de engenheiros no setor público municipal, com 250 contratados, enquanto Londrina possui apenas 48. No lado oposto, 182 prefeituras não têm nenhum profissional contratado formalmente na área de Engenharia.

Caso, por exemplo, de Serta­­nópolis, no Norte do estado. Nos últimos sete anos, toda a demanda de obras públicas do município de 15,5 mil habitantes foi atendida por um único profissional – uma arquiteta. Há dois meses, o corpo técnico da prefeitura dobrou, com a contratação, por concurso, de um engenheiro. "Fazemos desde captação de recursos, projetos, orçamento, acompanhamento de obras. O problema é que o serviço não rende, porque ao mesmo tempo você tem que atender telefone, receber o público... é uma demanda muito grande pra duas pessoas", relata a arquiteta do município, Angélica Patrícia Silva.

Defasagem

A falta de funcionários qualificados não atinge somente as prefeituras. A Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), órgão do governo do estado responsável por formular e implantar políticas públicas integradas de desenvolvimento para os 26 municípios da região metropolitana, tem cinco engenheiros civis, dois geólogos e dois arquitetos. Isso para desenvolver ações ligadas ao sistema viário, meio ambiente e ocupação do solo que influenciam 3,3 milhões de habitantes.

A demanda já existente foi reforçada com as obras previstas para a Copa do Mundo de 2014. Atualmente, a Comec é responsável por quatro grandes obras de infraestrutura urbana que, juntas, somarão investimentos federais de R$ 231 milhões. "O nosso quadro técnico hoje é insuficiente para tudo que precisamos fazer", reconhece o coordenador-geral do Comec, Rui Hara. "Como temos essa dificuldade, estamos trabalhando em conjunto com profissionais dos municípios e institutos. Não é a forma ideal, mas é uma maneira de não deixar nenhum projeto de lado", diz.

Uma das alternativas adotada pelo Comec, para atender a necessidade de acompanhamento e fiscalização das obras, é contratar uma empresa de consultoria gerencial. A equipe terceirizada terá, entre 33 profissionais, oito engenheiros, um arquiteto e cinco topógrafos. A contratação está em processo de licitação.

"A Comec existe de direito e não de fato. Na área de engenharia, ela não faz nada. Não está atendendo, não está planejando", critica o presidente do Conselho Regional de Engenha­­ria, Arquitetura e Agronomia do Paraná, Álvaro José Cabrini Júnior. "Tanto municípios quanto órgãos estaduais e federais precisam ter uma estrutura mínima de profissionais qualificados para atender às demandas das políticas públicas. O estado pode até contratar a execução da obra, mas antes precisa saber qual obra deve ser executada, quais as necessidades da região", complementa o coordenador do curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Joel Krüger.

Sem projetos, cidades penam por recursos

A falta de um quadro técnico estruturado nas prefeituras impede não só a fiscalização e acompanhamento de obras – o que pode dar margem a aditivos desnecessários pelas empresas contratadas e trabalhos mal-executados –, mas também a busca por recursos na Caixa Econômica Federal e ministérios para financiar intervenções urbanas de maior parte. Nesse caso, a quebra no procedimento comum é simples: sem engenheiros, não há projetos. E sem projetos, não há repasse de verbas.

"O desaparelhamento do setor público está impedindo investimentos. Não é a burocraria que está matando. É a falta de gente, de um sistema de gestão eficiente", afirma o presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquite­­tura e Agronomia do Paraná (Crea/PR), Álvaro José Cabrini Júnior.

O chamado "sucateamento" dos corpos técnicos chegou a ser tema, ano passado, de uma audiência no Senado. Na ocasião, o secretário de Fiscalização de Obras do Tribunal de Contas da União (TCU), André Luiz Mendes, relatou que cerca de 80% dos projetos apresentados por municípios e estados são "rudimentares e sem qualidade" ou não estão de acordo com a legislação. A deficiência seria um dos principais causadores de irregularidades encontradas pelo TCU em obras públicas.

"Se eu contrato e não consigo acompanhar a elaboração do projeto, os problemas vão surgir durante a obra. Isso está ligado à falta de um corpo técnico permanente", defende o presidente do Instituto Brasileiro de Auditores de Obras Públicas (Ibraop), Pedro Paulo Piovesan de Farias.

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