Instituo de Educação do Paraná, um dos primeiros pontos considerados para o roteiro da cultura afro, foi onde estudou Enedina Marques, primeira engenheira negra da UFPR, e possivelmente do país.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Encontrar símbolos da história e da cultura negra em Curitiba não é tarefa difícil – os principais marcos estão no Centro da capital, embaixo do nariz de turistas e transeuntes. O que falta é difundir informação sobre a importância destes locais.

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Igreja do Rosário, conhecida como “dos negros”, abrigava a Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito
Sociedade Operária 13 de Maio foi fundada por ex-escravos e hoje abriga diversas manifestações de povos de origem africana
Praça Generoso Marques foi batizada em nome de um jurista que defendeu negros, abrigou a cadeia pública de Curitiba e, possivelmente, o pelourinho. Hoje conta com uma estátua de uma figura negra feminina
Praça Generoso Marques possivelmente abrigou o Pelourinho de Curitiba. Placa é de 1993
Fonte da Praça Zacarias foi homenagem aos irmãos Rebouças, engenheiros negros. Local foi palco de conflito entre pessoas brancas e escravas, que utilizavam o local para banhar-se e lavar roupa
Instituto de Educação do Paraná foi a primeira escola de Enedina Marques, primeira engenheira negra a se formar pela UFPR
Rua Barão do Rio Branco ganhou o nome de Rua da Liberdade, em homenagem à libertação dos escravos. Prédio que abriga o Museu da Imagem e do Som (MIS) chama-se Palácio da Liberdade por este motivo
Igreja “dos brancos”, Catedral de Curitiba foi epicentro de negros operários durante sua reforma, no período final da escravidão
Praça Zumbi dos Palmares foi revitalizada e ganhou um Memorial Africano em 2010
Praça Tiradentes virou marco para os adeptos do Candomblé por abriga r gameleiras, árvores consideradas sagradas
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Pensando nisso, o pesquisador Thiago Hoshino, em parceria com outros estudiosos, montou um roteiro sobre a cultura afro na capital e que agora está sendo avaliado pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC) para se tornar, até o fim de 2015, um museu de percurso. “A proposta é sair um pouco da narrativa tradicional do escravo oprimido e também mostrar outras biografias dentro da escravidão. Negros letrados, lutas de escravos etc”, explica Hoshino.

O esforço em dar visibilidade a estes espaços, no entanto, não muda o fato de que a cultura negra é sub-representada na capital paranaense, pondera o presidente da FCC, Marcos Cordiolli. “Curitiba tem um quarto da população de origem africana, o que nunca foi devidamente reconhecido pela cidade.”

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Um exemplo é a Praça Zacarias. O chafariz ali instalado foi uma homenagem aos irmãos Antônio e André Rebouças, engenheiros negros e responsáveis pelo primeiro sistema de saneamento de Curitiba –além da ferrovia Curitiba-Paranaguá e da Estrada da Graciosa.

Praça Generoso Marques guarda, sozinha, vários fatos da cultura afro

O prédio original do antigo Paço Municipal (que pegou fogo em 1897) abrigava também a Cadeia Pública, palco da história de muitos escravos. Entre eles Pedro Manoel, chamado professor, que passou 25 anos preso e alfabetizando colegas; quando suas aulas foram proibidas, ele fugiu. O próprio Generoso, que dá nome ao local, defendeu vários escravos em processos penais, conta Hoshino.

O local pode ter abrigado o pelourinho municipal. O monumento de punição de criminosos era também um sinal de jurisdição da vila, e faz sentido que estivesse instalado ao lado da sede do poder. No entanto, não há provas concretas de que fosse lá o local de punição, segundo Hoshino, embora uma placa de 1993 instalada nos fundos do atual Paço da Liberdade afirme isso.

A escultura “Água Pro Morro”, de Erbo Stenzel, também está na praça. Este é um dos poucos monumentos da cidade que representa uma pessoa negra. Diz a lenda que o artista teria se inspirado em uma mulher pela qual se apaixonou, no Rio de Janeiro. Colocada ali por ocasião dos 300 anos da capital, a escultura foi rebatizada de “Maria Lata D’Água”, o que causou a revolta do movimento negro.

Esta mesma fonte foi palco de conflitos entre escravos e brancos, no século 19. Hoshino, que investigou processos jurídicos do período escravagista, conta que há relatos nos jornais da época sobre disputas pela água. “Quem morava ali reclamava muito que escravos e ‘populares’ iam lá buscar água, tomar banho, as lavadeiras também utilizavam a fonte, e eles [moradores da região] pediam intervenção policial.”

Próximo dali fica o Instituto de Educação do Paraná, onde estudou Enedina Marques, primeira engenheira negra formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possivelmente a primeira do país.

Em frente ao marco zero da Al. Princesa Izabel – via que leva o nome da princesa que aboliu a escravidão há exatos 127 anos – está a Sociedade Operária Beneficiente Treze de Maio. Idealizada por Vicente Moreira de Freitas para ajudar ex-escravos, o clube aceitava apenas negros. Hoje trabalha com projetos de valorização desta cultura.

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A Igreja da Matriz, na Praça Tiradentes, virou um reduto de trabalhadores negros durante sua reforma, entre 1876 e 1893. Há relatos de que o engenheiro Giovani Lazzarini instituiu um fundo que reservava parte dos salários dos próprios pedreiros para pagar a alforria dos colegas sem liberdade, segundo conta a historiadora Marcia Elisa de Campos Graf em seu livro Imprensa Periódica e Escravidão no Paraná. Indiretamente, a reforma deu força à criação da Treze de Maio. Isto porque os negros ficaram sem espaço, uma vez que a população branca passou a ir à missa da Igreja do Rosário, no São Francisco, onde funcionava a Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito.

Bairros e até as árvores da Praça Tiradentes também são referência para o povo negro

No século 20 dois lugares de Curitiba foram marcados pela trajetória do povo negro: o bairro Rebouças, antiga morada de operários e que foi batizado em homenagem aos proeminentes engenheiros negros; e a Vila Tassi, que ficava na atual Vila Capanema, possivelmente onde hoje está instalado o moinho da fábrica Anaconda.

Foi ali que em 1945 nasceu a Colorado, primeira escola de samba curitibana. Não há um local específico que marque a fundação da agremiação. Não havia uma sede, e os ensaios aconteciam na própria vila, muitas vezes debaixo do Viaduto do Capanema, conta o jornalista Teotônio Souto Maior, que ajudou na pesquisa do livro Colorado: a primeira escola de samba de Curitiba, de João Carlos de Freitas. Um dos berços foi a casa do fundador Ismael Cordeiro, o Maé da Cuíca. A construção continua de pé, e hoje abriga Rosemari Cordeiro de Miranda, a filha do Maé.

Formalmente, a cidade também possui, ao Sul, no bairro Pinheirinho, a Praça Zumbi dos Palmares, feita em homenagem ao líder do maior quilombo da história brasileira e revitalizada em 2010, quando recebeu o Memorial Africano.

Informalmente, as gameleiras da Praça Tiradentes são referência para os adeptos do candomblé. As árvores são sagradas para eles. “Toda vez que o povo de santo faz algum ato, veste as gameleiras, que são chamadas [pelo nome do orixá] Iroko”, conta o pesquisador Thiago Oshino.