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Joguete

Ex-cônjuges em conflito atribuem funções aos filhos que só interessam a eles mesmos.

Mala

- O filho passa recados entre os pais sobre assuntos que eles deveriam tratar, como horário de visitas ou permissão para viagem. Por vezes, o próprio filho decide. A carga excessiva de autonomia sobre a criança leva à sua "parentalização" – ela é tratada e se vê como igual aos pais.

Bala

- Pais também passam agressões ao outro por meio do filho. A troca de insultos leva a criança a concluir que as visões dos dois são inconciliáveis. Ela entra em um conflito de lealdade e se sente culpada pela perspectiva de optar por uma das visões.

Cola

- A criança se torna desculpa para telefonemas constantes, nos quais ela é provocada a falar sobre os afazeres de seu guardião, o que é uma forma de monitorar a vida do ex-cônjuge. A ilusão de controle se estende às audiências judiciais.

Já é senso comum que a disputa na Justiça pela guarda dos filhos de um casal separado causa sofrimento às crianças. No entanto, quando essa situação perdura, os filhos – que deveriam ser o foco da luta judicial – acabam relegados ao segundo plano, em proveito da perpetuação do conflito conjugal. É o que conclui o estudo de uma pesquisadora da Universidade de Brasília, ao verificar que os ex-cônjuges ficam tão presos às mútuas agressões que não conseguem parar nem pelo bem dos filhos, mesmo quando veem o mal que isso faz à criança.

A mestre em Psicologia Ma­­riana Juras acompanhou por seis meses o desenrolar da história, dentro e fora dos tribunais, de três famílias que apresentavam sinais de separação destrutiva – aquela em que o fim da união é o começo de um conflito que só faz crescer. Nos três casos havia escalada simétrica e triangulação: a agressão de uma parte era seguida por uma mais intensa da outra e os ex-cônjuges só se falavam por recados de terceiros, que acabavam tomando parte na briga.

"Apesar de a disputa ser pelo filho, há uma valorização do conjugal pelos pais em detrimento do parental. Questões malresolvidas do casamento se unem a novas agressões e rancores, que alimentam novas brigas. O filho se torna um elo para perpetuar esse conflito", percebe Mariana. Nessa situação, as crianças são os terceiros na triangulação e os pais lhes atribuem funções que só interessam a eles mesmos. Elas viram passadoras de recados para que os pais não tenham de se falar, levam ofensas de um para o outro e relatórios sobre a vida de cada, que alimentam suas ilusões de controle do ex-cônjuge e servem de munição.

É como se a criança fosse anulada enquanto indivíduo. Isso provoca reações, saudáveis ou não. Ela se torna ansiosa e com propensão à depressão. Também pode ficar agressiva como forma de "protestar" contra a situação e atingir os pais. "A falta de um ambiente estável pode impedir o desenvolvimento emocional dela. Uma timidez difícil de se vencer ou até um extremo isolamento são desfechos possíveis", completa Mariana.

Os pais não deixam de perceber esses comportamentos. Os três casais separados tinham consciência da dor infligida aos filhos, mas nenhum estava disposto a parar de brigar. Para a pesquisadora, o próprio formato da Justiça potencializa o conflito levando a esse paradoxo. "A disputa é pelo bem da criança, mas o processo só intensifica seu sofrimento. A característica da Justiça de que você deve se auto-elogiar e denegrir ao máximo o outro faz escalar as agressões fora do tribunal e, inclusive, por intermédio da criança. Fica-se preso em um ciclo pernicioso."

Justiça

O advogado especialista em Direito da Família Valdir Gri­zardi Filho acrescenta à mistura o fato de não haver trânsito em julgado na custódia. "Os advogados querem ganhar e derrotar o outro. Na medida em que é uma guerra, eu vou usar de todos os petardos disponíveis, vou expor toda a sujeira do outro no balcão do cartório. Se o derrotado não se conforma, a lavação de roupa continua por anos", observa. "No fim das contas, é pelo bem da criança. O juiz precisa saber todo o possível para decidir", pondera.

Mariana acredita que há alternativas ao processo judicial, mesmo quando os pais se recusam a se falar. Mas pode ser necessária a intervenção de alguém, como avós, que se tornam mais presentes nessas situações. "Dentro de cada família conseguimos colher momentos em que eles se sensibilizam para o sofrimento da criança. Esses momentos podem facilitar a aproximação das duas famílias, para que o diálogo civilizado seja possível", percebe.

Por vezes, a intervenção pode ser da própria Justiça – só que a ordem não se transforma em resultado. "Quando o corpo técnico percebe que o processo está sendo danoso para a criança e acha que os pais devem passar por terapia e aconselhamento com assistente social, temos as ferramentas legais para obrigá-los. Mas não podemos garantir o resultado", pondera a desembargadora Joeci Camargo, coordenadora do programa Justiça no Bairro, que tem 80% do seu atendimento voltado ao Direito de Família.

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