• Carregando...
Improviso: lamparinas fazem parte da rotina dos Marques, que não têm mais geladeira, tevê ou iluminação artificial | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Improviso: lamparinas fazem parte da rotina dos Marques, que não têm mais geladeira, tevê ou iluminação artificial| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A cada anoitecer, a família da dona de casa Madalena Marques é obrigada pelas circunstâncias a se lembrar do dia 23 de novembro de 2008, data da forte chuva que desabou sobre Santa Catarina. Os Marques, que moram em Arraial do Ouro, na região rural do município de Gaspar, tiveram de sair da casa de madeira, que estava cheia de lama, em meio a grandes pedras que eram levadas pela água e morros que deslizavam. Foram em sete pessoas se abrigar no paiol com os animais. Uns ficavam em cima da carroça, outros se espremiam em meio a vacas, galinhas e porcos. Tudo isso sem energia elétrica.

Passado um ano da tragédia, a família ainda não consegue superar uma das sequelas deixadas pelas enchentes. Continuam até hoje sem energia elétrica. A televisão não passou a novela Caminho das Índias, para tristeza das filhas noveleiras. A geladeira vazia deu mais trabalho para Madalena, que tem de fritar carne em banha de porco e armazená-la em latas de metal.

O jeito de os meninos tomarem banho quente no inverno foi instalar uma lata de tinta vazia no lugar do chuveiro. Ela foi furada e colocada no alto do banheiro. A mãe despeja água na temperatuda desejada na lata e, de gota em gota, as crianças conseguem se lavar. Vão dormir assim que escurece, por volta das 19h30. "Não tem o que ficar fazendo, porque daí já anoiteceu", diz Madalena.

Ao amanhecer, a situação deveria melhorar. Só que aí começa uma nova jornada para quatro filhos: caminhada de dois quilômetros até a escola. Quando chove muito, a distância aumenta para sete quilômetros, porque nesses dias o ônibus não sobe o morro onde eles vivem.

Os filhos vão com uma vela dentro de uma lata para iluminar o caminho até a escola. Além de caderno e livros, levam na mochila uma muda de roupa limpa. Quando estão perto do ponto de ônibus, com o orvalho da madrugada e a lama da estrada, trocam a roupa que ficou suja. As peças usadas são escondidas no meio do mato para serem levadas para casa na volta.

As crianças se acostumaram à caminhada. Se você perguntar para o filho mais novo, Andriel, 8 anos, se gostaria de sair de lá, a resposta é rápida: "Não quero sair. Está bom debaixo de vela." Mas se está chovendo forte, Madalena nem manda os filhos para a aula. "Não dá coragem de mandar. É muito perigoso."

Os Marques são naturais de Imbituva, na região Centro-Sul do Paraná. Dizem ter saído da cidade por falta de emprego. O irmão de Madalena morava na região do Arraial do Ouro e indicou uma chácara para a família cuidar. Estão há dois anos na casa, mas Madalena procura um novo lugar.

Reparos

A coordenadora da Defesa Civil de Gaspar, Mari Inez Theiss, explica que as estradas estão sendo arrumadas, mas que, com novas chuvas, as obras têm de ser refeitas. "Estamos enxugando gelo", compara.

O impasse é maior na questão da energia elétrica. A Defesa Civil alega que o traçado da rede elétrica tem de ser refeito porque foi destruído pela chuva. As Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) precisariam ter acesso à propriedade para fazer a instalação dos postes, mas a melhoria da estrada dentro da chácara, área particular, não poderia ser feita pelo poder público. O proprietário da chácara onde os Marques trabalham não teria dado retorno à Celesc com relação ao acesso. E a família não tem condição de pagar pela obra, calculada em R$ 3 mil.

Enquanto isso, todos os vizinhos estão com energia elétrica. É com eles que Madalena está se socorrendo na hora de carregar a bateria do celular ou de pôr, vez ou outra, algum alimento na geladeira. O resto é no improviso, antes de se mudarem de vez.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]