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Uma das práticas comuns nos trotes é obrigar o calouro a consumir bebidas alcoólicas. Projetos que tramitam na Câmara dos Deputados querem transformar as humilhações em contravenção penal. | Cristina Cabral/AE
Uma das práticas comuns nos trotes é obrigar o calouro a consumir bebidas alcoólicas. Projetos que tramitam na Câmara dos Deputados querem transformar as humilhações em contravenção penal.| Foto: Cristina Cabral/AE

Violência e impunidade

Nos últimos dias, dois casos de trote violento chamaram a atenção do país.

Grávida

No último dia 9, duas universitárias que assistiam ao primeiro dia de aulas na Fundação Municipal de Educação e Cultura (Funec) de Santa Fé do Sul (SP) tiveram queimaduras causadas por uma mistura de creolina e tíner despejada em seus corpos durante o trote. Grávida de três meses, Priscila Vieira Muniz (foto), 18 anos, aluna de Análise de Sistemas, teve queimaduras de segundo grau. O bebê não foi afetado. A estudante de Letras Jéssica da Silva Rezende, de 17, teve queimaduras de primeiro grau. Houve mais duas vítimas. A presidente da Funec disse a instituição vai expulsar a responsável pelos ataques, uma estudante de Pedagogia de 20 anos.

Chicote

No mesmo dia, o estudante Bruno César Ferreira, de 21 anos, passava por um trote violento em Leme (SP). Veteranos de Medicina Veterinária da Anhanguera Educacional o amarraram a um poste, agrediram-no com chutes no abdome e na cabeça, chicotadas e o obrigaram a consumir bebidas alcoólicas. Bruno foi internado em coma alcoólico. "Para lá (faculdade) eu não volto", disse no dia seguinte. Os calouros também foram obrigados a rolar em uma lona com fezes de animais.

Morte

A violência dos trotes deste ano ocorre dez anos depois que o calouro Edison Tsung Chi Hsueh, de 22 anos, morreu na piscina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), no dia 23 de fevereiro de 1999. Em julho do mesmo ano, veio a público um vídeo em que Frederico Carlos Jana Neto, o Ceará, na época no sexto ano do curso, afirmava, sorridente, em um bar: "Eu matei o japonês. Eu matei o japonês que se afogou". Depois de repercussão, Ceará disse ter sido apenas uma brincadeira "de extremo mau gosto". Até hoje, ninguém foi punido.

  • Trotes solidários estão sendo adotados em várias instituições, como em Apucarana.

Os casos de brutalidade registrados no início do ano letivo levaram a sociedade a tomar novas medidas contra os trotes violentos nas universidades brasileiras. Ontem, a Câmara dos Deputados decidiu reunir 15 projetos de lei sobre o assunto que estavam parados, fazer uma única proposta e colocá-la para votação em regime de urgência, ainda nesta semana.

O objetivo é coibir casos como os ocorridos na semana passada com a estudante grávida Priscila Vieira Muniz, que teve queimaduras de segundo grau, e com Bruno César Ferreira, que foi internado em coma alcoólico, ambos em São Paulo.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) trabalhou ontem em um texto que reunisse todas as propostas anteriores. Algumas tramitam na Câmara desde 1995. O deputado antecipou as linhas básicas da proposta. O projeto vai, primeiramente, reconhecer que o trote violento é prática de crime, que pode ser enquadrado como constrangimento ilegal, lesão corporal e homicídio, por exemplo. Além disso, a proposta vai responsabilizar as universidades, se seus alunos forem submetidos à violência em suas dependências.

Pelo texto de Dino, as faculdades serão obrigadas a processar os alunos que praticarem o trote violento. Nessa mesma linha, elas terão a responsabilidade de proteger os seus estudantes. O deputado vai estabelecer multa no caso do descumprimento da instituição.

"Atualmente, universidades não fazem nada, porque não querem perder seus consumidores. Vamos incumbir as universidades de proteger seus alunos. Se não protegerem, pagarão multa", reforçou o deputado. A proposta do deputado vai também criar instrumentos para dar base legal ao trote. Nesse caso, só serão permitidos os que tiverem objetivo social e de cidadania.

Paraná

No Paraná, o deputado estadual Ney Leprevost (PP) protocolou ontem um projeto de lei para punir estudantes e universidades que permitirem o uso de violência. Se a proposta for aprovada, o aluno que praticar trote violento no Paraná ficará proibido de fazer estágio em órgãos públicos e de prestar concurso público por três anos após terminar o curso. Outra medida é multar em cerca de R$ 30 mil a instituição de ensino, pública ou privada, que permitir ou facilitar o trote violento.

Ações violentas foram registradas no estado em menor proporção. Na Universidade Estadual de Maringá três casos ganharam destaque. Em meados dos anos 90, um veterano laçou uma estudante usando uma corda e ela acabou se machucando. Em 2001, um grupo de veteranos retirou tênis e peças de roupas dos calouros e os trancou em uma sala. Três anos depois, uma aluna agrediu uma colega com um soco no rosto e foi suspensa por seis meses.

As principais universidades do Paraná dizem não permitir o trote violento. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR) as denúncias diminuíram. O motivo para a queda seria o acompanhamento que a universidade passou a fazer. Antes que os calouros comecem as aulas, comissões formadas por representantes do setor e membros dos centros acadêmicos definem quais práticas serão permitidas na semana de recepção dos novatos. "Estamos trabalhando para que todos os alunos estejam cientes dos limites", afirma a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Rita de Cássia Lopes.

Uma pesquisa feita pela UFPR com alunos apontou que cerca de 70% se sentiam mais bem acolhidos com o trote, encarado como um rito de passagem. Depois do levantamento, a universidade decidiu não proibir o trote, mas definir limites toleráveis. "Para a UFPR, trote não significa violência, significa acolhida, brincadeira", aponta Rita. O aluno que praticar trote violento está sujeito a advertência e exclusão.

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) não tolera nenhum tipo de trote no interior da instituição no início das aulas, segundo a gerente de sino do campus Curitiba, Denise Buiar. As aulas começaram no dia 9 e, apesar das atividades de conscientização, foram recolhidos tintas, sprays, ovo e farinha. Denise explica que o trote foi feito na divulgação do resultado do vestibular. Na primeira semana, o que acontece são ações solidárias.

Na UEM, uma campanha pretende proteger o calouro da humilhação a que, por vezes, os veteranos o expõem. Há três anos um número de telefone (0800-643-4278) é colocado à disposição dos estudantes.

O conselheiro discente do Diretório Central dos Estudantes da UFPR, Augusto Brandini Neto, concorda que cabe à universidade ter uma política contra o trote violento. Ele acredita que a situação nas universidades acontece por causa dos efeitos da bebida alcoólica ingerida por veteranos. "Acho que existe consciência de alguns veteranos, só que, se você tem um único caso entre os 88 cursos da UFPR de trote violento, acaba colocando tudo por água abaixo".

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Interatividade

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