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Marco Aurélio, Abelini e a filha Letícia, de 8 anos: em busca de uma educação mais cidadã | Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Marco Aurélio, Abelini e a filha Letícia, de 8 anos: em busca de uma educação mais cidadã| Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo

Matricular as três filhas em escolas públicas do bairro em que mora, em Santa Felicidade, em Curitiba, foi a escolha do ca­­­sal Marco Aurélio Kloster, 43 anos, e Abelini Vaneli de Lima, 42 anos. Ele é médico veterinário e ela é professora, mas decidiu deixar a carreira para se dedicar às filhas. Os dois teriam condições de matricular as filhas em escolas particulares, mas como encontraram perto de casa instituições públicas com qualidade de ensino equivalente a muitas particulares, optaram pelo ensino público.

Além da economia, o casal teve outra razão para fazer essa escolha: espera que as meninas recebam uma educação mais cidadã. "Nada é fácil na escola pública. Tudo se consegue com muita luta e participação da co­­­munidade. Minhas filhas têm orgulho da escola onde estudam", ressalta Abe­­lini, que faz parte da Associação de Pais, Pro­­­­­fessores e Fun­­cio­­nários (APPF) da Escola Mu­­­nicipal Vinhedos, onde estuda a caçula.

O casal não se arrependeu da escolha feita quando filha mais velha, Amábili, com 18 anos, ingressou na escola. Ela sempre esteve matriculada no ensino público e atualmente cursa Gastronomia na Pontifícia Uni­­­versidade Católica do Paraná (PUCPR). Só não estuda em universidade pública porque o curso que escolheu não é ofertado. As duas meninas mais novas: Nathalia, 13 anos, e Letícia, 8 anos, irão seguir o mesmo caminho da mais velha, se depender do planejamento dos pais.

E o caso de Marco Aurélio e Abelini não é exceção. A convicção em manter os filhos no ensino público tem se tornado cada vez mais comum entre as famílias de classe média de Curitiba. A possibilidade de usar o dinheiro que seria gasto na mensalidade escolar com um curso complementar aos estudos, como de língua estrangeira, é outra vantagem apontada por quem faz essa opção.

Municipal e estadual

A professora de música Emília Kumata, 45 anos, e seu marido, o analista de sistemas Hélio Mas­­sao Kumata, optaram por manter apenas os filhos menores na escola pública. Heric, de 8 anos, está matriculado no 3.º ano, e Helder, de 10 anos, na 4.ª série da Escola Municipal Mar­­çal Justen, no bairro Água Verde. Já a mais velha, Hanna, 11 anos, estuda na 6.ª série de uma escola particular católica.

A menina também estudou no sistema público durante os primeiros anos do ensino fundamental. A migração para a rede particular ocorreu porque a filha precisou mudar de escola – o colégio em que estudava ofertava vagas somente até o 5.º ano – e a qualidade de ensino nas instituições públicas disponíveis deixavam a desejar.

A gestão do ensino fundamental no Paraná é dividida em duas partes: os municípios administram as escolas dos anos iniciais e o estado, as dos anos fi­­nais. "A rede municipal tem boa qualidade e as escolas são menores, o que garante mais segurança às crianças. Já a escola estadual apontada pelo sistema de georreferenciamento do estado era muito insegura. Então optei por uma particular que pudéssemos pagar", justifica Emília.

A advogada Érika Lima, 33 anos, veio de Rondônia em dezembro do ano passado. Lá, o filho Matheus, 7 anos, que cursa o 2º ano do ensino fundamental, estudava em escola particular. Aqui, Érika teve de matriculá-lo no ensino público. "Sempre ouvimos falar que a qualidade das escolas públicas daqui era boa. Por enquanto estou gostando", diz Érika, ressaltando que, mesmo se tivesse como pagar escola particular, não tiraria o menino do sistema público.

Já a funcionária pública Ana Carolina Weigert Áquila, 28 anos, faz questão de ressaltar que não confia cegamente em qualquer escola pública. Seus filhos – Caio, 6 anos, e Vinícius, 8 anos – estão matriculados no 2º e 3º ano, respectivamente, da Escola Municipal Nympha. "Nem toda escola pública é boa. Eu pretendo que eles continuem na rede pública, mas em escolas bem conceituadas. Poderia pagar uma escola particular que teria a mesma qualidade de onde eles estudam hoje. Mas não há necessidade de pagar se existem escolas públicas boas. Se eu pago imposto, tenho esse direito", comenta.

Espaço democrático

Na opinião de duas especialistas em educação que atuam no setor público de ensino, a escola pública passou a ser um espaço mais democrático nos últimos 15 anos. "Todos devem aprender a conviver com as diferenças. Nas escolas particulares de classe média, muitas vezes as crianças acabam sendo colocadas em verdadeiros guetos. Vivem só com pessoas da mesma classe social e acabam tendo uma visão deturpada do outro. Assim, aquele que estuda em escola pública acaba sendo visto como pobre e o outro que estuda em escola particular como playboy", comenta a secretária da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria do Pilar Lacerda.

A profissional lembra que, no Brasil, a discussão sobre qual deveria ser o papel da escola pública começou em meados dos anos 1970. No final dos anos 1980, com a abertura política, promulgação da nova Cons­­tituição Federal e mudanças na legislação, a educação pública básica passou a ter o objetivo de atender a todos. "A diferença é que, antes disso, a escola podia até ser de qualidade, mas atendia a poucos", diz.

A superintendente da Secre­­­taria de Estado da Educação do Paraná, Allayde Digiovanni, lembra que há cerca de 15 anos houve um forte arrocho salarial e muitas famílias de classe média se viram obrigadas a colocar seus filhos em escolas públicas. "Existia esta fantasia de juntar dinheiro e fazer esforço para colocar (os filhos) em escolas privadas, que, em sua maioria, não eram boas. Isso mudou porque as pessoas passaram a confiar num indicador de qualidade, que é o Ideb", diz.

Mesmo com o Índice de Desen­­vol­­­vimento da Educação Básica, Al­­­layde lembra que, com a política de georreferenciamento adotada pela rede estadual, as crianças são matriculadas na escola mais próxima da residência dos pais, não havendo muita liberdade de escolha. "Ainda há desigualdade dentro das próprias redes. As políticas ainda não chegam de forma universal em todos os lugares. Em áreas com maior risco social, penso que deveriam haver ações conjuntas do estado com a área da Saúde e Assistência Social", diz.

Maria do Pilar também defende que ainda há muito o que melhorar na qualidade oferecida pela escola pública. "É preciso fazer uma reflexão do modelo de escola que se oferece. Com tantas mudanças tecnológicas ocorridas nas últimas décadas, o modelo de escola, de ensinar, continua o mesmo", diz.

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